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Quando a inércia social fere a democracia e esventra a auto-estima coletiva
Ponto de Vista

Quando a inércia social fere a democracia e esventra a auto-estima coletiva

Ninguém sai às ruas para exigir transparência ao Estado, ao longo de seus vários executivos, sobretudo protagonizado por partidos birrentos, mimados, infantis, incoerentes e cheios de não-me-toques, que se sentem perseguidos e indignamente desrespeitados, porquanto “acima de quaisquer suspeitas”, por um simples pedido de explicações no Parlamento, como se gerissem coisa própria e não tivessem satisfações a dar a ninguém, e aquela casa não tivesse sido construída para legislar medidas que se traduzam em soluções viáveis para os problemas do povo, e dispensar explicações a este, mas sim exclusivamente para comes e bebes de intervalo, e pagamento injustificado de salários, á custa do erário público.

É sabido que nós, em Cabo Verde, a quase secreta organização chamada prosaicamente de "Sociedade Civil" só se mostra, se mexe e se manifesta por "efeito de maré", ou seja, quando se já fez, se já faz, ou se já está a fazer, por coordenadas geográficas além-mar. Por parecer nobre, chique ou corajoso! Ou simplesmente para que se nos veja, saiba que existimos ou que aderimos à causa!

Ninguém se levanta pra se indignar, se insurgir, falar, agir ou manifestar no interesse de qualquer causa nacional, por "um dos nossos" ou por uma medida que põe em causa a justiça, a liberdade ou a igualdade de direitos individuais ou coletivos em Cabo Verde.

Seguimos movimentos, indignámo-nos e assistimos, passivamente e a 4k, do nosso iPhone comprado num ali-babá qualquer e seu bilhão e meio de escravos, à morte lenta, hedionda e injusta, sob o pesado "joelho da lei", do americano George Floyd, triste e desolador! Ninguém impediu! Todos fomos espetadores, como se de um filme se tratasse! Um assassínio vil e descabido, ante nossos olhos, porquanto levado a cabo por um elemento de uma instituição que o estado norte-americano criou, alegadamente para proteger os cidadãos! Pois, aquela morte nos deixou a todos "com falta de ar" e com um desgostoso "nó na garganta".  Indignámo-nos ainda anteriormente com o atentado terrorista contra o hebdomadário francês "Charlie" passeando ruidosamente pela capital caboverdiana, qual paris, Marseille ou Nice, com camisolas impressas "je suis charlie", e poluindo as redes sociais com manifestações, fotografias e palavras-de-ordem.

Já por aqui, absolutamente nada, nem por seguimento e muito menos por iniciativa própria, nos faz indignar! Não denúncias de alegados casos de desvio, peculato, uso indevido dos fundos públicos, alegados indícios de violação flagrante das leis e da própria constituição, de corrupção de sistema algum e nem medidas e resoluções tendenciosamente partidárias por quem o não deveria ser. Nada disso é capaz de nos tirar a paz de espírito e nos fazer sair do nosso sofa, (perdoem, sofá).

E nós, ou melhor "essa" sociedade civil, como antes referido, só se mexe se for pela causa dos outros, pela morte dos outros, e por qualquer indignação pelo mundo afora, enfim uma invernosa e infernal primavera árabe qualquer! Qualquer coisa! Desde que não seja causa nossa! Ou desde que alguém nos convença de que seja sonante, bonito, nobre ou romântico a ela aderir, para que pareçamos janotas na fotografia!

E é por essa mesma febre que, após a morte de Floyd, surgem movimentos pelos EUA e por outras cidades do mundo, contra o racismo e o abuso do poder por parte da Polícia, e por inerência, do Estado! Nessa mesma senda levanta-se também o movimento “black lives matter” em defesa do direito e da valorização dos negros, e a favor da remoção e substituição de estátuas e outros monumentos alegadamente racistas e memorandos da dominação colonial, da escravatura e das invasões ancestrais da áfrica e o consequente, cleptómano, criminoso e indevido apoderamento de suas riquezas! (esta última, coisa que, diga-se de passagem, continua até hoje). E aí, claro, como a coisa já se tornava chique, esperava-se ansiosamente que se aproveitasse o périplo do coronavírus no seu globetrotting pelo mundo, para aqui nos dar o ar de sua graça.

