O parlamento cabo-verdiano reservou o dia 17 de dezembro para falar da situação social do país, a pedido da bancada do MpD.
Época natalícia, num país de matriz cristã como este, falar da vida das pessoas, das suas demandas, dos seus anseios e necessidades mais básicas, é algo que a sociedade no seu todo naturalmente sufraga e apoia, na medida em que o Natal simboliza a solidariedade, o amor ao próximo, a partilha.
De modo que, o país estaria certamente a contar com uma sessão parlamentar alegre, assertiva, solidária com a demanda social, com as famílias rurais vitimadas por 3 anos de seca severa, com os jovens desempregados, com as mães solteiras, com a delinquência juvenil, com a prostituição infantil, com a violência urbana, com o financiamento de atividades geradoras de rendimento, mas não, assistiu-se a uma sessão virulenta e cansativa, com os atores em presença se digladiando entre si, cada um debitando acusações sobre quem fez ou não fez, numa atitude bolorenta e dramática.
Não pode haver democracia sem responsabilização, sem a observância das obrigações sociais e coletivas a que as funções públicas estão vinculadas. Quem se presta a assumir cargos públicos, sobretudo os emanados de atos político-partidários, fica automaticamente atrelado a um conjunto de princípios éticos e sociais que vinculam o interesse coletivo, formatam a sanidade mental da nação e estabelecem as linhas de conduta comunitária.
O parlamento é o centro do poder em Cabo Verde, a casa do povo e das leis, a vanguarda da identidade política nacional. O país só estará bem se o parlamento estiver bem.
Em plena época natalícia, assistir a uma sessão parlamentar onde a violência verbal e a demagogia discursiva se fizeram presente do princípio ao fim, é frustrante, fere a autoestima coletiva e perturba a paz social.
No dia 17 de dezembro, os deputados nacionais obrigaram o país a assistir a uma sessão parlamentar maldita. Maldita nos atos, nas palavras e nas omissões.
Cabo Verde é um país solidário. Nos seus fundamentos e na sua história e formação enquanto nação. Pobre, mas solidário, ativo, altruísta e corajoso.
Nenhuma força, seja política ou não, terá algum dia a legitimidade de adulterar os fundamentos identitários deste país, deste povo, desta nação. O ataque à solidariedade social pública a que se assistiu no dia 17 de dezembro é inaceitável e deve ser esconjurado por todos os cabo-verdianos.
Na verdade, o governo do MpD e a bancada que o sustenta massacraram de forma abusiva a palavra assistencialismo, como se se tratasse de uma espécie de doença maligna, algo que deve ser amaldiçoado e banido do vocabulário e contexto nacional.
Ora, como é possível aceitar esta afronta do governo e da bancada que o sustenta, quando se sabe que em cada 100 cabo-verdianos, 35 são pobres; o desemprego jovem anda nos 28%; a taxa de desemprego é de 12,2%; no mundo rural 14,1% de mulheres estão no desemprego; 13% dos cabo-verdianos passam fome; cerca de 62 mil jovens não tem qualquer ocupação ou oportunidade para melhorar a sua vida e programar o seu futuro?
Como é que um país com este quadro social se dá ao luxo de considerar as ações públicas de socorro social, como sendo algo amaldiçoado? Então, abrir FAIMO para socorrer famílias rurais, vítimas da seca, é maldição? Garantir refeições quentes para crianças pobres nas escolas é maldição? Naturalizar e massificar formação profissional para que os jovens tenham uma ferramenta de competição no mundo laboral é maldição? Repor um teto de uma família carenciada é maldição?
Não se entende a motivação deste grupo. Porém, uma coisa é certa: o país não pode e nem deve ser tratado desta forma. O povo deve ser assistido, sim, nas suas afrontas e demandas da vida. Os recursos nacionais devem chegar a todos os cabo-verdianos. E aqui o assistencialismo ganha uma dimensão e estatuto de excelência, no quadro do fomento da qualidade de vida das pessoas, e, consequentemente, do desenvolvimento do país. O crescimento económico significa muito pouco, se a qualidade de vida das pessoas não melhorar.
Deixem, pois, o assistencialismo entrar na residência das pessoas, porque estas precisam de melhor casa, melhor alimento, melhor educação, melhor saúde, melhor qualidade de vida, melhor rendimento.
Falando de rendimento, consta que o governo terá ido buscar 10 milhões de dólares ao Banco Mundial para distribuir às famílias carências, até 2021, ano das eleições legislativas. Os cabo-verdianos certamente gostariam de saber como é que o governo classifica esta distribuição de dinheiro aos "coitados" desta terra, a que se deu o pomposo nome de Rendimento Social de Inclusão? Não sendo um rendimento que resulta de um trabalho e da produção de seja o que for, que nome o governo há de atribuir a esta ação pública? Afinal, quem tem medo do assistencialismo?...
A direção
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