Amar um povo como o nosso… breves considerações sustentadas em notas pessoais
Ponto de Vista

Amar um povo como o nosso… breves considerações sustentadas em notas pessoais

Emigramos para que o nosso país progrida. Não é fácil viver na diáspora, mas Cabo Verde merece o nosso sacrifício. Graças às características da nossa maneira de ser e de estar, a nossa integração é fácil e da nossa participação beneficiam os povos que nos acolhem, o que suaviza também a distância da nossa terra e a saudade que nos vai na alma. Graças ao brilho dos nossos olhos e a esta capacidade de preservar a nossa cabo-verdianidade enriquecendo com ela as comunidades onde vivemos, cada cabo-verdiano acaba por se tornar um embaixador, um agente cultural, um operador turístico de Cabo Verde no país onde vive, contribuindo duplamente para o progresso do nosso país: com as suas poupanças, sobretudo na hora do regresso; levando muitos estrangeiros a visitar a nossa terra e a renderem-se aos seus encantos e recursos naturais.

Proponho-me partilhar, de forma simples e resumida, algumas das perceções que vou tendo sobre o povo que somos - e a que pertenço por inteiro – em especial, a sua forma de estar no mundo.

Quantas lágrimas não derramámos já pela circunstância feliz da nossa pertença a este povo que nos orgulhamos de ser… com o nosso testemunho de vida, demostramos que essas lágrimas não são sinal de fraqueza ou de desespero, muito menos de inveja pelas facilidades e bem-estar que outros povos têm e nós não temos; nem são conformação com o insucesso ou prova de desistência face aos desafios. As nossas lágrimas são a expressão do nosso inconformismo face às adversidades. A nós, o sofrimento fortalece-nos! Este é o primeiro sinal identitário da nossa cabo-verdianidade. Expressa-se na nossa música e noutras manifestações culturais e na tenacidade da nossa luta pelo desenvolvimento. O genuíno cabo-verdiano, trabalhador e inspirador nato, vai à luta, não se amedronta nas dificuldades, venham elas dos homens, ou de uma natureza tantas vezes adversa.

Se for preciso deixar temporariamente o país, fazemo-lo. Emigramos com o objetivo de, em países mais abastados, amealhar o que pudermos, para mais tarde, no regresso, poder dar o nosso contributo para o desenvolvimento da terra que tanto amamos. O “patamar de orgulho” do nosso povo, é a afirmação clara de que vale a pena toda a luta e sacrifício para continuarmos a ser um país livre e independente.

Donde nos vem este brilho dos nossos olhos? A resposta a esta pergunta não é fácil, porque está para além do dizer, ou melhor, só o pode dizer quem já o sentiu. Ser cabo-verdiano, demonstra-o a História deste país, é ser um sobrevivente. É ser perseverante, resiliente e resistente. Em qualquer parte do mundo, o brilho do nosso olhar, é um traço que nos identifica. É reflexo daquilo que nos vai alma e da determinação da nossa luta.

Parece que, quando estamos emigrados, se reforça a solidariedade e os elos de comunhão. Posso testemunhá-lo… quando cheguei a Londres, em fevereiro de 2018, andava por aquelas ruas que não conhecia, de ouvido atento na expectativa de ouvir falar crioulo. O mesmo nos transportes públicos, ansiava encontrar alguém, algures, falando a nossa língua. Oh, que grande alegria sentiria se tal acontecesse…

A alegria veio do encontro casual com um guarda de um parque aonde passeava. Curiosamente, antes de o ouvir falar crioulo, dei-me conta que era cabo-verdiano... logo me orientou para um ponto de convívio onde se junta a nossa gente. Que sensação de alívio e de segurança: poder estar entre os nossos! Fui acolhido, calorosamente! Engraçado… quantas memórias os nossos emigrantes conservam consigo! Neste convívio, foi com alguns dos mais antigos que fiquei a saber coisas que não sabia da região onde vivia em Cabo Verde… desconhecia por completo que a antiga EMPA - Empresa Publica de Abastecimento da Assomada - havia antes sido um quartel da tropa; nunca tinha ouvido falar de um pequeno cemitério judaico em Santa Catarina, com túmulos de mármore; nem do heliporto que houve em Achada Riba, Assomada.

Logo no início deste artigo apontei um primeiro sinal identitário da nossa cabo-verdianidade:  o sofrimento fortalece-nos, estimula-nos a criatividade, a força, o entusiasmo. Agora uma mão cheia de outros sinais que nos identificam e denunciam a nossa cabo-verdianidade: aquele brilho nos olhos, o afeto, o acolhimento caloroso. Como nos faz bem, quando longe da nossa terra, qualquer que seja a diáspora, encontrar um patrício!!! Faz bem ao que chega, porque logo fica orientado. Faz bem ao que já havia chegado há mais tempo, porque tem notícias da terra de onde partiu e aonde, de alguma forma, estão as suas expectativas para o futuro.

