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Regionalização do país. Um Governo, duas vozes
Editorial

Regionalização do país. Um Governo, duas vozes

O MpD de Ulisses Correia e Silva ganhou as eleições de Março de 2016 sob o signo da Regionalização e do Desemprego. Estes dois temas, caros ao processo de desenvolvimento de Cabo Verde, foram devidamente explorados – com uma boa dose de inteligência e sagacidade - nas campanhas eleitorais que conduziram o “partido da liberdade e da democracia” novamente ao poder, após uma década e meia de oposição.

Dois anos depois, o Desemprego é o que se sabe – os jovens continuam pendurados na esperança, enquanto o Governo vem insistindo com o sector privado, a ver se o milagre dos 9 mil empregos anuais acontece. Milagre sim, porque apostar todas as cartas no sector privado, num mercado minúsculo e arquipelágico como o nosso, é acreditar na varinha mágica, parafraseando o próprio primeiro-ministro, e logo, no milagre.

No que se refere à Regionalização, o Governo acaba de anunciar a aprovação do “projecto de proposta de lei que cria regiões administrativas e regula o seu modo de eleição, as suas atribuições e organização”, prevendo a “criação de dez regiões, uma por ilha, tendo a ilha de Santiago duas regiões, norte e sul”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, fez questão de recordar que esta decisão “é um compromisso firme do Governo e do partido que o suporta”, realçando que o mesmo “tem socializado esta proposta de lei de Regionalização com toda a sociedade cabo-verdiana e, igualmente, será discutida no Parlamento, de acordo com os procedimentos habituais”.

Ora, o anúncio do Governo acima referido, aconteceu no mesmo dia em que o Jornal A Nação (Edição nº 552) trazia como manchete uma reportagem, dando conta que o vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, é contra a criação de duas regiões administrativas em Santiago, conforme prevista na proposta do Governo e do MpD, partido de que Correia é um dos vices.

O diploma sobre a regionalização do país, pela sua importância no contexto da organização do Estado, carece do voto favorável de pelo menos 2/3 dos deputados, o que requer um amplo debate entre os sujeitos parlamentares, visando a produção dos consensos necessários á sua aprovação.

Ora, o primeiro-ministro, numa das suas várias visitas a São Vicente - a ilha que mais reivindica a Regionalização – havia declarado perante os órgãos de comunicação social, a partir da cidade do Mindelo, que se fosse pela sua vontade, a Regionalização já estaria consumada.

Estas declarações do chefe do Governo e presidente do MpD, que teve o mérito de causar espanto e indignação em vários sectores da sociedade cabo-verdiana, podem conduzir, pelo menos, a esta conclusão: que o Governo e o partido que o sustenta encontravam-se devidamente alinhados quanto ao modelo de Regionalização que queriam para o país e que o problema estaria eventualmente do lado da oposição, que, de algum modo, estaria a dificultar a materialização desta vontade da maioria.

Hipóteses que a posição de Olavo Correia, hoje tornada pública, veio lançar por terra, ao demonstrar que nem mesmo no seio do Governo e do partido que o sustenta, há consenso em relação a este assunto. E que, afinal, quem possivelmente vinha ludibriando o desejo do chefe do Governo era precisamente o seu homem forte e braço direito, Olavo Correia, e não a oposição, como se pretendia fazer passar.

Com efeito, a posição do segundo homem do sistema ventoinha, mais do que um acto de desautorização do primeiro-ministro, é um exercício de desafio e de medição de forças entre as duas figuras mais importantes da governação do país, neste momento.

Ao desautorizar o primeiro-ministro, Olavo Correia estará eventualmente a chamar a atenção dos cabo-verdianos sobre os caminhos que a governação ventoinha está a tomar, sobretudo no que diz respeito aos programas estruturantes no processo de formatação do futuro do país.

Porque, se um programa tão importante como este - provoca uma alteração profunda em toda a estrutura organizacional do Estado -, que exige o acordo expresso de pelo menos 2/3 dos deputados, não mobilizar os seus próprios promotores e principais defensores, como é que irá mobilizar a vontade da oposição e do país?

Se a maioria não se entende em relação à sua própria proposta, como é que espera mobilizar os restantes actores políticos e a própria sociedade civil à volta da sua vontade?

Ulisses Correia e Silva já disse, lamentando-se, que não tem uma varinha mágica para resolver os problemas do país. E não tendo a varinha mágica, terá que ao menos contar com os seus pares na resolução dos problemas da nação, em que o seu segundo homem terá um papel preponderante.

O país não pode ser governado a duas vozes. Ninguém consegue obedecer a dois senhores ao mesmo tempo. O primeiro-ministro precisa resgatar o respeito e a lealdade do seu homem de confiança, sob pena de perder a confiança do país.

Afinal, isto de governar não é uma questão apenas de querer, é, antes, e sobretudo, uma questão de saber e poder!

A direcção,

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Redação