“Sonho ter uma equipa de investigação na área de Oncologia em Cabo Verde”
Entrevista

“Sonho ter uma equipa de investigação na área de Oncologia em Cabo Verde”

 Neidy Rodrigues é uma jovem cientista cabo-verdiana, que acaba de descobrir que o colesterol dificulta o tratamento do cancro da mama, no quadro de um programa de doutoramento em Biomedicina, no Centro de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Neste exclusivo ao Santiago Magazine ela diz que sonha ter uma equipa de investigação na área de Oncologia em Cabo Verde, porque “é possível fazer ciência em África, e já existe muitas pessoas capacitadas para o fazê-la”.

Santiago Magazine - Quem é Neidy Rodrigues?

Neidy Rodrigues - Neidy Rodrigues, é natural de Cabo Verde, e apaixonada pela Ciência da Saúde, mais concretamente investigação. Sou um dos primeiros que entraram na primeira edição do programa PGCD (programa de pós-graduação em Ciências para o Desenvolvimento) a completar o Doutoramento em Biomedicina, na área de Imuno-oncologia, e um dos melhores centros de investigação em Lisboa, Instituto de Medicina Molecular em Lisboa (IMM), Faculdade de Medicina de Lisboa. Programa este que ingressei depois de ter completado o Mestrado em Biologia Molecular e Celular na Universidade de Aveiro no ano de 2013.

A minha paixão pela ciência começou na Universidade de Aveiro, onde tive o primeiro contacto com a investigação, publiquei o primeiro artigo científico, e fui contemplada com o prémio de melhor aluna oriunda dos PALOP e Timor Leste a frequentar o mestrado integrado na área de ciências. E faço parte do corpo docente da Universidade de Cabo Verde, no Mestrado Integrado em Medicina.

Sabemos que é bolseira da Gulbenkian, concretamente no programa de pós-graduação em Ciências para o Desenvolvimento. Conta-nos como é que tudo começou?

O Instituto Gulbenkian da Ciência criou em 2013, uma parceria com o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Inovação de Cabo Verde e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal, um programa doutoral com o objectivo de formar investigadores em Ciências da Vida provenientes dos PALOP. Este programa consiste num ano lectivo realizado na cidade de Praia, em Cabo Verde, onde se encontram alguns dos mais proeminentes cientistas portugueses na área do ensino em Ciências da Vida, seguido de três anos de prática experimental com vista à escrita e defesa de uma tese de Doutoramento numa universidade portuguesa ou brasileira. Com isto pretende-se preparar alunos dos PALOP e Timor-leste para seguirem uma carreira científica. O intuito é o de formar professores capazes de transmitir conhecimento e espírito crítico às novas gerações de estudantes africanos e timorenses. No fundo, o programa pretende usar a ciência como ferramenta para o desenvolvimento, conceito que está implícito no nome do programa - Programa de Pós-Graduação Ciência para o Desenvolvimento, ou PGCD.

O cancro da mama é considerado um dos grandes problemas da saúde da mulher nas últimas décadas. Na sua investigação, consta que terá descoberto que o colesterol dificulta o tratamento do cancro de mama. É verdade? Pode explicar para os nossos eleitores este processo?

Cancro são células normais que sofreram transformações na sua estrutura e desenvolvimento e têm a capacidade de espalhar-se para outras partes do corpo. Estas células são vigiadas e eliminadas pelas células de defesas do nosso organismo, sistema imunitário. Durante a pesquisa demonstrei que a função anti-tumoral de um subtipo de Linfocitos T-gamma delta, glóbulos brancos, é comprometida em condições de níveis elevado de “mau” colesterol em circulação, levando a progressão do crescimento das células tumorais da mama. A influência do colesterol no crescimento tumoral já tinha sido demonstrada nos estudos anteriores no Laboratório do Sérgio Dias, em que os ratinhos em dieta gorda desenvolviam tumores maiores comparando com os ratos expostos a dietas “normais”. Uma das possíveis explicações, que o estudo vem agora revelar, é a de que o “mau” colesterol, quando em níveis elevados, parece ter um efeito inibitório/negativo (nas funções) num tipo particular de células do sistema imune que é muito recrutado para destruir células tumorais – as células T gama delta.”

Esta descoberta é uma grande contribuição para a medicina a nível mundial. Qual tem sido a reação da comunidade académica em relação a este assunto?

