Minhas manhãs jamais serão iguais. Desde que me lembre, sempre gostei de acordar bem cedo, entreabrir a porta principal ou afrouxar as cortinas das janelas para a luz do sol e o ar matinal entrarem dentro de casa. Faz-me bem sentir o cheiro e a frescura deste ar e a luz do sol sempre deu um tempero especial ao início dos meus dias, marcando, para mim, o renascer, a cada dia, a esperança infinita, o redobrar das forças e a alegria de (o) viver.
Entretanto, no passado dia 26 de Novembro, não houve, para mim, ar fresco nem luz do sol. Pois, antes de acordar totalmente, recebi uma chamada da minha irmã mais nova a informar-me que o nosso pai tinha falecido, de madrugada, no Hospital Agostinho Neto, onde se encontrava internado.
Quando fui vê-lo no início da noite do dia 25 de Novembro nunca pensei que aquele seria o nosso último encontro, o nosso último aperto de mãos, mas o destino quis que assim fosse. Submerso em lágrimas, e após um tremendo esforço para aguentar os primeiros impactos da notícia, fui ter com os meus irmãos que estavam no hospital para, dignamente, prepararmos o enterro.
Meu pai nasceu em São Vicente, um ano após a célebre fome de 1947, mas fez da cidade da Praia o seu palco principal de vivência. Aqui viveu mais de metade da sua vida, nasceram onze dos seus dezasseis filhos e fez praticamente toda a sua vida profissional ligada, na sua totalidade, à carpintaria/marcenaria.
Depois de um período a trabalhar como fiscal na Câmara Municipal de São Vicente, meu pai, como muitos cabo-verdianos que nasceram no período colonial, cumpriu o serviço militar, alistando-se voluntariamente, entretanto, em inícios dos anos 70. Após de ter feito a preparação militar inicial no país, seguiu para Portugal e, posteriormente, para Moçambique com o propósito de prestar serviço. De regresso ao solo pátrio, entrou, após a independência, na Empresa de Construção Estatal, mais conhecida por EMEC, em São Vicente, de onde viria a ser transferido para a oficina em Lém Ferreira, cidade da Praia.
Na EMEC trabalhou como carpinteiro/marceneiro e depois como responsável de oficina, já na cidade da Praia. Exímio na sua profissão e com uma postura eticamente correcta, este facto granjeou-lhe, a vida toda, a admiração dos seus colegas de oficina e rasgados elogios de muitas pessoas a quem teve a oportunidade de fazer algum trabalho de carpintaria e/ou marcenaria, mesmo após o período da EMEC.
Com a liquidação desta empresa em inícios dos anos 90, conheceu um período profissional difícil, seja por conta própria seja por conta de outrem, facto que o levaria a emigrar-se para a Guiné-Conacri para trabalhar no comércio de madeira para Cabo Verde. De volta ao país, ingressou na oficina de carpintaria/marcenaria da Sociedade Cabo-verdiana de Construção, S.A.R.L (CONCAVE), onde viria a aposentar-se.
Xisto Tomás Veríssimo foi a enterrar na tarde do passado dia 26 de Novembro, aos setenta e um anos de idade, deixando familiares e amigos em lágrimas e submersos numa enorme tristeza, não obstante ser uma partida com reencontro marcado. Eterno descanso e paz a sua alma.
PS: Este texto surge na sequência de um outro com o mesmo título, publicado no passado mês de Agosto neste mesmo jornal (https://santiagomagazine.cv/index.php/mais/ponto-de-vista/3255-vidas-que-se-cruzam-memorias-de-convivio-com-o-meu-pai).
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