"Com todo o impoluto respeito pela Academia e pelas dedicadas figuras que nela congregam o seu esforço, com engenho, talento e suor oficinais, dando o melhor de si para o engrandecimento da literatura em prol do país, não aturo me por de molho e assobiar para o lado, defronte de tamanha hóstil afronta."
Sua Excelência o Presidente da Academia Cabo-verdiana de Letras,
Prof. Doutor Daniel Medina
Praia
Eu, Domingos Landim de Barros, seguindo o azimute e viçoso trilho do patrono da nossa cultura, Eugénio de Paula Tavares, quando diz: - “Verdade e só a verdade, verdade acima de tudo”, venho, ao abrigo do tal precioso lenitivo para, mais uma vez, cumprir a dupla dos meus mais sagrados e inexcedíveis princípios de vida: franqueza e desapego. Assim, mui encarecidamente, solicito-lhe a minha desvinculação, com efeitos imediatos, da instituição que preside. Até porque passados que foram mais de quatros anos sobre a data de novas entradas, sem que tenha havido a cerimónia de imposição de faixas, não me parece haver necessidade de formalidade especial para minha renúncia e consequente retirada. É só dar como sem efeito o meu então genuino ato de aceitação.
A razão desta tomada de posição é muito simples: sou coerente e já não me revejo no caráter de quem me propos ao lugar. Não suporto ver um tipo que atentou e conspirou, surdina e deliberadamente, contra os meus interesses e por pouco não me destruiu, in totum, incluindo na relação com a minha própria esfera familiar, a levantar a esconsa bandeira de protecionismo em meu alegado favor. Ainda por cima, ora com despótica arrogância, ora com cínica atitude, para me minar e desacreditar junto das pessoas. Oh céus! Que estrondosa e abjeta bomba de vexame? Pois, o mesmo não ignora o quão gratuita e maquiavelicamente me vem prejudicando. Financeira e psicologicamente. E pior: quase sempre na minha fria imbele ausência.
Aquando da aparente altruísta proposição jamais me podia passar pela cabeça que estava a ser arrebanhado para cair nas teias e armadilhas de uma chantagem sem precedentes, com eterna cobrança e com imperial obrigação de dar loas ao caucionador da minha subida à escadaria ou que teria de beijar a mão do omnisciente rei do burgo, para o venerar, inclinando a cabeça, a partir do meu obscuro labirinto, suplício ou cativeiro e concordar com ele em tudo: ámen, ámen, ámen... Um tributo ao imponente Demiurgo da nomenclatura, o infalível e convictamente inamovível, pela minha suposta entronização. Enganou-se redondamente o Olho d’Hórus e Major-domus da desídia, da prebenda, fantochada e propaganda. Não posso perder autonomia e liberdade individuais. Ao invés de me propor à renomada confraria, o diligente precetor podia arranjar um dervixe obcecado e obediente, a toda a prova, imoral e ilegalmente afeito, para instruir e manipular, a seu bel talante, com o fito de o ajudar a prosperar no prodigioso negócio de egolatria. Não faltaria um zelote disposto a fazer isso, a troco da sobra de pão e vinho do Leviatã.
Enquanto ativista dos direitos humanos, aceitar o estatuto de pulha adulador ou de reles sicofanta, um prosélito de incúria e de perfídia, para me resignar à condição de mero objeto de mão doutrem, seria a mais hedionda e catastrófica blasfémia que me podia acontecer. Oh Sísifo do eterno ruim retorno! Não, não quero a bênção de um imortal de brejeirice e espertinhismo. Ídolos de pés de pluma não têm lugar no meu singelo imaginário. Não estou na vida para me vender e nem me deixo subjugar. Rejeito, frontal e fervorosamente, a ideia de pessoa-mercadoria. Eu não me inspiro em arquétipo de fraudes. Deus me livre! Não concebo andar acima nem abaixo de ninguém. Só à margem de domínio me convém. Prefiro ser arcaico, um devoto do eremita e, na qualidade de pupilo abnegado, captar e assimilar os aedos do meu mestre, o mítico poeta e distinto prosador, Teixeira de Pascoaes, quando confessa: - “Sou vítima do meu comportamento, que não se deixa subordinar a ninguém...”. O mesmo que também grafou: “Sou aldeão, filho da solidão e do silèncio”. Portanto, tal que o meu arcano guia em liça: - “Eu nasci para o deserto, como os profetas e os camelos”. E ainda cobaltado do díafano mote de José Régio, decido fazer-lhe coro, para piar aqui no limbo: - “Não vou por aí...”.
