A pretexto do 100º aniversário do líder das lutas de libertação nacional na Guiné-Bissau e Cabo Verde, milhares de pessoas percorreram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, gritando palavras de ordem e cânticos de evocação a Amílcar Cabral.
A primeira “Marxa Cabral” desceu na tarde deste sábado, 21, a tradicional artéria lisboeta que, anualmente, acolhe as comemorações populares do 25 de Abril de 1974.
Contra o racismo e a extrema-direita
Para além da evocação de Cabral, os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o racismo e a extrema-direita, reunindo uma forte presença do movimento negro que organizou a marcha e lançou a “Declaração Panafricanista de Lisboa - Cabral sempre!” (ler mais abaixo).
Na declaração afirma-se que “Cabral está na origem da Revolução dos Cravos”, mas, também, que “o 25 de Abril continuará a ser uma celebração incompleta enquanto a sua ausência, assim como a dos povos africanos que combateram o colonialismo, se perpetuar”.
No documento sublinha-se, ainda, que é preciso contrariar essas ausências e garantem sair às ruas em cada setembro, porquanto Amílcar Cabral “encarna todas as nossas revoluções: anticapitalista, antifascista, anticolonial e antipatriarcal”, na medida em que é um “revolucionário e panafricanista”.
Declaração Panafricanista de Lisboa - Cabral sempre!
As lutas pela liberdade total dos povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde, bem como a de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, fizeram parte de uma revolução panafricana que derrotou o colonialismo português, contribuiu para o derrube do fascismo, colocando África no centro de um processo histórico-político de reconstrução e re-humanização das relações no mundo.
Convocada pelos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, mobilizada e organizada pelo PAIGC, sob a liderança de Amílcar Cabral, esta luta forjada na unidade foi a expressão concreta da vontade e da aspiração mais profunda destes povos.
Convicta de que, para existir plenamente, um povo deve assumir a autoridade sobre a sua própria vida, esta luta foi uma ação firme de recuperação do nosso destino e da nossa própria História.
Comprometida com os princípios da verdade, justiça social, unidade, fraternidade e solidariedade combativa entre todas as comunidades humanas, foi uma luta do povo, pelo povo, para fazer povo.
Há momentos na história em que os povos mergulham as suas raízes no húmus da sua realidade social para gerar forças capazes de desencadear a sua própria libertação. Amílcar Cabral, que decidiu assumir a missão da sua geração, é fruto deste gérmen da contestação. Filho da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Cabral representa uma síntese histórica que encarna um desejo de liberdade que antecede as próprias lutas pela independência.
Neste setembro vitorioso, em que celebramos o centenário do seu nascimento, relembramos os sentidos, potência e atualidade do mote: “A luta continua”. Um mote que nos informa sobre a importância de não reivindicarmos “vitórias fáceis”.
Celebrar Cabral, hoje, é sobretudo celebrar a resistência dos povos que lutam contra o neocolonialismo. É lembrar que o chão africano tem sido fértil em ideias de libertação capazes de transformar o mundo e afirmar o seu papel fundamental na construção de um futuro diferente, próprio.
Esta 1.ª Marxa Cabral em Portugal surge na sequência da 1.ª Marxa por África em Portugal, realizada no passado dia 25 de maio e está alinhada com as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e os 75 anos do desastre do muro da assistência, que vitimou milhares de famintos em Cabo Verde, a manifestação por Cláudia Simões e todas as vítimas da violência racista de Estado.
Neste sentido, esta marxa é, fundamentalmente, uma afirmação do compromisso da nossa geração em cumprir a missão que nos foi legada. Este compromisso de ação - aqui em Portugal, território onde Cabral e a sua geração, bem antes de iniciar a luta pela libertação em África, começou a lutar com povo português, particularmente no Alentejo, ensinando, ouvindo e partilhando o seu conhecimento - é também um desafio à consciência do povo português para assumir a sua responsabilidade histórica. Destruir o racismo e todas as ameaças de ressurgimento do fascismo.
Nesta marxa, afirmamos, uma vez mais, que: “o 25 de Abril nasceu em África”. Assim, lembramos que o contributo internacionalista de Amílcar Cabral e dos seus camaradas foi crucial para que as portas da revolução se abrissem.
Cabral está na origem da Revolução dos Cravos. O 25 de Abril continuará a ser uma celebração incompleta enquanto a sua ausência, assim como a dos povos africanos que combateram o colonialismo, se perpetuar.
Foi a longa e dura luta dos povos africanos, mormente aquela liderada por Amílcar Cabral em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, que contribuiu para a derrota do fascismo. Esta resistência unificada foi uma força fundamental e determinante.
