Vai sendo popular dizer mal de todos os que participam do exercício do poder e assim também da polícia e dos seus agentes. A polícia é indispensável em qualquer sociedade para manter a ordem pública, prevenir e reprimir a criminalidade, e não só, que muitas mais são as suas atribuições, mas é preciso ter coragem, muita CORAGEM PARA SER POLÍCIA.
Sem a coragem todas as demais virtudes necessárias ao exercício da função policial seriam vãs ou pusilânimes. O polícia justo sem a coragem não ousaria combater a injustiça e sem a prudência não saberia como fazê-lo. A coragem e a prudência são meios para a realização da justiça e pressupostos de todas as demais virtudes profissionais dos polícias: da honestidade, tolerância, lealdade e até da cortesia.
A honestidade é dever de todos, mas na polícia é também dever funcional porque o polícia desonesto deixa de ser guardião da legalidade e da justiça para se juntar aos criminosos que lhe cumpre combater. O polícia que vende o exercício da autoridade que lhe é confiada não viola somente os deveres do cargo, atraiçoa a sociedade que nele depôs a sua confiança.
Mas como ser honesto quando a desonestidade campeia por aí e com demasiada frequência é premiada?! Não direi que o polícia precisa ser santo, mas precisa de ser corajoso para resistir às muitas tentações!
O polícia precisa de ser tolerante porque a tolerância é da essência da democracia. Tolerar é respeitar todos os comportamentos que a lei não proíbe: as opiniões, doutrinas, ideologias, as modas, as diversidades próprias das sociedades pluralistas, ainda quando nos desagradem, não sejam as nossas. Mas tolerância não é passividade. Tolerar a ilegalidade e a injustiça é ser delas cúmplice. Como tolerar o racismo, a violência de género, a pedofilia, a violência contra os velhos, ou, em geral, a violência contra a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade? O polícia deve ser tolerante onda cabe a tolerância, mas absolutamente intolerante quando se trata do sofrimento dos outros, da injustiça, do horror que lhe cumpre prevenir e combater. Tolerar o sofrimento dos outros não é tolerância, é egoísmo, é indiferença, e a polícia não pode nunca ficar indiferente perante o sofrimento e a ilegalidade.
A eficácia da atividade policial é também um interesse que deve ser prosseguido, mas numa sociedade livre e democrática os fins nunca justificam os meios. A eficácia da polícia deve ser prosseguida com engenho e arte, mas nunca pela força bruta, pelo artifício, pela mentira, atitudes que degradam quem as sofre, mas não menos quem as usa. Não é nunca tolerável que quem tem o dever de defender a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos seja o primeiro a atacá-los e a violá-los.
O polícia deve ser prudente e responsável. Ser responsável não é só assumir os próprios atos e suportar as suas consequências, é também ser garante do correto cumprimento dos deveres profissionais que incumbem a cada um: o mal praticado por um agente responsabiliza toda a corporação. Importa que os policias sejam prudentes, que usem de correto discernimento do que fazer em cada caso. Mas não basta a prudência natural, mas a que se aprende pelo estudo, pela imitação de atos exemplares de outros profissionais, pela reflexão e atenção às consequências dos próprios atos.
Finalmente, porque a crónica já vai longa e o seu tempo é limitado, falemos da cortesia, esta pequena virtude, formal, mas que é condição para que os polícias tenham a oportunidade de cumprir virtuosamente os seus deveres. De que servirá conhecer os direitos dos cidadãos e os deveres dos polícias de os proteger e servir, se o velho abandonado pela família, a vítima de maus tratos domésticos, o sem abrigo ou qualquer outra vítima de violência individual ou social tiver medo de se dirigir ao polícia a pedir socorro? A esquadra e os polícias têm de ser lugares de refúgio a que recorrem os perseguidos e oprimidos em momentos de desespero com confiança de que serão ouvidos atentamente e protegidos.
Este permanente contacto com a violência, com a miséria e a criminalidade podem gerar nos agentes sentimentos de aversão, de desilusão, de impotência, de fatalismo, de desencanto na sociedade e nos homens ao ponto de perante os horrores a que são expostos duvidarem da suprema dignidade da pessoa humana. Por isso que a existência de um corpo de polícia de alta qualidade, formado nos ideais democráticos e no culto da dignidade da pessoa humana, é tanto mais necessária quanto a complexidade do mal exige que a força de que dispõe não é para tratar do bem, mas do mal, para prevenir o mal e promover o bem.
E a coragem para ser polícia? Ainda será preciso explicar? Perante tantos desafios, tantas dificuldades, tantos dilemas e responsabilidades, não será absolutamente necessário ter grande capacidade para superar o medo? Não apenas o medo físico perante os perigos a que estão sujeitos os agentes, mas sobretudo os dilemas morais que constantemente se lhes deparam?
Sói dizer-se que para conhecer as qualidades e defeitos de uma qualquer sociedade deve começar-se por conhecer a sua polícia. Sejamos exigentes e críticos para podermos continuar a orgulhar-nos da nossa polícia que é afinal orgulharmo-nos de ser Cabo-Verdianos.
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