Com todo o impoluto respeito pela Academia e pelas dedicadas figuras que nela congregam o seu esforço, com engenho, talento e suor oficinais, dando o melhor de si para o engrandecimento da literatura em prol do país, não aturo me por de molho e assobiar para o lado, defronte de tamanha hóstil afronta. Não posso tragar em seco a petulante falácia de alguém sustido e alcandorado na efémera bazófia do vale tudo. Chamar-me “ingrato”, um ente-cafuringa e caluniador, um nefando traidor, que tanto me crivou de balas e punhais de falsidade e me defraudou, de cara destapada e não só? Não consigo digerir tal despautério, de maneira nenhuma. Ao invés de se assumir como intérprete de Dimas, o surripiador arrependido, ao lado de Jesus, tenta obstruir os dados da história para, numa inescrupulosa saga de se desresponsabilizar e angariar inusitadas simpatias, apresentar-me nas vestes de um Blaise Campaoré e suas traiçoeiras maquinações contra Thomas Sankara ou Junio Brutus, diante dos esmagados olhos de espanto de Júlio César. Que sujeira e galopante repugnância! Uma tragédia intradutível e de difícil síntese, para aqui me lembrar desta luzente ante-visão do filósofo alemão, Friedrich Hegel.
Acontece que o ora desacreditado proponente era e é também a potestade unipessoal da SOCA. Curiosamente, por ser indubitavelmente meu amigo, o meu maior estro de sempre e esmerado protetor, nunca me pagou direitos autorais. Embora sendo um veterano, um entusiasta e gracioso colaborador da entidade, com quotas todas em dia, anos a eito, desde que se começou a cobrar. Caramba! Olvidou disso o divodigno, de tão porreira e pura intencionalidade? Fogo! Que quintessente guardião de arrimo e costas-quentes! Isto depois de o ter apresentado à minha corte, com toda a simplicidade do planeta, para o sujeitinho e nato vigarista, logo a seguir, sorrateiramente e carregado de intuitos de belzebu, orquestrar uma imunda e frenética façanha de me expulsar do seio do meu clã, causando-me avultados prejuízos morais e materiais. Estranho porque, dispondo o zalatane de todos os meus contactos, sequer me ligou a informar da hecatombe em afoita desenvoltura. Optando antes por imitar a sórdida bravata do confuso combatente, Osvaldo Vieira, testemunha ocular daquela trama, na fatídica e macabra noite do assassinato de Amílcar Cabral, cruzando os braços e assistindo a tudo, impávido e sereno, colocando-se na alheta, para dissimular que aquilo nada tinha a ver com ele. Que escabroso companheirismo e lancinante crueza de espírito!
Neste caso, o olheiro e deifico “padrinho”, no couro de um astuto barão de inferno, permitiu que centenas de livros de altíssimo valor e outros pertences do infeliz “afilhado” fossem atirados a um lóbrego quintal, num antro sem janelas, para ali apodrecerem à chuva, à poeira e aos sinuosos apetites de percevejos, enquanto ele, impante e jocundo a galopar, no terceiro degrau de alteridade. Não se inquietou e nem evidenciou o mínimo sinal de angústia e de remorso. Nunca! Que raio de escritor é esse? Qual é o seu compromisso ético com a arte? Onde está o seu ideal subjacente ao nobre ofício? Para já nem acrescer que o putativo alento providencial do “ingrato” meteu as suas garras de vampiro e retirou, oportunistica e abusivamente, da conta bancária da Academia Cabo-verdiana de Letras, domiciliado no BCA, o montante de 40 mil escudos dos 200 mil que o premiado havia depositado, em 2019, para a edição do livro agora pomo de discórdia. Quantia que o Maioral acantonado na Casa Grande deu de borla a seu amigo Bernardo Lopes, por um trabalho inexistente. Que pressa e trémula ganância! Que colossal leveza axiológica! Sim, porque ninguém pagina seja o que for antes da revisão. Só recentemente, em outubro de 2020, a obra foi submetida ao crivo da abalizada correção.
