Parcerias Público Privadas. Parceria estratégica – uma falácia?
Ponto de Vista

Parcerias Público Privadas. Parceria estratégica – uma falácia?

 

Que lições retirar dos casos de insucesso CV?

O conceito parceiro estratégico tem sido recorrentemente utilizado em Cabo Verde, de forma inconveniente e inadequada. Na verdade, o sentido intencional do seu uso tem sido fazer passar a ideia de que se trata de um acionista, cuidadosamente escolhido (com ou sem concurso público), com potencial para dar um impulso expressivo, tanto operacional como financeiro, à empresa de que se torna participada.

Em regra, a expressão tem sido pomposamente consagrada nos textos legais que moldam a referida participação acionista, sem, contudo, ser apresentada a sua definição e o seu alcance, em termos exatos. Nos casos em que não dispõe de posição acionista maioritária, procura-se celebrar um acordo parassocial que transfere todo o controlo da empresa para o designado parceiro estratégico.

Na verdade, quando as empresas têm desafios e restrições, as parcerias estratégicas, pelo seu potencial e capacidade de reunir e combinar competências-chave de diferentes empreendimentos, podem apresentar-se como uma excelente alternativa. Mas têm que ser cuidadosamente definidas.

Uma parceria estratégica, também chamada de aliança estratégica é, por definição, um acordo entre duas ou mais entidades/empresas para oferecerem suporte mútuo e juntas promoverem ações estratégicas de maneira a que todas tenham benefícios. Antes de estabelecerem esse tipo de acordo, cada uma das partes deve determinar os seus objetivos e os resultados ideais esperados do negócio.

Uma vez negociados e fixados os termos básicos, torna-se também necessário chegar a entendimento quanto às métricas para o monitoramento e a avaliação da parceria, para permitir que todos acompanhem o seu progresso e percebam se há obstáculos que devem ser superados. Os resultados devem ser periodicamente revistos para permitir que os ajustes necessários sejam feitos.

Efetivar uma parceria entre empresas é criar um laço de cooperação mútua baseado no chamado win-win, em que todos os envolvidos têm vantagens. Isto é, a estratégia só funciona bem quando pautada pela transparência e entendida como uma via de mão dupla, em que, em algum momento, uma das empresas poderá ter que abrir mão de algo em prol do ganho da outra. É justamente essa mecânica que consolida as parcerias e promove mais competitividade para todos os envolvidos.

As parcerias entre empresas funcionam quase como um casamento, com separação total de bens. Elas precisam ter objetivos comuns a realizar, principalmente, através da cooperação mútua, e devem ser tratadas sempre com ética e transparência. E, como diversos casamentos, as parcerias também não precisam de ser eternas. Elas têm que durar enquanto forem benéficas para as partes envolvidas.

Tendo em mente essas considerações, vejamos como se comportam os casos malsucedidos da Electra, da CV Telecom e da TACV S.A., em Cabo Verde.

A experiência fracassada da Electra teve uma curtíssima duração de apenas 6 dos 36 anos previstos na concessão. A privatização tinha como objetivo encontrar um parceiro estratégico com capacidade técnica e financeira para fazer face às perspetivas de desenvolvimento que se desenhavam. Foi selecionado um parceiro estratégico integrado pela EDP- Eletricidade de Portugal, S.A e AdP - Águas de Portugal SGPS, com 30,6% e 20,4% do capital social, respetivamente. Aquelas empresas assumiram a gestão da ELECTRA em 2000.

A designada parceria estratégica foi completamente frustrada nos seus objetivos e, em junho de 2006, por acordo entre o Estado de Cabo Verde e o agrupamento de EDP/AdP, as ações foram readquiridas e o controlo societário da empresa transferido/devolvido ao estado de Cabo Verde, que passaria a deter 85% das ações, continuando os municípios do país com15%.

No caso da CV Telecom, o estado de Cabo Verde e a PT protocolaram o entendimento de que ao adquirir 40% do capital social, a PT se convertia no parceiro estratégico selecionado pelo Governo da República de Cabo Verde para liderar o processo de modernização e expansão das telecomunicações do país.

O conceito não consta do Contrato de concessão, nem nos estatutos da CVT. Além disso, a noção de parceiro estratégico tão pouco existia nos textos legais então em vigor. Não tendo sido definido, infere-se que, em termos concretos, se tratou de confiar a gestão efetiva e a concentração das decisões estratégicas à PT e de a consagrar como a única fornecedora da CV Telecom (assistência técnica e outros recursos).

