A construção de um verdadeiro projeto de nação exige mais do que gestos simbólicos. A paz deve ser um compromisso sério e profundo com a transformação social, um esforço contínuo para superar as rivalidades que muitas vezes alimentam uma democracia superficial. A história tem nos mostrado que, em Cabo Verde, a política tende a se distanciar das reais necessidades do povo. Isso não pode continuar a ser o nosso legado.
Ao revisitar o tema da Festa da Paz, promovida pelo estimado Mário Lúcio, sinto a necessidade de aprofundar a reflexão sobre o impacto deste evento em Cabo Verde. Mesmo em uma terra onde festivais parecem germinar a cada quinzena, provocando um desgaste nas gentes que, com humildade, organizam essas celebrações em cada “kobon ku ladera”, a Festa da Paz se distingue pela sua grandiosidade e intenção. Ela eleva-se acima das meras festividades locais, emergindo como um símbolo de união e reflexão, num país onde o conceito de paz, paradoxalmente, carece de uma guerra para ser verdadeiramente sentido.
A celebração da paz, contudo, não é uma novidade em Cabo Verde, nem mesmo exclusiva do nosso ilustre artista. A história da humanidade é rica em eventos e manifestações culturais que exaltam a paz como um ideal supremo. O mundo já testemunhou movimentos que transcenderam fronteiras e gerações, cada um carregando consigo um significado profundo e uma aspiração universal.
Desde décimo segundo ano de escolaridade aprendi sobre Pablo Picasso, com sua obra-prima "Guernica" (1937), ofereceu ao mundo uma poderosa denúncia contra os horrores da guerra. Contudo, agora mais velho sob o manto do aludido festival da paz, percebo que através das pinceladas vigorosas, Picasso capturou a dor e o desespero de um povo devastado pelo bombardeio, transformando a tragédia de uma pequena cidade basca em um ícone global do pacifismo. Sua obra transcendeu o tempo, por um mundo livre de conflitos.
No campo da música, John Lennon, muitos anos antes de eu ter nascido, com sua emblemática canção "Imagine" (1971), convocou a humanidade a sonhar com um mundo sem divisões, onde a paz e a união reinassem soberanas. Lennon, juntamente com Yoko Ono, tornou-se um símbolo da resistência pacífica, especialmente durante os turbulentos anos da Guerra do Vietnã. Suas mensagens de amor e compreensão continuam criar e inspirar alguma harmonia global, inspirando novas gerações a lutar por um ideal de paz.
Johnny Clegg, o "zulu branco", em sua comovente "Asimbonanga", prestou uma vibrante homenagem a Nelson Mandela durante os sombrios anos do apartheid sul-africano. É de notar que cabo verde de certa forma ajudou o governo sul africanos de então que massacravam os negros com a política segregacionista mortífera e racista. A canção, que se tornou um hino de esperança e luta, uniu povos em prol da liberdade e igualdade. Da mesma forma, as melodias de Bob Marley, com "One Love", irradiaram uma mensagem de unidade que atravessou fronteiras, promovendo a reconciliação em tempos de turbulência política na Jamaica.
O trovador chileno Victor Jara utilizou sua voz e seu violão como armas de resistência durante os anos de repressão no Chile, enquanto Mahatma Gandhi fez da resistência não-violenta uma verdadeira arte, inspirando movimentos pelos direitos civis ao redor do mundo. Na literatura, Pablo Neruda, com sua poesia profundamente engajada, e Joan Baez, com suas baladas folk, deram voz aos oprimidos, clamando por justiça e paz em um mundo dilacerado por conflitos. Aqui em cabo verde a falta da justiça ou a sua demora pode trazer uma guerra civil sem precedentes, o exemplo esta a ser dado todos os dias, politicos impunes ja esta a solta e uma certa quantia de radicais que so não ousam mais ainda ter o brio de provocação por não terem um líder declarado.
Diante de tais exemplos, é natural que nos questionemos sobre o verdadeiro significado de um "abraço de paz" em Cabo Verde. A história nos ensina que a paz se torna mais urgente onde a dor e o sofrimento são mais agudos. Mas, onde está a guerra que justifica tal abraço em nossa terra? Para que possamos sentir o peso e a autenticidade de um abraço de paz, é essencial reconhecer e compreender as feridas que ele pretende curar.
O Festival da Paz, embora tenha proporcionado momentos de beleza efémera, merece uma análise crítica mais profunda. Enquanto a migração de jovens, os escândalos financeiros e as inquietações sociais continuam a assombrar nosso arquipélago, cabe perguntar: como percebem os guineenses, os afegãos, os iemenitas, os palestinianos, os sudaneses e os ucranianos a nossa celebração? Será que esse festival é um espetáculo para o mundo observar, ou reflete verdadeiramente a consciência coletiva dos cabo-verdianos?
A verdade é que, por vezes, a paz celebrada onde não há guerra pode parecer uma provocação. Aquele abraço simbólico entre o Primeiro-Ministro e o Presidente da República, que fez manchete nacional, causou pouquíssimo ou quase anda de impacto além de nossas fronteiras precisamente por isso. Em um lugar onde não existe conflito armado, o abraço da paz pode soar vazio, ou até mesmo como uma ironia amarga. Paradoxalmente, em certos contextos, uma guerra pode ser necessária para que a paz seja sentida em toda a sua profundidade.
Os grandes artistas que promoveram a paz ao longo da história foram, muitas vezes, reconhecidos apenas postumamente, ou após árduas batalhas travadas em nome da justiça. Mário Lúcio, com sua vasta obra musical, já demonstrou ser uma excelência em sua arte. Contudo, ao refletirmos sobre a verdadeira essência desse gesto de paz, devemos questionar se ele realmente traduz a urgência das transformações sociais que nosso país necessita, contudo ele já deu uma passo importante para receber prémio Camões.
A construção de um verdadeiro projeto de nação exige mais do que gestos simbólicos. A paz deve ser um compromisso sério e profundo com a transformação social, um esforço contínuo para superar as rivalidades que muitas vezes alimentam uma democracia superficial. A história tem nos mostrado que, em Cabo Verde, a política tende a se distanciar das reais necessidades do povo. Isso não pode continuar a ser o nosso legado.
Ao revisitarmos este tema, é fundamental que compreendamos que, em um país onde a luta pela paz deveria ser uma constante, necessitamos de mais do que abraços vazios. Precisamos de ações concretas que transformem descontentamentos em diálogos construtivos, que materializem uma nação justa e igualitária. Somos um país jovem, com pouco mais de quinhentos e sessenta e quatro anos e quarenta e nove parcialmente independente, e temos pressa em fazer tudo, mas é preciso aprender com os povos milenares, como os chineses, que demoram séculos para dar um abraço de paz, e que, mesmo consumindo sapos e lacraus, não se apressam em alcançar conclusões precipitadas. E aqui um infuencers que pensou numa sexta e falou no sábado já é motivo de orgulho indicaçao para se ter como aconselhador e afins. Ora deixem de tretas como disse o tal ministro meu primo que nega ir a uma kolola em rubon karasku.
Somos um povo pequeno, colonizado por uma nação menor na Europa, e talvez, por isso, tenhamos herdado uma certa pressa em mostrar ao mundo que podemos mais. Mas, ao olharmos mais para a RTP do que para outras realidades, corremos o risco de perder a noção de que a verdadeira paz não se conquista com abraços simbólicos, mas com o esforço contínuo e coletivo de construir um futuro onde cada cabo-verdiano possa viver com dignidade e justiça.
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