Ao “abrigo do 114º”, já agora, escrevo essas linhas para partilhar o sentimento que me invade e envolve, certamente, como muitos outros cabo-verdianos. Na verdade, sinto-me muito ofendido na minha honra e dignidade como cidadão deste país e não consigo (nem quero) conter a minha mais profunda indignação em relação à forma baixa/vergonhosa como vem funcionando o parlamento do meu país.
O parlamento cabo-verdiano chegou ao fundo do poço. E tudo “ao vivo e a cores” através da nossa radio e da nossa televisão, pois, ainda por cima, é emitido para quem quiser ouvir cá fora.
Chegamos a um ponto tal que se recomenda aos pais e encarregados de educação que, lá em casa, mantenham as emissões do parlamento fora do alcance dos seus educandos, sejam eles crianças ou adolescentes.
É simplesmente deprimente acompanhar o parlamento. Quem vê uma sala tão nobre, bonita, e bem composta com deputadas e deputados trajados a rigor, nunca poderá imaginar a péssima qualidade do conteúdo que dela emana e se ouve cá fora.
Há um grupo bem razoável e perfeitamente identificável de deputados que, claramente, não têm perfil para estar nessa casa. São mal-educados e malcriados. Contagiam e contaminam todo o ambiente de trabalho, se é que que se pode chamar de trabalho ao que ali acontece. Sim, tenho de dizer que se trata de um grupo, para fazer justiça a muitos deles que fazem a diferença, lá dentro e cá fora, pessoas que sabem entrar, sair e relacionar-se com respeito para consigo próprios e para com os outros.
Entenda-se educação, aqui, não propriamente como o processo ou resultado de aquisição de conhecimentos ou aptidões, mas sim como a adoção de comportamentos e atitudes correspondentes aos usos socialmente tidos como corretos e adequados, como a cortesia, a polidez e o respeito no trato com o outro. Disso, o esperado é que os deputados, pelo papel que deles se espera na sociedade, tenham uma dose acima da média.
Exige-se, sim, algum conhecimento e aptidão. Mas muito mais do que isso, é incontornável e imprescindível um comportamento socialmente adequado, respeito para com os cidadãos eleitores deste país que, através do seu voto democrático, concederam o assento que ocupam na Magna Casa e dos seus impostos lhes pagam o salário, respeito entre os deputados, respeito para com a Magna Casa dos cabo-verdianos que é o Parlamento.
Ao contrário, os cabo-verdianos são brindados com sessões em que setenta a oitenta por cento das intervenções são feitas ao abrigo do famoso artigo 114º (defesa da honra) ou para interpelar a mesa da assembleia.
O timbre de voz, a postura e a forma de se dirigir aos sujeitos parlamentares são condimentos da condução dos trabalhos que contribuem de forma significativa para a balbúrdia e escola de maus modos que caracteriza o ambiente do parlamento e que faz muito lembrar a “escolinha do barulho”. Que esperar de uma sociedade em que a elite se comporta desta forma?
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