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A Hipocrisia da Câmara Municipal do Sal   
Ponto de Vista

A Hipocrisia da Câmara Municipal do Sal  

...estão disponíveis dados cientificamente comprovados sobre a distância das árvores em relação aos elementos existentes na via pública e quais os critérios que devem ser cumpridos para assegurar a segurança dos transeuntes e das casas na envolvente. Em passeios com larguras inferiores a 1,50m recomenda-se a não colocação de qualquer tipo de obstáculo bem como a plantação de árvores ou plantas, como vem sugerindo a CMS, para que as dimensões exigidas para a passagem de pessoas com deficiência, onde o ideal é 1,50m, embora, porque não se consegue alterar toda a malha urbana herdada do passado, tem-se considerado que o mínimo de 1,20m é aceitável. As ruas com passeios inferiores a 1,50m, quando se pretende colocar contentores de lixo ou espaços verdes, a rua é transformada em rua de sentido único, criando espaços para estacionamentos, aumentando a largura dos passeios e criando as condições para a plantação de determinados tipos de árvores.

Quando se mistura prepotência e ignorância na gestão da coisa pública, ao invés de genuína intenção de priorizar o que é essencial e verdadeiramente prioritário, a bem da coletividade, não se pode esperar outra coisa que não projetos como estes que a CMS acaba de anunciar. Imaginem "Toda a casa merece uma planta"!

O que quer a CMS com isto quando não tem feito outra coisa se não derrubar árvores, encher as ruas de calçadas e de asfalto sem a preocupação de incluir espaços verdes como elemento da estrutura urbana? Quando há pouco tempo, vários cidadãos residentes tiveram que retirar belos vasos que tinham colocado nos passeios junto às suas casas e foram chamados a retirá-los?

Todos sabemos que apesar da escassez de água na ilha do Sal, há muitos anos que a população foi desenvolvendo uma cultura do verde em casa, nas varandas e junto às suas casas, o que tem faltado são estímulos dos poderes públicos e uma política pública orientada para a criação de espaços verdes nas cidades, sobretudo na Cidade dos Espargos.

As perguntas de mera retórica enunciadas durante a apresentação do projeto, colocam a nu a falta de seriedade do projeto: Uma delas é: "Achas que a Ilha do Sal tem escassez do Verde?" Ora essa, então a Câmara Municipal não conhece o terreno em que trabalha? Não é evidente que se há coisa que falta nas ruas e ruelas e cintura dos bairros e das cidades da ilha do Sal é massa verde? A CMS não devia ter já feito os levantamentos necessários para justificar o projeto demonstrando, o quão escasso é a presença de árvores, jardins, pontos de água e até hortos urbanos? Quantas oportunidades não perdeu a CMS governado pelo MpD desde 2004 para trazer verde para a estrutura urbana? Como foi possível encher o largo da Igreja Católica de calçada, sem uma praça, um jardim, sem a plantação de árvores para proporcionar sombra e verde à cidade, quando todos sabemos que o projeto inicial que vinha da administração anterior pretendia ali reerguer o chafariz, como um ponto de água na cidade, colocar uma estátua do Ti Carj com o seu barril e criar ali uma zona de verde e lazer? Nada disso foi feito, limitou-se a lançar pedras de calçada no chão, como é apanágio dessa administração muito amiga da calçada e do asfalto, mas sem qualquer sensibilidade ambiental.

Não são os cidadãos que não têm colaborado, apesar do preço da água, que não têm contribuído para a criação de uma cidade, pois uma análise mais cuidada permite a qualquer cidadão atento perceber que a maioria dos moradores gostam do verde em casa. O que salta à vista é o absoluto divórcio dos chamados “projetos de reabilitação urbana” de qualquer perspetiva ambiental, chegando a Câmara a derrubar as poucas árvores existentes no espaço urbano sem a preocupação de, ao menos, repor as árvores abatidas durante as intervenções nas cidades.

O que foi feito da ideia que vinha desde os finais da década de 90 de criar um corredor verde desde a ribeira por trás das oficinas do Figueiredo, hoje Bomba da Shell, até o Poço Verde? Estamos a falar de uma zona que de facto apresenta as condições naturais para o efeito e nada impedia que os Planos Detalhados conservasse essas áreas propondo ocupá-los com jardins, dando alguns pulmões verdes à Cidade de Espargos. O esforço de plantação de árvores ao longo da estrada entre o centro da Preguiça e o Aeroporto acabou praticamente sem resultados, porque quem planta e não cuida, não pode esperar colher uma Cidade Verde.