Ninguém sai às ruas para exigir transparência ao Estado, ao longo de seus vários executivos,  sobretudo protagonizado por partidos birrentos, mimados, infantis, incoerentes e cheios de não-me-toques, que se sentem perseguidos e indignamente desrespeitados, porquanto “acima de quaisquer suspeitas”, por um simples pedido de explicações no Parlamento, como se gerissem coisa própria e não tivessem satisfações a dar a ninguém, e aquela casa não tivesse sido construída para legislar medidas que se traduzam em soluções viáveis para os problemas do povo, e dispensar explicações a este, mas sim exclusivamente para comes e bebes de intervalo, e pagamento injustificado de salários, á custa do erário público.

Se vai dando, doando ou concedendo, ao longo de vários executivos, avais e subsídios a A e a B. Vai-se privatizando e desprivatizando com total insucesso as principais empresas públicas, arremessando acusações de gestão danosa entre partido A e partido B, com relativismo de partido C, á medida que se vai concedendo gratuitamente terrenos em zonas nobres do país, da capital ou não. Em certos casos se diz ter vendido, quando outros dizem afinal se ter oferecido por "serviços quaisquer prestados à nação" sem que haja quaisquer ações de esclarecimento por aqueles a quem tal compete. Vai-se presenciando denúncias de corrupção e de negociatas com terrenos do Estado, enriquecimento ilícito de a A, B e C, sem que se exija uma independente e minuciosa auditoria á observância das leis pelas instituições e pessoas visadas, resultando eventuais processos jurídicos em largos anos de (ir)resolução, quando muito não prescrevam ou se demostrem “improcedentes”. Em contrapartida, se vai, cínica e desumanamente, por força da lei, e aí sim com mão pesada, demolindo uma ou outra barraca que uma família qualquer e miserável desfavorecida ou sem proventos vai erigindo clandestinamente, conseguindo uma ou outra manté-la em pé, a coberto do apertado serviço de vigilância.  Enfim, afinal, há que respeitar as leis e as instituições, infalíveis, enquanto geridas e administradas por super-homens e entidades divinas! Toda e qualquer flestria, inclusive alguma que as implique, deve ser resolvida por elas próprias e por seus representantes. E não é de bom tom se lhes apontar o dedo ou tecer críticas. Por conseguinte, fiquemos quietos e à espera de outro evento internacional qualquer pra nos indispormos!

Não há memória de alguém e muito menos um grupo organizado e indignado ter marchado a favor de famílias despejadas e deixadas, em plena pandemia, ao relento, com crianças de colo! Ninguém se indignou, e nem quem devia abominar tal ato se manifestou, sobretudo quem diz ter a “saída fácil” de alegar não ter poderes pra se “intrometer” (mas fazendo-o em casos que obviamente lhe convenham, e curiosamente, inconvenientes para quem convenha).

Ninguém se insurge contra a opacidade com que se fez e se faz pelo Estado, negócios públicos em nome do povo caboverdiano. Com europeus, asiáticos e norte-americanos! Estamos antes preocupados com colectar o número suficiente de assinaturas pra mandarmos remover estátuas e outros monumentos, sinais de sua outrora dominação e jugo, e que hoje só enriquecem e embelezam a urbanidade do país, como se ganhassem vida à noite pra nos atacar!

