Ministério Público: Estranha dualidade de critérios
Ponto de Vista

Ministério Público: Estranha dualidade de critérios

O País assistiu em 2014/15 ao desfilar de um cortejo de denúncias públicas, em catadupas, de escândalos e mais escândalos financeiros que envolviam figuras públicas de proa do panorama político cabo-verdiano, tendo como palco não só o Parlamento, mas também a sociedade civil, através de redes sociais, jornais, rádios e televisão da época. A celeuma à volta desses escândalos atingia, de forma inequívoca, membros do governo, deputados, autarcas e figuras políticas ligadas ao sistema PAICV.

Foram várias as denúncias de escândalo financeiro, desde 2014, que foram apresentadas ao Ministério Público pelo atual governo, pelo presidente da Associação de Municípios de Cabo Verde e por cidadãos singulares envolvendo membros do governo anterior, deputados e autarcas.

A sociedade cabo-verdiana ficou expectante, desde essa época, que o Ministério Público, perante essas denúncias escandalosas, agisse com prontidão, eficácia e justiça no sentido de apurar a verdade dos factos, identificar os culpados e agisse no sentido de punir os infractores, nos termos da lei em vigor no País. Até este momento a espectativa do público não foi satisfeita e não se viu nem fumo e nem fumarola que indicie alguma diligência judicial nesse sentido.

Os escândalos envolvem figuras que foram denunciadas em uso abusivo de desvios de dinheiro público para enriquecimento ilícito através de Fundo do Ambiente, Fundo do Turismo, da Imobiliária IFH, da TACV, do Novo Banco, do Anel Rodoviário do Fogo, das ajudas para a Chã das Caldeiras, etc, cujos protagonistas desses actos ilícitos denunciados, até este momento, nunca foram perseguidos pela justiça cabo-verdiana, volvidos todos esses anos, de tal forma que paira sobre Cabo Verde a sensação de que a justiça, nesta paragem, não funciona para os crimes de colarinho branco. Todos esperavam que, por esta altura, o Ministério Público já tivesse agido e as responsabilidades já teriam sido assacadas aos verdadeiros culpados. Infelizmente, nada transpirou, até ainda, para a sociedade, relativamente a esses casos escandalosos que tanto ecoaram nos anos de 2014/15.

É estranho pois que os processos relativos a esses escândalos denunciados junto do Ministério Público e que se encontram a mofar nas prateleiras judiciais são protelados, hoje, a favor de reabertura de processos que foram mandados arquivar por Procuradores, por falta de provas, com o objectivo, clara e selectivamente, de perseguir certos cidadãos, neste caso concreto o cidadão Arnaldo Silva, figura conhecida pela sua militância à causa da liberdade e democracia nos anos de 1990 e que muito contribuiu para a queda do regime de partido único em Cabo Verde, tendo depois assumido vários cargos no governo da IIª República e sido Bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde numas eleições disputadas.
Queremos sim, que a justiça funcione e bem, mas sem olhos para ver, como na gíria popular: uma “justiça cega”, que não olha para os “olhos azuis”, que não tem dualidade de critérios e que actua com objectividade e justiça.

Os fundamentos que motivaram o Ministério Público a agir contra o cidadão Arnaldo Silva baseiam-se em compra e venda de terrenos nos sítios de Palmarejo, Monte Vermelho e outros, cujos processos se encontravam arquivados, passando tangencialmente, ao lado de outros processos encontrados no Ministério Público, há muitos anos, de compra e venda ilícitas de terrenos no Fogo, em Santiago, no Sal e Boa Vista, de natureza criminosa que envolvem membros do governo da Iª República, combatentes da Liberdade da Pátria, figuras proeminentes do sistema PAICV, os “bezerros de oiro” intocáveis e que, por esta razão, esses mesmos processos não atam e nem desatam e os denunciados movimentam-se dentro e fora de Cabo Verde, com total liberdade e nunca foram perseguidos pela justiça cabo-verdiana.

Temos os exemplos flagrantes e cujas denúncias foram feitas, publicamente, de terrenos da Murdeira, na ilha do Sal, divididos e distribuídos a “camaradas”. Para disfarçar, reservaram um quinhão para a Tecnicil. A distribuição foi feita em segredo, sem anúncio público, sem concurso, sem classificação de áreas como ZDTI, e só depois de distribuída se publicou a Lei. A própria ministra Cristina Duarte, perante essas partilhas fraudulentas de terrenos entre os “camaradas” fez uma carta aberta que veio nos jornais e este PGR nada fez, até hoje. A situação é gravíssima, pois permitiram a "beneficiados" registar os terrenos públicos em nome das suas empresas, sem pagarem os ditos terrenos aos seus donos.

E os terrenos da área classificada como ambientalmente protegida na praia de Santa Maria, vendidos a um conhecido empresário da nossa praça, sem serem desclassificados, para permitir aquisição transparente. Isso deu uma denúncia do grupo RIU, em conferência de imprensa realizada em Portugal e uma queixa internacional contra o Estado de Cabo Verde pelo próprio grupo RIU, com fundamento em agressão ambiental. O processo não avançou porque esse mesmo empresário vendeu o terreno ao Grupo RIU, agindo como especulador. O Grupo RIU teve que comprar para não ver os seus hotéis, construídos no pressuposto de que a área era livre de construção, a ficarem com a vista para o mar tapada.

Enfim, os casos mafiosos de aquisição e vendas de terreno entre os “camaradas” em Cabo Verde são antigos, do conhecimento público e do próprio Ministério Público sem que este tivesse agido no sentido de impor a legalidade e o primado da lei.

São essas dualidades de critérios no combate à fraude e corrupção em que uns são, claramente, protegidos e outros são perseguidos que mancham e desacreditam a nossa justiça perante o povo.

(Artigo publicado originalmente na página do autor no facebook)

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