Esta união – que nos faz sentir todos uma grande família – esta solidariedade fortíssima, constitui um outro fator que nos identifica. É uma espécie de âncora que preserva as nossas tradições e a nossa língua, que estão na base da cultura que é nossa, mas sempre tão apreciada pelos outros povos. A nossa cultura é, sem dúvida, outra marca identitária do povo que somos.

Não digo que seja específico do povo cabo-verdiano, mas connosco é assim:  o orgulho que sentimos quando algum dos nossos patrícios se destaca na sua arte ou área do saber, o que acontece com frequência por esse mundo além… é como uma flor que, ao desabrochar, embeleza todo o jardim… no caso, o povo, engradece-se quando um dos seus se notabiliza. Nunca é demais dizer – até porque nem sempre foi essa a nossa condição – que a nossa diáspora, hoje em dia, é formada por gente instruída. O não saber ler nem escrever é, felizmente, uma realidade residual entre nós, os emigrantes. Como já referi, há muitos que se distinguem em várias áreas do saber, mas, na generalidade, os cabo-verdianos são conhecidos no mundo como um povo trabalhador, humilde e unido e muito apreciados pela sua honestidade, profissionalismo e brio no que fazem. O cabo-verdiano sente-se responsável pelo seu país e por aqueles que lá vivem, muitos deles vivendo ainda mergulhados na pobreza e no subdesenvolvimento. Quando regressar ele quer levar dinheiro, mas sobretudo conhecimento. Pelo conhecimento, ele estará apto a colaborar no desenvolvimento do seu país e na educação daqueles que a ela não tiveram acesso.

Emigramos para que o nosso país progrida. Não é fácil viver na diáspora, mas Cabo Verde merece o nosso sacrifício. Graças às características da nossa maneira de ser e de estar, a nossa integração é fácil e da nossa participação beneficiam os povos que nos acolhem, o que suaviza também a distância da nossa terra e a saudade que nos vai na alma. Graças ao brilho dos nossos olhos e a esta capacidade de preservar a nossa cabo-verdianidade enriquecendo com ela as comunidades onde vivemos, cada cabo-verdiano acaba por se tornar um embaixador, um agente cultural, um operador turístico de Cabo Verde no país onde vive, contribuindo duplamente para o progresso do nosso país: com as suas poupanças, sobretudo na hora do regresso; levando muitos estrangeiros a visitar a nossa terra e a renderem-se aos seus encantos e recursos naturais.  

Mais uma nota pessoal… faço muita propaganda a Cabo Verde, agora junto de algumas pessoas que fui encontrando nesta sociedade londrina, gente de tantas raças e tantas culturas! Contudo, procuro fazê-lo a partir daquilo que eles sabem do nosso país. Ter consciência da maneira como os outros nos percecionam permite-nos engrandecer o nosso potencial e minimizar os nossos pontos fracos. Veja-se só como percecionam a nossa realidade:

- A beleza das nossas paisagens e do nosso povo, sobretudo “as lindas crioulas” é uma forte motivação para visitar Cabo Verde.

- Muitos, pela naturalidade com que os cabo-verdianos acolhem, conhecem já o nosso grogue e os nossos sabores gastronómicos. E, claro, a nossa música. Muitos desejam um dia poder beber, comer, ouvir a nossa música e dançar no próprio ambiente da nossa terra.

- Há também aqueles que apreciam o modo como Cabo Verde aplica bem a ajuda do estrangeiro em benefício do seu desenvolvimento, e, por isso, o consideram país organizado e seguro. Não são poucos aqueles que desejando usufruir ao máximo uma visita a Cabo Verde, se esforçam por dizer umas palavras em crioulo.

- Encontro também com relativa frequência aqueles que defendem aquela ideia estereotipada – ou mítica – de que Cabo Verde não é África.

- Os mais empreendedores fazem contas de cabeça e esboçam projetos a partir das nossas riquezas: o sal, o atum (um “diamante”, como o consideram), o carvão e o tubarão, com tantas aplicações na cosmética e na indústria farmacêutica.

- Mas aquilo que a generalidade gostaria era poder experimentar, na nossa própria terra, a sedução deste povo tão afetuoso e a sua morabeza. Muitas vezes, ao ouvi-los, me interrogo se não será a morabeza do povo o nosso “diamante”!!!

 

 

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