José Maria Neves diz que Justiça continua a ser lenta e pede “reflexão séria e isenta”
Política

José Maria Neves diz que Justiça continua a ser lenta e pede “reflexão séria e isenta”

O Presidente da República reconheceu hoje que a Justiça no país evoluiu positivamente, mas continua a ser lenta, colocando em causa os direitos dos cidadãos, e pediu uma “reflexão séria e isenta” sobre as várias reformas legislativas.

“A administração e aplicação da Justiça continuam demasiado morosas, morosidade que afeta em muitos casos o progresso económico e social do país e, sobretudo, a própria perceção da Justiça pelos cidadãos, sem esquecer que a qualidade e o grau de eficiência não são ainda homogéneos, em todos os tribunais e nos diversos tipos de litígios, cujo número e complexidade aumentam contínua e sistematicamente”, afirmou o chefe de Estado José Maria Neves, ao discursar na abertura do ano judicial, no Palácio da Justiça, na Praia.

Na intervenção, José Maria Neves sublinhou que “persistem disfunções, algumas reveladas pela implementação prática das sucessivas reformas que devem ser resolvidas”, pelo que “é necessária uma reflexão séria e isenta sobre os resultados das reformas legislativas dos últimos anos”, baseada em “dados objetivos”: “E que não seja inquinada quer por aparentes crispações corporativas, quer por qualquer inaceitável teimosia política”.

Acrescentou que as “expectativas da sociedade cabo-verdiana cresceram, correspondem ao desenvolvimento sociocultural do país e vão ao encontro do que é expectável de uma Justiça do século XXI”, com cidadãos que “querem e merecem” uma “Justiça célere, equitativa e eficaz que reforce a confiança nas instituições judiciárias”.

“Se no cômputo geral, temos de reconhecer o caminho positivo trilhado pela nossa justiça, o inventário do caminho percorrido não pode distrair-nos do longo caminho que falta percorrer, por isso, não podemos, não queremos e não devemos permitir retrocessos”, disse ainda.

Para José Maria Neves, a “juridificação das relações sociais é uma das consequências do desenvolvimento, com o consequente aumento da procura de soluções em sede judicial”, colocando “o desafio ingente de investir na diminuição da conflitualidade social, melhorando os índices de coesão social e da cidadania, mas também perante a necessidade da desjudicialização de litígios e conflitos que podem ser resolvidos através de outros instrumentos já disponíveis e que devem ser potenciados”.

“Num pequeno parêntesis, importa apelar à reflexão serena sobre a crescente judicialização da política e da própria vida pública e da politização do judiciário a que assistimos no país”, alertou, numa alusão desde logo à situação de ingovernabilidade que se verifica nas câmaras municipais da Praia e de São Vicente, com vários processos em tribunal movidos pelos eleitos.

Insistiu que os diagnósticos do setor da Justiça “estão feitos, reformas e investimentos foram levados a cabo” e que “é inegável que sucessivos governos tentaram corresponder às necessidades do setor, com mais e melhores infraestruturas, reformas processuais e outras, sem esquecer a revisão constitucional que, por unanimidade, conferiu ao setor a sua administração e gestão”.

Contudo, a “inquietação e as preocupações que a Justiça tem suscitado, nos últimos meses, à generalidade dos cidadãos, obrigam a ponderar em que medida o sistema pode e deve ser aperfeiçoado e expõem a importância e a prioridade que tem de lhe ser concedida, nas políticas e nos orçamentos, sob pena de se esbater a indispensável coesão social e ficar em risco o desenvolvimento seguro e sustentado”.

Para o chefe de Estado, o setor da Justiça tem desafios “prioritários para corresponder as justas e legítimas expectativas da sociedade cabo-verdiana”, como “operacionalizar o Sistema de Informatização da Justiça”, criar as “condições necessárias ao funcionamento normal do serviço de inspeção judicial” e desenvolver uma “maior e melhor comunicação”.

“A explicação sobre os fundamentos e o conteúdo de uma decisão judicial e a eventual confrontação de opiniões sobre a mesma, contribui para que ela possa revelar-se, à generalidade dos cidadãos, de forma inteligível e transparente”, reconheceu.

“Estarei atento aos sinais de inquietação e aos caminhos de progresso, para agir, se necessário, estritamente no quadro constitucional”, ao encerrar a mensagem de abertura do novo ano judicial.

Os tribunais cabo-verdianos fecharam o último ano judicial (terminado em 31 de julho) com o número mais baixo de processos pendentes em vários anos, menos de 10.200, apesar de o número de casos decididos ter caído para 308, em média, por juiz.

De acordo com o relatório do ano judicial 2021/2022 elaborado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), “nos últimos anos, o número de processos decididos tem vindo a acompanhar o número de processos entrados” nos tribunais cabo-verdianos.

“O que, se por um lado, não tem logrado uma redução da pendência na dimensão pretendida, por outro lado tem funcionado como impediente para que a pendência não aumente. Porém, no ano a que o presente relatório diz respeito, foram decididos 13.565 processos, contra 14.743 do ano judicial anterior, ou seja, menos 1.178 processos do que no ano transato”, explica o documento, cujo histórico aponta para o segundo melhor ano de produtividade desde 2015/2016 (11.696 processos decididos nos tribunais do país).

Na relação entre o número de processos resolvidos e entrados, em 2021/2022 o número de processos julgados foi de 13.565 (14.743 no ano anterior), “o que representa uma média anual de 308 processos julgados por cada juiz”, refere ainda o documento.

Em 2017 os tribunais cabo-verdianos fecharam com 12.196 processos pendentes, registo que caiu para 10.160 no arranque do novo ano judicial, este mês (2022/2023).

O CSMJ integrava no final do ano judicial 2021/2022 um total de sete juízes conselheiros, 11 juízes desembargadores e 51 juízes de direito - mas apenas 55 no total no exercício de funções -, além 217 oficiais de justiça, neste caso com 204 a trabalhar nos tribunais.

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