Quando o mundo inteiro corre contra o tempo para parar uma doença que tem assumido dimensões globais, o governo de Cabo Verde se presta a criar mais mecanismos para botar mão aos recursos da nação e aos sectores estratégicos do desenvolvimento do país.
Casa roubada, trancas à porta! É um ditado antigo, a demandar mais sabedoria nas decisões, nos atos, nas omissões… na vida. Porque, acredita-se, um homem prevenido vale por dois.
Pouco ou nada vale chorar sobre o leite derramado. Esta premissa é "tão velha como as montanhas".
Quando o coronavírus começou a percorrer o mundo, muitas pessoas entre nós sugeriram que o país fechasse as fronteiras. Sugestões apenas!
O governo não reagiu. Ficou silencioso, de tocaia, como lobo no covil.
Apareceram, no entanto, alguns guardiões do templo a atacar a ideia, defendendo o turismo, a economia, com fundamentos de que dificilmente conseguiremos sobreviver com a fronteiras fechadas, sendo Cabo Verde um país totalmente dependente desta movimentação entre os continentes.
Um conselheiro do primeiro-ministro teve a "delicadeza" de chamar aos que defendiam a ideia de se fechar fronteiras de “kamikazes de serviço”, dizendo que são medidas “francamente irracionais”. Escreveu que fechar as fronteiras seria um “autêntico disparate”, ao mesmo tempo que se afirmava “benevolente” na sua sentença.
Na opinião do ilustre conselheiro público, o país deve agir com “prudência e inteligência”, baseado num dado por ele considerado relevante – “o nosso país NÃO tem ainda nenhum caso de coronavírus”.
Este artigo foi publicado no dia 17 de março, um dia depois de o turista inglês – que infelizmente faleceu hoje – ter procurado as estruturas de saúde da Boa Vista com sintomas da doença. E desde então registamos já três casos confirmados, um óbito, e segundo o diretor Nacional da Saúde, Artur Correia, 150 casos suspeitos estão sendo seguidos pelas estruturas de saúde no arquipélago.
A 19 de março Ulisses Correia e Silva – dois dias após a publicação do seu conselheiro - fala ao país sobre a doença, afirmando que se trata de uma guerra. Fecha definitivamente as fronteiras e aconselha as pessoas a ficarem em casa.
De seguida fala do orçamento retificativo, do apoio para socorrer a Cabo Verde Airlines dos impactos da pandemia e marca o Conselho de Concertação Social.
Posições. Medidas. Acções. Todavia, enquanto diz que a prioridade é lutar contra o coronavírus, vai criando mecanismos para financiar a Cabo Verde Airlines, aprova uma lei para vender a CV Handling – decreto-lei nº 31/2020 -, cria duas empresas para gerir assuntos (recursos) do Estado – Parpública CV, SA, Sociedade Gestora de Participações Sociais do Estado (SGPS) – decreto-lei nº 28/2020 – e Imopública CV, SA, Sociedade Gestora dos Imóveis do Estado (SGI) – decreto-lei nº 29/2020, sem, no entanto, deixar escapar um único pio sobre os desempregados, o pessoal da economia informal, enfim, o povo.
Quando o mundo inteiro corre contra o tempo para parar uma doença que tem assumido dimensões globais, o governo de Cabo Verde se presta a criar mais mecanismos para botar mão aos recursos da nação e aos sectores estratégicos do desenvolvimento do país.
Diz-se que a ocasião faz o ladrão. O coronavírus tem criado ocasião privilegiada para o governo resolver dossiers complicados, ou encalhados, estando o país naturalmente entretido com uma doença que só chegou aqui por incúria desse mesmo governo que goza de autoridade para gerir a nossa vida.
Grave! Porém, verdade. E, sendo verdade, a solução é aguentar o tranco – de um lado as maleitas do coronavírus, do outro os golpes e contragolpes de um grupo que nos quer, a todos, cada dia mais "irracionais", para usar a terminologia do ilustre conselheiro do primeiro ministro. Que Deus tenha Misericórdia desta nação!
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