Máfia de terrenos da Praia. Tribunal marca ACP com todos os intervenientes para próxima segunda-feira
Política

Máfia de terrenos da Praia. Tribunal marca ACP com todos os intervenientes para próxima segunda-feira

O 3º juizo crime do Tribunal da Praia agendou para arrancar na próxima segunda-feira, 21, uma Audiência Contraditória Preliminar (ACP) relativo ao mega-processo conhecido como a "máfia dos terrenos" da Praia, em que são arguidos 15 indivíduos, com destaque para figuras públicas como Arnaldo Silva, Rafael Fernandes, Alfredo Carvalho e a empresa deste, Tecnicil, todos acusados de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção activa.

É um novo capítulo no polémico caso da venda ilegal de terrenos na Praia. Pouco mais de um ano após o Ministério Público deduzir acusação contra os 15 suspeitos, o proceso segue agora, nos dias 21 e 22 deste mês, para uma Audiência Contraditória Preliminar, onde além dos arguidos vão ser ouvidos também os herdeiros da família Tavares Homem, Firmina Tavares Homem e António Manuel Tavares Homem, sendo que estes serão representados pelo seu advogado Emilio Xavier, que já trabalhava com o malogrado advogado Felisberto Vieira Lopesquando o Ministério Público deduziu acusação contra os suspeitos em Março do ano passado - Vieira Lopes, que brigou anos a fio para levar este processo a Tribunal, viria a falecer alguns meses depois em circunstâncias ainda por esclarecer.

Todos os intervenientes terão sido já noificados, excepto talvez Arnaldo Silva, embora tenha sido este, a par de Alfredo Carvalho e a Tecnicil a pedir esta ACP, ainda no ano passado Acontece que, segundo Santiago Magazine apurou, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados e antigo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro nos anos 1990, teria viajado, mesmo estando sob TIR, de emergência há alguns meses num avião-ambulância que o próprio terá fretado para poder ser transferido, em plena pandemia e com as fronteiras encerradas, até Las Palmas, Canárias, de onde seguiria para Lisboa.

A presença na ACP não é obrigatória, mas em caso de ausência, ainda que por motivos de doença, o processo seguirá então directamente para julgamento, uma vez que o Tribunal consideraria que houve desistência desse expediente processual por parte do arguido, que preferirá levar o caso a julgamento. 

Além de Arnaldo Silva, estão indiciados nessa suposta máfia da venda de terrenos na Praia, denunciados há anos pelo advogado Felisberto Vieira Lopes, mais 14 pessoas, com relevância para o empresário Alfredo Carvalho, a sua empresa, Tecnicil, e Rafael Fernandes, ex-vereador da Câmara Municipal da Praia.

A lista de réus, para os quais o MP tinha pedido julgamento de tribunal colectivo, inclui ainda Armindo Silva (ex-topógrafo da CMP), Maria Helena Oliveira e Sousa (filha de Fernando de Sousa), Maria Albertina Duarte (Ex- director geral de Registo e Notariado), Rita Martins (Notária-Conservadora dos Registos), Elsa Silva (empresária angolana), Victor Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa), Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa (portuguesa), José Manuel Oliveira Sousa (filho de Fernando Sousa), Ivone Brilhante (portuguesa), Maria do Céu Monteiro e Wanderley Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa).

Uma carta rogatória foi enviada pelo 3º juizo-crime do Tribunal da Praia, a cargo de Alcides Andrade, às autoridades judiciais portuguesas a fim de notificarem a família dos ofendidos para a ACP dos dias 21 e 22 de Junho. As cerca de 40 testemunhas vão prestar declarações nos dias 23, 24, 25, 28, 29 e 30 de Junho e 1 e 2 de Julho. O Tribunal espera ouvir em média 10 a 15 testemunhas por dia.

O esquema

O despacho de acusação do Ministério Público, de 90 páginas, e que Santiago Magazine teve acesso, considera que esse grupo agiu “de forma criminosa e altamente prejudicial para o Estado, para a Justiça, para a Autoridade do Estado e para a sociedade em geral, com danos avultadíssimos aos legítimos proprietários”.

O extenso documento, que, no fundo, deitou por terra perseguição política e evidenciou crimes comuns, enumerou e deduziu acusação contra 14 indivíduos mais a empresa Tecnicil (enquanto pessoa colectiva). À cabeça, Arnaldo Silva, antigo governante e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, que pela acusação do MP, aparece como pivot de toda a trama, estando por isso acusado de sete crimes: burla qualificada, corrupção activa, organização criminosa, falsificação de documentos, agravado, lavagem de capitais e falsidade informática. Crimes, de resto, que motivaram a sua detenção em 2019, tendo sido depois colocado sob Termo de Identidade e Residência, proibição de contactar os outros visados e interdição de saída do país, medidas entretanto baixadas para apenas TIR.

