Na era do populismo e da demagogia, os governos actuais adoptaram como self defense um ataque feroz à imprensa independente, chamando tudo o que não lhes agrada de fake news. O Governo de Ulisses Correia e Silva seguiu esta corrente e vem hostilizando jornais privados, como Santiago Magazine, numa infeliz tentativa de desacretidar os órgãos e os seus jornalistas. Mas, afinal, quem está a mentir? Chegamos, pois, à pós-verdade.
Nota prévia: há, ou desde sempre houve, uma forma distinta de todas as outras de mentir, que é mais elaborada, mais calculada. É a chamada “mentira social”, definida como um dever. Ela transita-se de um nível quase pré-reflexivo para um outro em que a mentira é conscientemente deliberada, organizada, estruturada e planificada.
E aqui, os que buscam o poder não são os mesmos dos que buscam a verdade, pela simples razão de que a vida passa a ser encarada como simples extensão do próprio poder. Acaba, enfim, por adquirir um carácter vital, isto é, quanto maior for a pregação em nome de uma suposta felicidade política, mais intenso é o crescimento do poder vital. Donald Trump é expert nisto e ganhou as eleições presidenciais nos EUA.
O problema disto tudo é que tal maquiavelismo vai afectar esses fanáticos ideológicos ou esses minions (de alto a baixo) de interesses rasteiros que as congeminam como se fosse a verdade absoluta.
Em Cabo Verde, esta constante tentativa do Governo de sacudir a água do capote e justificar atropelos à livre democracia e a má gestão da coisa pública com a desculpa de fake news, também está a criar nos cabo-verdianos – os que são, é verdade - um certo ódio pela imprensa, mesmo sabendo que uma fake news, na verdade, nada mais é do que uma informação falsa passada ao público, mas com origem desconhecida.
Santiago Magazine, um jornal com alvará e accionistas apartidários, tem sido uma das vítimas dessa visão incendiária e hostilizada da imprensa que o sistema tenta transmitir aos mais incautos. Sempre que este diário digital publica algo que não abona a favor do sistema é vilipendiado pelo Governo, o partido que o sustenta e os fanáticos “iluminados”, como sendo um jornal da oposição que só publica fake news, inclusive com direitos de respostas que fazem manchete nos órgãos públicos e recurso às redes socias, simplesmente por denunciarmos – como nos compete e nos é requerido – acções que lesam o Estado. Isto sim é desinformação, que atrevemo-nos a chamar também de fake news. É o poder da mentira e/ou a mentira do poder.
Mas, mais caricato nisto é que quem tem estado a detonar os órgãos privados de comunicação social de publicar notícias falsas – o Governo - é o campeão de anúncios falsos e mentiras oficiais. Só para se ter uma ideia, só no que diz respeito à privatização da TACV, o Executivo de Ulisses Correia e Silva já disse mais mentiras do que todas as notícias falsas de que acusa a imprensa de ter publicado.
Quem não se lembra do caso dos manuais escolares em que a ministra da Educação foi ao Jornal da Noite da TCV, portanto em horário nobre, garantir que, com as correcções feitas pelos técnicos da casa, esses polémicos livros didáticos não seriam retirados do mercado, porquanto seriam comercializados com erratas e custariam menos ao Estado. Ora, no dia seguinte, o foi o primeiro-ministro a desmentir a fake new da ministra, assegurando que os manuais seriam retirados das prateleiras das livrarias. O que aconteceu então? Os manuais continuaram à venda durante todo o ano lectivo e só foram trocados no presente ano. Foi fake news do PM? Ou da Maritza Rosabal?
E a isenção de propinas logo no primeiro ano de mandato a todos os alunos do Ensino Básico? A máquina de propaganda do Governo é, de facto, formidável. Não admite que lhe sejam apontadas falhas, apenas os outros (leia-se, jornais independentes) é que falham, com interesses vários.