E é com contrária, incompreensível e enfunada indignação que se apresenta aquelas ao parlamento para discussão e esperada aprovação! Devemos porventura prever que se vai mandar também demolir a Fortaleza da Cidade Velha e a Sé Catedral, ou o Pelourinho, como elementos que nos lembra, a cada olhar, assim como estátuas de Diogo Gomes e outros monumentos coloniais, o histórico percurso de sofrimento que representam, e jogar no lixo o certificado de "património histórico da humanidade, esquecendo também o título orgulhosamente acenado ao mundo de “Primeira Cidade Portuguesa no Atlântico? Talvez devamos também esperar que se mude o nome daquela urbe, escolhendo-se quem sabe o nome de algum novel-herói pós-democrático pra se lhe rebatizar? Esperemos, a bem da nossa “costela” de país orgulhosa e maioritariamente católico, que ninguém se lembre que o mote para a escravatura se deu sob a égide de “evangelização” “cristianização” e civilização” dos povos africanos e vagueie por aí a coletar também número bastante de assinaturas para petição da demolição da igreja matriz da capital, ou a imagem de Santa Isabel em frente ao Hospital Agostinho Neto! Embora se nos assemelhe pouco provável que alguém se atreva a mexer com coisas que personifiquem, por seu significado, o mais importante fator probabilístico de vitória eleitoral dos partidos, e dê cabo de um multicentenário e bem-urdido casamento por conveniência entre “a noiva de cristo” e tal súcia de bem-aventurados homens de tão-boa-vontade!

Está-se mesmo a ver o ridículo desta situação! Este movimento, com olhos de ver, mormente se o não queira por alguns fazer, não será nem mais e nem menos, a ver de uns tantos, de que hipocrisia e estupidez, na medida em que se vai não só lesar e fazer esquecer a história de Cabo Verde, e todo o sofrimento experimentado pelo seu povo ao longo de um penoso e pentacentenário percurso e dar cabo da beleza urbana, deixando provavelmente em seu lugar apenas assombrosas aberrações de cimento e ferro com as quais se já nos acostumou, como também simplesmente não resolve coisa alguma, enquanto vamos erigindo outros monumentos, desta feita em forma de "acordos internacionais", e provavelmente irreversíveis, porquanto “á luz da Diplomacia e Relações Internacionais” consubstanciada na falsa, abstrata e relativa "amizade entre os povos".

E é assim com acordos de pesca, que a cada executivo se vai piorando, é assim com medidas unilaterais e condescendentes de livre-trânsito e supressão de vistos a estrangeiros de certos quadrantes, implorando implícita e insinuante, através de quadros vários de cooperação, por uma reciprocidade pouco provável de se verificar, enquanto se vai restringindo a entrada no país a outros, mesmo alegadamente descumprindo unilateralmente acordos regionais por nós assinados (e cumpridos por partes contrárias), que se não pauta por garantir ou observar, por razões as quais deixa-se aqui a cada qual o ónus de inferir, e que mais não fazem do que reforçar a hipocrisia por trás da demolição daqueles monumentos coloniais. O mesmo com privatizações decénicas e indecentes de empresas públicas, cujas empresas vencedoras a experiência nos permite antever, com acurada probabilidade, a nacionalidade. É não é também diferente com edificações e acordos vinculativos, apoios financeiros ao desenvolvimento, apoio orçamental e por aí vai!  

Parece-nos óbvio concluir não haver portanto razões pra tanta, breve e afoita pressa em parecer independentes e distantes de um passado histórico, que quando convém, ressaltamos comum, pese embora os contornos que tem, levando ao parlamento coisas cuja objetividade e fins se aparentam inúteis e pouco prioritários, se hoje nós mesmos, viés do lindo discurso de “irmãos” que querem deixar pra trás um passado que já nada interessa, em prol dos objetivos comuns, discurso esse declamado poeticamente a cada nova cimeira da CPLP, vamos, irreversivelmente, nos agrilhoando com uma assinatura, um aperto de mão, uma garrafa de grogue de Santo Antão, um espetáculo de batucadeiras e um sorriso de ponta-a-ponta? Talvez alguém importante queira sugerir aos indignados continuarmos o nosso doce embalo, a bem da amizade entre os povos, e do reforço das relações com nossos parceiros e irmãos, submetendo antes à UNESCO a candidatura daqueles monumentos a património histórico da humanidade, promovendo-os como pontos de interesse turísticos acompanhados, por questões de dignificação e de garantia de inviolabilidade do tão aclamado novo acordo ortográfico, por guias turísticos que para além do vernáculo de camões, dominem também com relativa mestria seus historiais! Enfim, será esta, uma vez mais, nós, a provarmos a nossa superior inteligência, perspicácia, coerência e bom-senso?

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