De facto, a PT tornou-se, ao mesmo tempo, acionista da CVT e o seu principal fornecedor. Passou, portanto, a fazer uso da sua qualidade de acionista com poder de controlo, para se beneficiar de condições mais vantajosas que outros potenciais concorrentes do mercado.

Estava-se, assim, perante uma situação em que é designado um parceiro estratégico sem, contudo, haver um acordo de parceria estratégica que definisse o quadro win win para cada uma das partes.

As dúvidas sobre essa relação cedo foram dissipadas com as sucessivas alterações introduzidas à titularidade das ações da PT na CVT, contrariando e atropelando os atributos legais estabelecidos para o bloco de ações adquirido, como sejam a indivisibilidade e a inalienabilidade. Logo nos primeiros anos de concessão, alguns dos pressupostos de partida começaram a ganhar novas configurações que não deixaram de ter reflexos ou impactos, em maior ou menor medida, nas relações inicialmente estabelecidas.

A visão e os propósitos da PT nunca estiveram alinhados com as necessidades e os objetivos estratégicos da CVT. Com efeito, em 2007, a PT anuncia uma aventura expansionista para implementar, no continente africano, um novo projeto de telecomunicações em língua portuguesa, uma operadora capaz de atender 200 milhões de pessoas em Portugal, Brasil e África. E a CVT era simplesmente mais um instrumento para essa aventura. A PT fixou como prioridade reorganizar a carteira de ativos e tentar transformar em posições de controlo as participações então detidas, quase todas minoritárias, em empresas como a CVT. E os esforços nesse sentido não foram poucos.

Nesse processo de expansão, a participação da PT na CVT passou, inesperada e surpreendentemente, a ser ativo da operadora brasileira Oi. Tudo isso sem que o Estado de Cabo Verde tivesse sido sequer informado.

O desfecho final foi a RENACIONALIZAÇÃO da CVT. Pode uma relação assim caracterizada ser enquadrada como parceria estratégica?

No caso da TACV, o processo de privatização do capital social dos TACV compreende, nomeadamente: uma venda direta de referência a um parceiro estratégico de ações representativas de até 51% do capital social dos TACV, S.A.

Alguns traços do perfil do eventual parceiro estratégico foram apontados, mas, no entanto, não foi fixado, em termos exatos, em que consistiria a parceria estratégica.

Entre os critérios para a seleção do parceiro estratégico constam a experiência técnica e de gestão no sector da aviação, idoneidade e capacidade financeira. Concretamente, para a escolha das propostas objeto de adjudicação eram fundamentais, entre outros, os seguintes requisitos:

- contribuição para o reforço da capacidade económico-financeira e da estrutura de capital da TACV, S. A.;

- apresentação de um adequado projeto estratégico, tendo em vista a promoção do crescimento dos TACV, S.A.;

- capacidade para assegurar, de forma pontual e adequada, o cumprimento das obrigações de serviço público que incumbam aos TACV, S.A..

O processo iniciou com um acordo de gestão para a restruturação da empresa por período de um ano, a preço fora do padrão do mercado. O prazo não foi cumprido.

Seguiu-se o contrato de compra e venda para a privatização e, do valor previsto da operação, 67% foi destinado para a liquidação integral da dívida do Estado à parceira e, pelo que se sabe, os restantes 33% não foram pagos (pelo menos nos termos previstos no contrato).

A privatização aconteceu em março de 2019 e em novembro, oito meses depois, o parceiro estratégico veio a público dizer que, para cumprir o plano de negócios, era preciso financiamento de longo prazo. Não sabia disso no momento da privatização?

Afinal, a parceira estratégica veio demonstrar, na prática, que não dispõe de capacidade económico-financeira, um dos requisitos de seleção, nem assegurou o cumprimento, de forma adequada, das obrigações de serviço público que incumbem à TACV, S.A.

O balanço que se pode fazer, após quase um ano da privatização e considerando os sérios constrangimentos adicionais trazidos pela pandemia do Covid 19, é que este processo já é um fracasso. Se alguma vantagem houve dessa PPP, ela está, seguramente do lado da dita parceira estratégica, com o leasing de aeronaves, de resto o seu verdadeiro negócio.

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