Mau ano agrícola em Santa Cruz. Menino que não chora não mama
Entrelinhas

Mau ano agrícola em Santa Cruz. Menino que não chora não mama

Num primeiro momento, o Governo colocou Santa Cruz fora do programa de emergência para mitigar os efeitos do mau ano agrícola em curso. Os munícipes reclamaram. O presidente da Câmara Municipal saiu em socorro dos seus munícipes, e o Governo deu o dito pelo não dito, autorizando um valor de 17 milhões, 244 mil, 723 escudos.

Já dizia o velho ditado que menino que não chora não mama. Santa Cruz fez bem em chorar, tendo neste momento conseguido um pedaço do bolo, embora correndo o risco de ficar com a língua inchada, porém, a boca não ficará vazia, de certeza.

Quem governa, deve governar com atenção nas necessidades dos governados. Chega a ser indigno levar um concelho inteiro ao clamor, para responder a um programa que antes de ser uma necessidade coletiva, é um direito das populações.  

Neste processo, após o apupo das populações locais, Santa Cruz vai receber menos 7 milhões, 782 mil, 995 escudos do que Tarrafal e 4 milhões, 99 mil, 417 escudos do que São Miguel. Em contrapartida, Santa Cruz tem o dobro da população destes dois concelhos.

Até Ribeira Grande de Santiago, com apenas um terço da população de Santa Cruz vai receber mais dinheiro que o celeiro de Cabo Verde.

Estamos a falar de um concelho onde vivem mais de 27 mil pessoas. Cerca de 70 por cento destas pessoas vivem da agricultura e criação do gado e demais atividades conexas, ou seja, mais de 18 mil pessoas.

Só na zona norte do concelho, a mais prejudicada com a falta de chuvas deste ano, vivem cerca de 10 mil, distribuídas em 12 povoados.

Esses povoados do norte são os mais distantes do centro administrativo e político do concelho, a cidade de Pedra Badejo, agravando ainda mais a situação.

A parte sul do concelho, onde se inclui a cidade de Pedra Badejo, a situação é um pouco melhor, sobretudo neste corredor que vem de São Domingos até Pedra Badejo.

Registe-se, no entanto, que a produção da parte sul não ultrapassa os 30 por cento da sua capacidade agrícola, ou seja, embora melhor, fica mesmo assim muito aquém daquilo que satisfaz as necessidades das pessoas.

Por sua vez, a parte norte, que se estende da cidade de Pedra Badejo até São Miguel, a produção agrícola é nula, tanto em produtos alimentícios quanto em pastos para animais e água para agricultura.

E nesta grande parcela do território municipal, as pessoas estão a passar por situações de privação extrema, com muitas famílias não conseguindo garantir três refeições por dia, jovens a abandonar os estudos por falta de meios para custear as despesas escolares e de transporte, carências ao nível das necessidades básicas, como acesso à saúde e aos medicamentos.

Por outro lado, a insuficiência de água, tanto para o consumo humano, quanto para a agricultura é gritante. E isto tudo num concelho onde a base da sua capacidade produtiva é a agricultura, tanto de sequeiro como de regadio – Santa Cruz é até hoje o maior produtor agrícola do país – os impactos de mau agrícola são maiores do que em qualquer outra parcela do território nacional.

É um concelho com estas caraterísticas e com estes desafios que o governo resolveu deixar fora do programa da mitigação do mau ano agrícola, sem apresentar qualquer razão plausível. 

Mas Santa Cruz já mostrou como é que se deve fazer. Chorar. Chorar sempre, que assim alguém há de abrir os cordões à bolsa. Mesmo que saiam apenas migalhas. Pa boka si si, dexa lingua intxadu, ensinou Nhu Lobu.

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