Vejamos algumas situações mais recentes:

Há sensivelmente 10 meses, antes das eleições Legislativas, a CMS iniciou o asfalto da Cidade de Espargos, sem se preocupar com espaços verdes e principalmente sem se preocupar com as pessoas com deficiência, chegando ao ponto de construir passeios de 57 centímetros, o que é ridículo no mundo de hoje, quando o que prevalece e recomenda-se para as artérias urbanas são calçadas artísticas, passeios largos com ciclovias, e sempre que possível e onde não há necessidade de grandes velocidades, zonas de convivência (em que os passeios e as faixas de rodagem estão ao mesmo nível, os passeios tendem ser mais largos do que a faixa de rodagem, velocidade máxima deve ser 30 e os peões têm sempre prioridade). Quem circula nas cidades e bairros da ilha, percebe a total insensibilidade, por exemplo, para com as necessidades das pessoas com deficiência que circulam pelas ruas, com passeios feitos recentemente sem espaço para a passagem de uma cadeira de rodas e sem rampas de acesso.

Isto para dizer que, quando a CMS desafia os munícipes a plantarem árvores à frente das suas casas, deveria lembrar-se que nem todos somos iguais e, que muitos conseguem ver além de um palmo do nosso nariz e percebemos as suas verdadeiras intenções. A CMS precisa compreender que não anda a lidar com crianças e que ainda na Ilha há gente que não baixou os braços e faz questão de estar atenta a tudo o que acontece nesta Ilha, mesmo estando a trabalhar fora do País. Todas as práticas nocivas ao desenvolvimento verdadeiramente inclusivo e sustentável na ilha diz-nos respeito e cá estaremos para denunciar, reclamar e chamar a atenção quando colocam em causa o desenvolvimento da ilha que amamos.

Mas continuemos:

A CMS anuncia que com esse projeto: "...estaremos a contribuir para salvar o planeta, os fenômenos do aquecimento global e da poluição do ar."

Ora bem, salvar o planeta é uma preocupação a longo prazo, e não se cinge à mera reação atabalhoada a críticas feitas pelos cidadãos através de post publicados nas redes sociais, alguns da minha autoria, sobre o mau planeamento, requalificação e asfaltagem da cidade dos Espargos, onde faltou tudo, principalmente, o pensar uma cidade realmente para as pessoas. Se dúvidas houvessem que o executivo Camarário, que, infelizmente, age sempre com manifesta prepotência e falta de interesse em incluir os cidadãos nos processos decisórios, age sobre o território sem qualquer sensibilidade e informação sobre o que é, verdadeiramente, criar cidades sustentáveis, o projeto de asfaltagem das ruas da Cidade de Espargos acabou sendo o exemplo acabado de mau gosto e falta de cultura ambiental. É que fez-se o mais feio, inestético e menos verde que se podia fazer.

Então, convenhamos, não basta criar um projeto, com palavras bonitas sobre a proteção da natureza, para se mudar a cultura prevalecente e apostar seriamente na construção de cidades sustentáveis.

Na realidade o que trará mudanças de fundo na produção do espaço urbano são boas práticas, são políticas bem elaboradas e projetos bem concebidos, de forma participada, dotadas de uma forte componente de educação e compromisso coletivo para com o ambiente, a sustentabilidade e o futuro. É através de projetos estruturantes, de longo prazo, que se consegue estabelecer compromissos, traduzidos em objetivos e metas, com tradução orçamental e institucional, que se consegue mudar verdadeiramente o estado do ambiente na nossa terra scalabród.

Não esquecemos que os objetivos da construção planificada e sustentável das nossas cidades, visa não apenas o presente, mas sobretudo o compromisso de deixar às próximas gerações uma cidade de que possam orgulhar-se e não apenas problemas. A própria forma desorganizada como a CMS tem promovido a expansão das cidades, a forma irresponsável, incoerente e nada sustentável como tem feito a utilização do solo urbano, abrindo continuamente novas áreas de expansão, sem a preocupação de consolidar nada, mostra bem o quão longe estamos de uma vontade genuína de construir cidades sustentáveis.

Devia saber a CMS que encher uma pequena cidade, sem verde, num clima quente, onde raramente chove, de asfalto, sem a preocupação de contrabalançar o impacto nefasto no ambiente com alguma de massa verde, é no mínimo andar no sentido contrário da sustentabilidade.

Caríssimos, tenham em conta que as informações atualmente estão disponíveis para todos quando apresentam projetos desgarrados de uma visão integrada e coerente para as nossas cidades, muitas vezes retirados de projetos consistentes encontrados nos Gabinetes, mas sempre descritos como projetos inovadores, como se fossemos os primeiros a apresentá-los na face da terra. Ora, as boas e as más práticas de intervenções no espaço urbanos estão disponíveis na internet para quem verdadeiramente queira melhorar a qualidade das intervenções nas cidades, tornando-os territórios inclusivos e sustentáveis, não só mais bonitos, mas acima de tudo, promotores da saúde e da qualidade de vida para os seus habitantes.