Os linfócitos T gama-delta tem a capacidade de reconhecer e eliminar células tumorais. As células linfócitos T gama-delta são estudadas no Laboratório de Bruno Silva Santos (IMM) para tratamento de cancro por terapia biológica ou molecular (imunoterapia) que consiste em isolar células do próprio paciente, e o objectivo é estimular ou melhorar a activação dos linfócitos T do paciente para combater alguns tipos de cancro. A imunoterapia é um tipo de tratamento anti-tumoral mais promissora hoje em dia, e é muito vasta. Os resultados promissores e inovadores do tratamento celular com linfócitos T gama-delta para combater o cancro já se encontram na fase pré-clínica. Esta nova descoberta ajudará no desenvolvimento do tratamento de cancro com imunoterapia, para impedir que esses entraves como níveis de elevados de Colesterol fossem accionados, de modo a preservar a activação dos linfócitos para eliminar o cancro.

Sim, a descoberta tem tido uma repercussão muito satisfatória perante os midias, como jornais Expresso e Diário de Noticias em Portugal, páginas no Facebook do Instituto de Medicina Molecular, e também muitos foram os colegas da área de investigação que parabenizaram pelo trabalho/ artigo publicado no jornal científico internacional “Cancer immunulogy research” (http://cancerimmunolres.aacrjournals.org/content/early/2018/01/20/2326-6066.CIR-17-0327 ).

Sabemos que teve como orientadores os professores Sérgio Dias e Bruno Silva Santos. Quanto tempo durou esta investigação?

O Doutoramento é de 4 anos, em que o primeiro ano consiste em ter aulas teórico-práticas na cidade da Praia (Cabo Verde) e após a fase lectiva, tínhamos que ingressar em grupos de pesquisas Portuguesas ou Brasileiras para desenvolver a parte da pesquisa por 3 anos.

Foi um trabalho individual ou contou com colegas do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde o projecto foi desenvolvido?

A tese é individual, mas o trabalho de pesquisa envolve vários componentes, mesmo sendo um trabalho árduo para pessoa que está a frente da pesquisa, porém não deixa de ser um trabalho de grupo. Quando o Sérgio Dias apresentou-me o projecto, fiquei impressionada e preocupada ao mesmo tempo, pois na altura estava grávida e tinha medo de não conseguir executar o projecto e para piorar ia começar a trabalhar com células que nunca tinha ouvido falar. Mas ao ouvir o Bruno Silva Santos a falar com entusiasmo das células T gamma delta, comecei logo a envolver no projecto e a acreditar e a fazer de tudo para executá-lo de melhor forma possível. Tive excelentes orientadores que forneceram todas as condições para trabalhar, ainda hoje oiço as vozes do Bruno (risos), mas tudo valeu a pena, hoje só tenho a agradecer a confiança que depositaram e a oportunidade para realizar o projecto.

O Daniel Correia, é um dos colegas, que teve uma participação importante para executar ensaios no Laboratório do Bruno Silva Santos, e também tive apoio de colegas como Sofia Mensurado e Sandrina Nóbrega, e entre outros para realização ds pesquisa.

Quais os maiores constrangimentos que enfrentou durante este período?

Os constrangimentos foram imensos, desde profissionais como pessoais. A ciência exige imenso, e tudo que possas dá-la nunca será suficiente, pois, o conhecimento é um poço sem fim. Ao escolher este caminho (cientista), existem sacrifícios, perdas irreparáveis em prol do sonho, mas tudo fica pequeno, quando queremos realizar um grande sonho. Sempre digo que já passei por países, como Alemanha e Inglaterra, e também tive que ultrapassar obstáculos em prol da ciência, mas que este doutoramento é um dos maiores obstáculos que tive que ultrapassar. Pois, considero que foi um doutoramento colectivo em que tive apoio de todos os meus familiares e amigos, em especial os meus pais, Helder e Ruth, que tudo fizeram para que concretizasse o meu sonho.

Tem certamente novos caminhos planejados. Quais são os próximos passos?

A ideia, é continuar a fazer a ciência. Sempre quis voltar para o meu país e se for possível contribuir para saúde. Há uma necessidade enorme de maior envolvimento das entidades responsáveis do país (Cabo Verde) na área de investigação, e é possível fazer ciência em África, e já existe muitas pessoas capacitadas para o fazê-la. Em Cabo Verde, o Cancro da Mama é a terceira principal causa de morte de acordo com os dados do relatório estatístico de 2010 de Cabo Verde (cerca de 61,6% do total de mortes) e é a segunda causa de evacuações de saúde fora do hospital [relatório estatístico, 2011].

Neste preciso momento estou a lutar por outro sonho que é ter uma equipa de investigação na área de Oncologia em Cabo Verde. A ideia, é começar a fazer a ciência de base, que é ter a acesso a biopsia (pedaço) do tumor da mama, e fazer ensaios preliminares, que permite identificar o subtipo de tumor, e traçar o “perfil” do cancro da mama das mulheres Cabo-Verdiana. São dados importantíssimos, que ajudarão não só na escolha do tipo de tratamento, como também distinguir as pessoas/famílias de riscos.

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