O Governo revelou que a administração islandesa da TACV, entretanto renacionalizada, ameaçou imobilizar em Portugal a aeronave com que pretendia retomar os voos internacionais e iniciou um processo disciplinar à vice-presidente nomeada pelo Estado.
Num comunicado enviado hoje à Lusa, em resposta ao anúncio da Loftleidir Cabo Verde, de que pretende reverter a renacionalização da companhia aérea Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) e ser “ressarcida pelos prejuízos causados” por aquela decisão, o Governo garante que cumpriu todos os acordos celebrados.
Em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
“O Governo cumpriu com todas as obrigações financeiras decorrentes do contrato de compra e venda de ações à Loftleidir, não tendo a Lofleidir Cabo Verde cumprido, na integra, com o pagamento das ações vendidas, nem com os compromissos de financiamento decorrentes do dito contrato, enquanto acionista maioritária, obrigando o Estado a questionar essa situação em finais de 2019 e início de 2020”, afirma o comunicado governamental.
O Estado cabo-verdiano assumiu em 06 de julho a posição de 51% TACV detida desde 2019 pela Loftleidir Cabo Verde, dissolvendo de imediato os corpos sociais. A reversão da privatização da Cabo Verde Airlines (CVA - nome comercial adotado desde 2019 para a TACV) teve efeitos a partir daquele dia, alegando o Governo “sérias preocupações” com o “cumprimento dos princípios, termos, pressupostos e fins” do processo.
No comunicado de hoje, o Governo recorda que na sequência da pandemia covid-19 e da paralisação dos voos da companhia desde março de 2020, o Estado de Cabo Verde, a Loftleidir Cabo Verde EHF e a TACV celebraram em 18 de março de 2021 um “Acordo de Resolução", para permitir o “reinício das operações, resolução de responsabilidades e mobilização de financiamento para o CVA”.
Neste entendimento, o Estado comprometeu-se a “garantir o suporte ao financiamento” da companhia, com 300 trabalhadores, com uma garantia bancária estatal para um empréstimo de 16 milhões de dólares, que afirma ter concretizado.
Em simultâneo, a supervisão caberia a um representante financeiro nomeado pelo Estado, “que autorizaria todo e qualquer pagamento da empresa, durante um determinado período”, decisão “fundamental para assegurar transparência, responsabilidade e integridade em relação à utilização de recursos públicos injetados na empresa”. Esse papel foi assumido por um “administrador-executivo”, como vice-presidente para a tesouraria, estabelecendo o acordo que teria “poderes de aprovação de todos os pagamentos”, que obrigariam à sua co-assinatura.
Contudo, “na sequência da recusa” em autorizar pagamentos “sem acesso à contabilidade”, a administração islandesa “ameaçou a mesma vice-presidente de demissão, tendo-a suspendido e iniciado processo disciplinar, sem apresentar fundamentação legal”, lê-se no comunicado. Neste quadro, segundo o Governo, o presidente do conselho de administração dos TACV “ameaçou” que a aeronave alugada à Loftleidir Icelandic “ficaria imobilizada em Portugal aquando do reinício das operações”, acusando igualmente a administração de ter emitido “uma ordem de transferência a favor da LoftLeidir Icelandic em benefício da mesma e do grupo Icelandair, sem a co-autorização da vice-presidente”.
“O que constituiu uma violação flagrante dos termos e espírito” do “Acordo de Resolução” e “da legislação de Cabo Verde relativa à utilização de recursos públicos”, lê-se, acrescentando que foram “descobertas algumas ocorrências prejudiciais aos TACV e cometidas ou facilitadas pela Loftleidir Icelandic".
“Em pleno ambiente de pandemia, com os aviões em terra e sem possibilidades de geração de receitas, a Loftleidir Icelandic, através da Icelandair, submeteu uma fatura para pagamento antecipado de rendas de leasing à IATA, determinando o cancelamento da inscrição dos TACV junto à IATA”, exemplificou o Governo.
Acrescenta que a “Loftleidir Icelandic forçou, e a Comissão Executiva dos TACV permitiu, o pagamento do serviço de leasing enquanto os funcionários não estavam a ser pagos por falta de geração de receitas da empresa num período pandémico”, acusando a mesma administração de se ter escusado a “pagar as contribuições fiscais da empresa, dos trabalhadores, da segurança social, bem como todos os pagamentos a estruturas diretas ou indiretas do Estado de Cabo Verde”.
Neste “caminho”, a “CVA veria a sua situação de sustentabilidade financeira comprometida, nos dois meses seguintes, obrigando a novas injeções de liquidez”, afirma o Governo, justificando assim a "necessidade urgente de reversão das ações".
Revelando contornos do processo até agora desconhecidos e reagindo às denúncias de bloqueio feitas pela Lofleidir, o Governo afirma que a vice-presidente “não bloqueou e nem impediu a execução de pagamentos previstos referentes às contribuições obrigatórias de impostos e de segurança social”.
“Todos os pagamentos referentes a essas obrigações de janeiro a maio de 2021 foram efetuados, estando as contribuições de junho de 2021 em pagamento. As dívidas existentes são anteriores”, afirma, garantindo também que “nunca foram bloqueados pagamentos” à empresa estatal ASA, que gere os aeroportos, como acusou o grupo islandês.
Revela que a aeronave operada pelos TACV - que em 18 de junho deveria ter partido do Sal para Lisboa no primeiro voo comercial da companhia em 15 meses - "foi objeto de arresto judicial, em resposta a um pedido de providência cautelar requerido pela ASA", como "garantia patrimonial de uma dívida que a Comissão Executiva dos TACV contraiu a favor da companhia durante a sua gestão e se recusou a pagar".
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