Por isso, declaramos que:
O reconhecimento e a inscrição concreta da figura de Amílcar Cabral e dos movimentos africanos de libertação na memória e na história da democratização de Portugal - nos manuais escolares, nas datas comemorativas, em monumentos, etc. - são formas de reparar a própria história do país e honrar a memória e o trabalho por ele desenvolvido em Portugal.
Para construir um futuro coletivo, precisamos de voltar atrás e encontrar momentos de confluência, processos que conectaram pessoas na construção de pontes rumo ao futuro comum. Esta engenharia de construção, obra do povo africano, mobilizado por Amílcar Cabral, permitiu abrir a larga estrada de esperança. Cabral, é o nosso ancestral comum!
Porque “é ainda fecundo o ventre que gerou a besta imunda” do fascismo, da xenofobia, do racismo e do colonialismo, numa União Europeia de Estados cada vez mais securitários, xenófobos, avessos à diferença e capitalistas, declaramos que é urgente voltarmos a fazer povo.
A nossa luta, contra o imperialismo e todas as formas de opressão, não obstante a nossa diversidade, é uma só.
Face a esta luta, cada vez mais violenta, devemos trabalhar juntos numa unidade ativa, que não titubeia face a nenhum grito de socorro, nem sacrifica ninguém em nome de conquistas fáceis.
As conquistas do 25 de Abril, fruto da luta dos povos africanos e portugueses, ainda não estão garantidas.
Face ao projeto de uma sociedade fascista, almejada pela extrema-direita, é urgente que todas as forças vivas, anticoloniais e anticapitalistas, comprometidas com as causas justas, construam territórios de encontro de ideias e práticas vivificantes que promovam a justiça social, hospitalidade e a dignidade humana.
Que, a partir de hoje, em cada setembro, com Cabral, marchemos juntos:
Contra as guerras, a miséria, a injustiça e as fomes.
Contra o extrativismo e a exploração que empobrecem e matam os povos do sul global e todas as formas de vida, sobretudo em África.
Contra todos os acordos comerciais, mormente de pesca que destroem e pilham ecossistemas e economias africanas.
Contra o patriarcado e todas as formas de fobias que matam pessoas Trans e LGBTQIA+ sobretudo, as pessoas cuir negras que continuam a ser historicamente violentadas e invisibilizadas.
Contra a islamofobia, o racismo religioso, o etnocentrismo, a afrofobia e todo o tipo de ódio.
Contra o esquecimento, apagamento e o silenciamento.
Contra a precariedade, por uma vida justa!
Por todas as pessoas imigrantes que cruzam o mediterrâneo e outras rotas enfrentando a morte prematura e os muros do mundo.
Por Cláudia Simões, Bruno Candé, Daniel Rodrigues, Danijoy Pontes, Giovani Rodrigues, Mumia Abu Jamal e todas as pessoas que ainda hoje enfrentam a brutalidade dos poderes capitalista, fascista, xenófobo, patriarcal, racista, afrofóbico e neocolonial.
Pelo direito de existir, resistir, circular e habitar.
Pelo trabalho digno, sobretudo das mulheres que trabalham no setor das limpezas.
Em solidariedade combativa com todos os povos resistentes do mundo, nomeadamente os povos do Congo, Sudão, Sahara Ocidental, Palestina, que apoiamos incondicionalmente, da Guiné-Bissau, da Líbia destruída pela aliança imperialista e os seus cúmplices.
Pela luta mobilizada por movimentos anti-franco CFA e pelo fim das bases militares estrangeiras em todo o continente africano.
Pelo planeta, a nossa casa comum, por todas as resistências da Terra.
Pela nossa história, memória e pelo direito à esperança, porque os povos também precisam de existir no imaginário.
Pela panafricanização dos atos e dos espíritos,
Que Cabral seja sempre nosso, do mundo em luta contra opressão e exploração, porque ele encarna todas as nossas revoluções: Anticapitalista, antifascista, anticolonial, antipatriarcal, revolucionário e panafricanista.
Estas são as características que definirão as nossas marxas Cabral, uma marxa independente, composta por pessoas deste amplo e diverso movimento negro e panafricanista, que marxa, age e pensa pela sua própria cabeça.
Unificador das lutas, Cabral sempre!
Esta é a nossa declaração, de nós, os resistentes da terra, unidos para formar povo. Comunicamo-la a todos os povos em luta. Dirigimo-la a todas as forças opressoras de todo o mundo!
Luta ka kaba! Nô sta djuntu, pa luta djuntu!
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