Existe toda uma ciência, quando se trata de arborizar as cidades,e que permite saber antes de qualquer plantação de uma árvore, numa rua ou num parque, o que devemos ter em atenção e o que é importante, principalmente quando se trata de plantar árvores nas ruas, que não se resume unicamente a pedir aos moradores para plantarem nas ruas ou nos passeios.

Atualmente recomenda-se que devamos ter em atenção o tipo de árvore, a distância das casas, que tipo de ecossistema queremos criar à volta dessas árvores, pois, cada árvore em si é parte indissociável de um ecossistema que nasceu para permitir que vários tipos de aves possam ali habitar e fazer os seus ninhos e ainda, fornecer alimentos às mesmas aves, assim, como os insetos e répteis que vivem à sua volta que por outro lado servem de alimento às aves que ali habitam. Aqui observamos o processo da cadeia alimentar a ser realizada e a natureza a construir o seu próprio processo.

Se quisermos imitar, que seja, os bons exemplos. Existem muitas cidades que criaram os seus regulamentos, como por exemplo, o projeto de reflorestação das encostas do Rio do Janeiro, no Brasil, que vem de 1997 e tem trazido inúmeros benefícios àquela cidade. O caso das florestas urbanas em vários pontos do mundo, as hortas urbanas nas Canárias e na vizinha Lisboa que tanto gostam de visitar, e que até já estiveram na agenda pública, mas sem qualquer eco nas políticas públicas locais na Ilha do Sal.

Basta ver, o trabalho realizado, por pesquisadores da USP e Unicamp no Brasil, que veio demonstrar as mudanças nos níveis de poluição por metais pesados nessa região da cidade. As análises dos dados indicaram que houve uma redução da poluição por cádmio, cobre, níquel e chumbo. Outros estudos estão a ser realizados para demonstrar que a existência de muitos espaços verdes, que isso contribui para a melhoria da saúde mental das pessoas, o que ajuda na redução de crimes.

Além disso, é confirmado que nos locais com muitos espaços verdes e ruas com árvores, a taxa de cancro de pulmão é menor principalmente devido a diminuição de metais pesados no ambiente.

Também estão disponíveis dados cientificamente comprovados sobre a distância das árvores em relação aos elementos existentes na via pública e quais os critérios que devem ser cumpridos para assegurar a segurança dos transeuntes e das casas na envolvente. Em passeios com larguras inferiores a 1,50m recomenda-se a não colocação de qualquer tipo de obstáculo bem como a plantação de árvores ou plantas, como vem sugerindo a CMS, para que as dimensões exigidas para a passagem de pessoas com deficiência, onde o ideal é 1,50m, embora, porque não se consegue alterar toda a malha urbana herdada do passado, tem-se considerado que o mínimo de 1,20m é aceitável.  As ruas com passeios inferiores a 1,50m, quando se pretende colocar contentores de lixo ou espaços verdes, a rua é transformada em rua de sentido único, criando espaços para estacionamentos, aumentando a largura dos passeios e criando as condições para a plantação de determinados tipos de árvores.

O cumprimento das normas para a plantação de árvores e a construção de passeios onde pessoas poderão circular sem obstáculos a realização de estudos, a conceção de projetos e intervenções que são da inteira responsabilidade e iniciativa da CMS e não dos cidadãos. Mas quando podia ter feito isso, a CMS tinha outras prioridades: o que interessava era apresentar um projeto qualquer e passar a lançar asfalto nas ruas sem qualquer planeamento nem cuidado, porque era preciso ganhar as eleições autárquicas e legislativas.

A apresentação desse projeto trouxe, mais uma vez à evidência, a hipocrisia e o cinismo como a CMS age, permanentemente. Fica bem, ao menos fingir, que a CMS tem preocupações ambientais e, a toque de caixa, anuncia-se mais um projeto, eivado de retórica e cinismo. Se estivesse honestamente comprometida com a sustentabilidade urbana, quando delineou o projeto de asfaltagem dos Espargos, teria tido em conta as zonas destinadas a jardins, corredores verdes, colocação de vasos públicos e pontos para a plantação de árvores. Mas não, quis fazer tudo a correr para ganhar eleições. Ganhar eleições é sempre mais importante e prioritário do que estudar, planear para dar às pessoas uma cidade aprazível, para viver em liberdade e com qualidade de vida. Enquanto assim for, continua-se a exercitar a hipocrisia e o cinismo e a enganar os mais incautos. 

O que interessa é ganhar eleições, não importa como.

 

 

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