A prezada Prof. Fátima Fernandes pode confirmar isso. Quis o bonacheirão catita favorecer o seu dileto compincha de labuta à custa de um “ingrato” e pária. Coitado do ádvena! Além de me ter negado, de forma prepotente e terminantemente, os contactos das personalidades que iam colaborar comigo no aperfeiçoamento e posterior ato do lançamento da minha cria. Estando eu a viver longe do berço? Paciência! E mais grave: depois do acordo selado numa reunião entre tais especialistas na matéria, ele mesmo e o autor. É a gota de água de adocicada filantropia da parte dele que hoje transborda o copo e cai na pia batismal de insofismável sacralidade. Ave! Quem não gostaria de viver à sombra de um anjo da guarda de iqual calibre? Ai quilate de esplendoroso magnetismo! Não, nada de Caim de empáfia e de palanque, de astúcia e trafulhice. Bem, mesmo fingindo de vilzinho, não podia imputar qualquer falta de etiqueta ou seriedade a este inerme detrator.
Para contornar esse nó górdio e Rubicão, tinha ele de inventar alguma coisa estapafúrdia ou argúcia esfarrapada, apenas para sacudir o fardo de má consciência. Então, em desespero de causa, pareceu-lhe mais cômodo virar a nojenta cara vingativa a seu Abel de atribulada “perceção” e pimba: - “Oh seu ingrato!”. Que esfuziante epifania! Bom, para que as contas ficassem ajustadas na completude, o serôdio cavaleiro de medonha idade hodierna devia dar sequência à apologia de torpe mimetismo, emprestando coragem aos bravos e vivazes de outrora e reconhecer a derrocada: - “Agora é fartar vilanagem”. Triste porque em minha proba sincera mente não há nígua de espaço para ambição desmedida e pusilânimes barganhas da espécie das de Audax, Ditalco e Minuro. Não vale a pena transformar um mártir da estirpe de Viriato em crápula/carrasco. Eu não vivo e jamais viverei na diagonal. Até porque Roma não costuma pagar a traidores. O vício de disfarce, mentira e hipocrisia está no riso de barata e sibarita. É incurável.
Não me imagino com a envergadura moral de tais sinistras criaturas. Dar com uma mão e retirar com as oitenta similares dos aliados de Ali Babá não pode proceder à luz da boa fé e dos escorreitos costumes da minha herdade. Para onde diasporizou a honestidade? Por amor de Deus! Não encaixo manhas e ardis de teor algum. Nunca fui canalha nem malabarista com fosse quem fosse. Já dizia o primevo presidente desta república de sol e vento: - «Elogio em boca própria é vitupério», mas tenho certeza absoluta de tratar sempre os meus amigos com lealdade total e maior donaire, ex toto corde. É o meu perene orgulho, pessoal e superior. O urdidor de tudo isto tinha o ónus de saber que eu agira do mesmo modo, sem ofensa p’ra ninguém, em dezembro de 1993, no fulgor e na pujança da minha antiga atividade profissional. Não me sinto agarrado a nada, a não ser, nomeadamente, à vida, ao árduo labor e ao nome de família. Nasci sem nada e daqui nada vou levar para o imaculado além-lugar.
Feito em Dakar, 05 de julho (dia da dignidade nacional) de 2020 e atualizado em 24/25 de fevereiro de 2021.
Com os meus respeitosos e denodados cumprimentos
Domingos Landim de Barros
*Título da responsabilidade da redacção
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