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Manifesto contra a Lei da Rolha e do Silêncio. Ou de como o surdo e o mudo naturalmente se comunicam!
Editorial

Manifesto contra a Lei da Rolha e do Silêncio. Ou de como o surdo e o mudo naturalmente se comunicam!

A natureza impôs aos cabo-verdianos várias barreiras. E estes, na sua santa sabedoria e humildade, têm sabido orientar-se em meio a obstáculos de todo o tipo, saindo vencedores sempre. De modo que, faz-se oportuno implorar ao Governo da República no sentido de não impedir que o povo ouça, veja e fale sobre a vida do seu país. Em Estados de Direito Democrático todas as boas “intenções públicas” estão – ou devem estar – vinculadas às leis. Os documentos alegadamente falsos emitidos pela Embaixada de Cabo Verde em Portugal, só o são porque estarão, conforme entidades com responsabilidades públicas na matéria, a violar algumas disposições legais ainda em vigor, nomeadamente a lei de registos e notariado e a lei da nacionalidade. É o que, em resumo, retrata a peça de Santiago Magazine.

A reportagem de Santiago Magazine sobre a emissão pela Embaixada de Cabo Verde em Portugal, de documentos de identificação e de viagens alegadamente falsos, provocou uma reação um tanto ou quanto virulenta da parte do Governo da República.

Afirma o Governo em nota publicada na sua página oficial no facebook que a referida reportagem “assenta exclusivamente no acesso indevido e ilegal a comunicações oficiais do Estado de Cabo Verde e sobre matéria que impunha algum dever de reserva”.

Mais adiante escreve ainda que “a peça publicada está eivada de má-fé e feita com a finalidade de veicular uma imagem de conflito institucional grave, desregulação e irresponsabilidade, o que se lamenta e igualmente se repudia muito vivamente, pois que devia ser uma preocupação de todos preservar o prestígio dos serviços públicos de Cabo Verde e de toda a documentação pública produzida”.

Do que acima fica registado, resulta pertinente reter pelo menos duas questões essenciais, para análise e tentativa de compreensão e enquadramento – sendo possível -, à luz dos ditames de uma sociedade democrática, livre e participativa.

Primeira questão. Para este governo, os negócios do Estado são de uso privado. Suportados com os recursos públicos, amassados com o suor de todos os cabo-verdianos, todavia estes não podem e nem devem participar dos mesmos, vedando-se-lhes o legitimo e legal direito a informar-se e a ser informado.

Assim, este órgão executivo do poder do Estado entende ser “indevido e ilegal ter acesso a comunicações oficiais do governo do Estado de Cabo Verde”, como se os documentos produzidos pela administração pública fossem confidenciais, de uso exclusivo, não podendo o país ter conhecimento dos mesmos, quando se sabe que as coisas não se processam assim. Por alguma razão bem nobre a estrutura que ocupa da organização administrativa, organizacional e processual da gestão do Estado leva o nome de Administração Pública.

Impondo aos cabo-verdianos e ao serviço público de comunicação social a lei da rolha, o governo quer espremer o pouco que ainda resta do perfil identitário deste país, que é a sua eternamente inegociável liberdade de ser e de estar. 

Segunda questão. Para o governo, trazer para o crivo popular informações sobre as ações e os negócios públicos, cuja gestão o povo lhe outorgara nas urnas, é “má-fé”. É evidente que aqui ressalta uma inglória tentativa pública de coagir a sociedade cabo-verdiana, ao mesmo tempo que passa a ideia de vitimização quando sugere tratar-se de uma “afronta” à imagem das instituições públicas e do próprio Estado, trazer para arena pública os atalhos processuais de certos negócios públicos.

Ora, é sabido que a administração pública é dirigida pelo Governo, e trabalha para a satisfação das necessidades coletivas. Sabe-se também que as entidades da sociedade civil, as empresas, as famílias, as pessoas, gozam do poder constitucional de participar de várias formas nesse processo, particularmente acedendo às informações que lhes permitem a todo o tempo averiguar e avaliar o funcionamento dos órgãos do poder.

Quando o Estado e os seus órgãos representativos tentam driblar os governados, decretando medidas de silenciamento coletivo, mesmo que seja em jeito de desabafo ou monólogo públicos, as estruturas políticas e administrativas ressentem-se, e o país reclama. Naturalmente!

A natureza impôs aos cabo-verdianos várias barreiras. E estes, na sua santa sabedoria e humildade, têm sabido orientar-se em meio a obstáculos de todo o tipo, saindo vencedores sempre. De modo que, faz-se oportuno implorar ao Governo da República no sentido de não impedir que o povo ouça, veja e fale sobre a vida do seu país. Em Estados de Direito Democrático todas as boas “intenções públicas” estão – ou devem estar – vinculadas às leis. Os documentos alegadamente falsos emitidos pela Embaixada de Cabo Verde em Portugal, só o são porque estarão, conforme entidades com responsabilidades públicas na matéria, a violar algumas disposições legais ainda em vigor, nomeadamente a lei de registos e notariado e a lei da nacionalidade. É o que, em resumo, retrata a peça de Santiago Magazine.

Abaixo a lei da rolha e do silêncio!

A Direção,

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