Em que ficamos? O mundo rural está em agonia. Desta vez não é Santiago Magazine a dizer. São dos dados do INE que o dizem. Esta instituição da República certamente não faz política, e não estará, com o seu trabalho, a atacar os poderes públicos para atingir fins outros que não sejam a preservação do interesse público, no quadro das suas competências e atribuições institucionais e legais.
Virou moda atacar instituições públicas e privadas, onde se incluem os órgãos de comunicação social, de que estão a fazer política, ou que visam fins políticos, sempre que falam sobre as verdades da vida comunitária.
É uma forma brejeira, e até certo ponto irrefletida, que os poderes públicos encontraram para se esconder e se ilibar das suas responsabilidades na condução dos destinos do país e na conservação do interesse público nacional.
Cabo Verde tem uma população estimada de 537 mil 231 pessoas, das quais 32,4% vivem no meio rural. É uma população expressiva, requerendo uma atenção particular das autoridades públicas.
No entanto, dados do INE divulgados esta segunda-feira, dizem o contrário, mostrando com números que a situação social no meio rural está em degradação acentuada. As atividades do setor terciário – agricultura, pesca e criação de gado – estão em queda livre, registando uma diminuição de 4 mil 798 empregos em 2018. Esta diminuição é sobretudo no meio rural, por razões obvias – este setor emprega o maior número de pessoas no interior do país. De 44,5%, em 2017, desceu para 37,7%, em 2018.
Em todas as paragens a pobreza tem residência fixa no mundo rural. Quando Santiago Magazine escreveu uma editorial em que chamava a atenção do país para a situação de calamidade social em que vivem das famílias do mundo rural cabo-verdiano, ninguém ligou, ninguém disse nada. A chamada de atenção deste diário digital passou completamente à margem da agenda política nacional.
O parlamento, reunido, falou apenas de regionalização, a varinha mágica do momento, a plataforma onde disfarçadamente estão a ser colocados todos os problemas e os desafios do país.
É estranho, mas é verdade. Já não se fala de outra coisa em Cabo Verde. Todos os discursos oficiais se convergem num único sentido: regionalizar o país para resolver os problemas do país. Sem a regionalização, não haverá desenvolvimento. Os que estão contra, ou não querem o desenvolvimento das ilhas, ou não conseguem entender a dinâmica local, baseada no empoderamento das regiões. É isto aí.
Pode até ser que a regionalização seja de facto a varinha mágica que irá resolver os problemas das ilhas e dos municípios do arquipélago. Pode ser! Porém, onde estão as políticas públicas que irão provocar esta revolução nas ilhas e nos municípios. Onde estão?
O país está a enfrentar dois anos de mau ano agrícola. As pessoas, sobretudo as do interior das ilhas, vêm reclamando todos os dias da situação difícil por que passam. O governo assobia para o lado, produzindo discursos de ocasião sem qualquer conteúdo prático. Das potencialidades do mundo rural ninguém fala. O orçamento do Estado nada diz, porque só se preocupa com o programa de acessibilidades, conhecido por PRAA. Mais nada. E a produção agrícola, e a pecuária e a pesca?
O INE acaba de dizer o que os cabo-verdianos vêm reclamando todos dos dias. Falta emprego, falta pão, falta paz. E diz que os municípios mais afetados são Santa Cruz e São Salvador do Mundo. Estas informações só são novidades para quem esteja de facto alheio aos problemas dos municípios do país.
No caso concreto de Santa Cruz, como é que este concelho, que tem na agricultura, pesca e pecuária, a sua atividade económica principal, poderá não ter problemas de emprego, de rendimento e de qualidade de vida, se não existe uma política clara para este setor?
E como dar voltas a este facto.. como? Se mesmo a nível do emprego público, os fundos que o governo diz que vai dar – porque ainda não deu – ficaram abaixo dos que serão dados aos concelhos de São Miguel, Tarrafal e Ribeira Grande de Santiago. Mesmo sabendo que os dois primeiros têm metade da população de Santa Cruz e o da Ribeira Grande de Santiago nem chega a um terço deste. Em tempos de seca, é evidente que um dos concelhos que mais sofre em Cabo Verde é Santa Cruz. Por razões óbvias e que dispensam qualquer observação.
O mundo rural não tem coisas que podem ser vendidas. E não tendo empresas ou negócios que podem ser vendidos, é evidente que um governo liberal, voltado para o setor privado, cujas prioridades são as empresas, os empresários e o lucro, não terá tempo a perder com esta parcela do território nacional que só dá dores de cabeça.
Com efeito, o mundo rural precisa de investimentos avultados, na produção da água, no apetrechamento e investimento de pescas, no financiamento da agropecuária e no empoderamento dos camponeses. O mundo rural requer trabalho. Trabalho sério. Trabalho profundo.
Desenvolver o mundo rural dá trabalho. Por isso, é visto de esguelha. E é ignorado. Mesmo os autarcas, estes que estando mais próximos dos desafios, poderiam ter outra sensibilidade e fazer alguma coisa, estão, todavia, manietados pela política mercantilista do governo, apostados em trabalhar obras de fachada, para enganar os olhos e distrair as pessoas.
Investe-se em calcetamentos, em praças e pracetas, em pinturas de escadas e bancos públicos, mas não se investe na água, na agricultura, na pesca, nos criadores de gado.
Alguém consegue dizer o que faz o Ministério da Agricultura. Já agora, por onde anda o Hub do Agronegócio?
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