Ainda esta sexta-feira, o PCA da ASA veio afirmar que o Aeroporto Internacional Nelson Mandela – agora que recebeu as obras de extensão do terminal de passageiros – não é rentável, quando o primeiro-ministro o qualificou de extraordinária e o BAD, que o financiou (e, obviamente, avaliou a sua viabilidade), o considerou um dos melhores de África. Quem está a mentir aqui? Os jornais? Tire a sua conclusão, caro leitor.
O caso da Inforpress é ainda mais elucidativo: quando Abraão Vicente assumiu a pasta da Comunicação Social do actual Governo anunciou o encerramento daquela agência por não ser rentável, tendo inclusive nomeado um gestor único para, praticamente, liquidar o órgão. Entretanto, depois de criticado pela imprensa privada que acusou de estar a publicar fake news, resolveu depositar todas as suas crenças na Inforpress, porque sabe que aqui estará incólume. Abraão Vicente anunciou uma fake news, então?
Foi uma notícia falsa o anúncio, publicado em todos os jornais nacionais e até internarcionais, de que o país iria crescer 7% ao ano e já estamos a ano e meio do final de mandato e as projecções mais optimistas indicam para 4,5%? O que é que os jornais tiveram a ver com tal basófia? Foi ou não notícia a criação de 45 mil empregos neste mandato? E quem anunciou?
O então super-ministro da Economia, José Gonçalves, revelou que a CV Fast Ferry iria fechar as portas porque as dívidas eram avultadas e a manutenção da empresa estava insuportável. O vice-primeiro-ministro o desmentiu dois dias depois, afirmando que a Fast Ferry não era para encerrar. Agora, depois de conhecido o novo operador de transporte marítimo, a Transinsular, que nem sequer tem barco para esse fim, a CVFF ressurge como potencial locadora dos ferries que vão garantir a mobilidade inter-ilhas por via marítima. Quem mente a quem?
Certo dia o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, resolve informar ao país que acaba de firmar uma parceria com o Governo de Angola que permitia a professores cabo-verdianos trabalhar naquele país da CPLP. Poucos dias depois era desmintido pela ministra da Educação do Governo angolano. Quem é responsável por este Fake News do homem que responde pelas relações externas no poder executivo do Estado? Quem? O mesmo governante que um dia disse, alto e bom som, que havia conseguido isenção de vistos para Suiça para os cabo-verdianos, e quando confrontado pela sociedade, tentou desconversar sem prestar a devida explicação ao país sobre mais uma fake news governamental.
Em que ficamos, por exemplo, com a basofaria do Ulisses Correia e Silva em como anualmente colocaria 50 jovens de elevado potencial nas melhores universidades do mundo para formação em alta gestão?... Já caminha a passos largos para o término deste mandato e não se viu um único jovem que foi contemplado com esta promessa do PM e líder do MpD.
Enfim, a lista é extensa, pelo que prometemos elencar cada fake news do Governo, que vem acusando a imprensa de estar a publicar notícias falsas quando o tema não lhe agrada.
Sabe, leitor, Santiago Magazine continua a continuará a ser um órgão independente de comunicação social, sem um centavo de nenhum partido político, grupo económico ou associação com fins identificados. Aliás, vimos sobrevivendo à custa da paixão e dedicação dos profissionais que fazem deste diário digital um jornal que incomoda. Seja este ou aquele que estiver no poder.
Mas essa sanha toda, face às notícias publicadas, só acontece porque o sistema democrático em Cabo Verde não funciona. Porque, como não funciona a fiscalização, nem a regulação neste arquipélago, ninguém a nível dos titulares dos órgãos públicos é responsabilizado em nome da transparência na gestão da coisa pública. O que acaba por lhes dar mais força para, em vez de justificarem aos cabo-verdianos as suas imoralidades, apontarem espingardas a quem lhes põe em sentido: a imprensa, o único sector que vem combatendo o populismo que grassa aqui e ali.
A direcção,
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