“O arguido Arnaldo Silva depositou numa das suas contas a quantia que ascende a 70.000.000$00, tendo este advogado de profissão e trabalhador dependente da extinta TACV, e da criada Cabo Verde Airlines, nunca declarado valores que justifiquem a proveniência deste montante”, dizia o despacho do MP, que caracteriza os 14 arguidos mais a Tecnicil de “grupo criminoso”.

No caso de Rafael Fernandes, o MP pedia a aplicação do Termo de Identidade e Residência, assim como ao arguido Alfredo Carvalho, dono da empresa Tecnicil, que, segundo o MP, “apropriou-se ilicitamente de terrenos alheios para a sua comercialização”.

“Alfredo Carvalho e a Tecnicil, ilegalmente se apropriaram de terrenos que sabiam ser alheios, com a conivência dos réus Arnaldo Silva e Maria Helena (n.d.r. herdeira de Fernando de Sousa, suposto donos desses terrenos no Palmarejo e zonas contíguas), com avultados prejuízos aos legítimos proprietários, Caixa Económica de Cabo Verde, BCA e Banco Interatlântico no total que ascende a 1.500.000.000$00 (um bilhão de escudos), à qual se acresce a quantia de 638.000.000$00, lotes e imóveis edificados e vendidos, designadamente os valores pelos quais foram vendidos o condomínio ‘Ondas do Mar’, acrescendo a quantia de 2.000.000.000$00, o que se traduz no valor do terreno e no lucro obtido ainda sem ter em conta o património pessoal do arguido Alfredo Carvalho”.

Todos os 15 réus, grosso modo, estão acusados de crimes de organização criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos agravado. O MP chegou inclusive a deduzir o pedido de confisco de bens de Arnaldo Silva, Maria Helena Sousa, Armindo Silva, Elsa Baião Silva, Victor Sousa, Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa, José Manual Sousa, Ivone Brilhante, Wanderley Sousa, Maria albertina Duarte e Rita Martins.

“Pelo exposto, requer-se aos meritíssimos juízes se digne julgar procedente o presente pedido de confiscação (…) a favor do Estado de todos os bens imóveis, bens móveis, direitos, títulos, valores e quantias e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito, de Arnaldo Silva e Elsa Baião Silva, apreendidos nos presentes autos e ainda dos bens a apreender dos arguidos Armindo Silva e Maria Albertina Duarte, bem assim dos arguidos Alfredo Carvalho e de todos os herdeiros de Fernando de Sousa”, exige o Ministério Público. Em relação à Tecnicil, o MP pede que pague 4 mil contos de caução.

CMP e Governo como assistentes

Um jurista contactado por Santiago Magazine mostra-se satisfeito com a realização desta ACP, sinal de que o polémico processo de venda ilegal de terrenos da Praia não foi colocado para sempre na gaveta. Mas ele não deposita grande esperança num desfecho sério. "Primeiro, não há Vieira Lopes. Depois, se os arguidos sairem vencedores desta ACP o julgamento irá dar em nada, acabará em águas de bacalhau", diz, sugerindo que, para um melhor acompanhento e sucesso do processo, "quer a Câmara Municipal da Praia, quer o Governo deveriam constituir-se como assistentes para poderem salvaguardar os ulteriores e superiores interesses do Estado, que foi lesado em largos milhares de contos. Só assim se garantiria que a verdade prevalecerá e os infractores serão punidos".

No entender o nosso locutor, a CMP e o Governo ainda vão a tempo de requerer que sejam constituidos assistentes. "Basta um advogado e uma folha de papel", diz, admitindo, contudo que tal não irá acontecer porque "não há vontade política". "Aliás, nenhum partido do arco do poder, PAICV e MpD, falam do assunto, pelo contrário evitam-na porque estão todos implicados. Basta ver que a defesa da Tecnicil baseia-se precisamente no facto de ter adquirido primeiro os terrenos no dntão advogado de Fernando Sousa, David Hopffer Almada, e só depois da saída deste entrou Arnalrdo Silva. Há Jacinto Santos, que não está como arguido mas tudo começou com ele na presidência da Câmara, mas também há Rafael Fernandes, ex-vereador da CMP, no tempo de Óscar Santos". 

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