Cabo Verde comemorou com pompa e circunstância o dia da democracia e da liberdade – 13 de Janeiro – assim designado por ter sido o dia em que se realizaram as primeiras eleições livres e democráticas no país.
Trata-se, evidentemente, de um dia importante para o país, hoje equiparado ao 5 de Julho, dia da Independência Nacional, por proposta do MpD, com direito a Sessão Solene na Assembleia da República, entre outras actividades políticas e recreativas, que se estendem aos municípios e arredores.
Democracia, liberdade, direitos e garantias dos cidadãos são temas caros no contexto político e económico mundial da actualidade. Sempre foram, mas com o desenvolvimento e a massificação das tecnologias de informação e comunicação estes assuntos têm ganhado cada dia mais responsabilidade e mais abrangência junto das pessoas e das suas organizações um pouco por todo o mundo.
Desde a Grécia antiga até aos nossos dias, a democracia tem assumido contornos vários, significados e significantes diferenciados, consoante os meios geográficos e sociopolíticos, sem nunca perder a sua essência natural, a sua matriz original – Governo do povo!
Com efeito, sendo Governo do povo, a democracia tem por missão ocupar-se particularmente da defesa e garantia da satisfação das necessidades populares, individuais e colectivas, tendo por base o bem-estar social e a qualidade de vida das pessoas.
Certa vez, um profissional de imprensa perguntou ao antigo presidente moçambicano, Samora Machel, se havia democracia em Moçambique. Era uma clara provocação. Porém, Samora, que era um indivíduo pragmático, respondeu-lhe com uma outra provocação mais ou menos nestes termos: “democracia é ter bom frango para comer, boa casa para morar, boa cama para se deitar, bom carro para conduzir. Acha que estas coisas existem em Moçambique?”
Certamente, este jornalista terá ficado um pouco surpreendido com a resposta de Samora Machel, mas o político moçambicano quis desmistificar as coisas, despir o manto diáfano da utopia para mostrar ao seu interlocutor a pesarosa nudez da realidade. No caso, a realidade moçambicana naquela época e naquele contexto específico.
E aqui em Cabo Verde, há democracia? A resposta é obviamente sim! Temos eleições livres e democráticas, a separação do poder entre os órgãos do poder político é uma realidade, e a estabilidade política constitui um dos maiores recursos estratégicos, num país arquipelágico, sem recursos naturais e sem mercado.
Este é, todavia, o tal manto diáfano da utopia, do nosso sonho!
Porque, na verdade, o que nos responde a pesarosa nudez da realidade? Aquela que o povo vive, enfrenta no seu quotidiano, na esteira da definição do político moçambicano?
A leitura dos factos que entre nós acontecem dá conta que a democracia cabo-verdiana está longe de garantir a satisfação colectiva, nos seus diferentes níveis e demandas. Cabo Verde é um país desigual. Na distribuição de recursos públicos e no acesso aos serviços públicos como a justiça, a saúde, a educação e a segurança, que são as funções básicas de qualquer Estado que se afirma democrático.
Cabo Verde é um país com problemas de desigualdades regionais acentuados e sem solução à vista, sobretudo no que concerne à descentralização e desconcentração do poder, assuntos caros ao processo de desenvolvimento das ilhas e que têm sido encarados com algum amadorismo pelos diferentes governos instituídos desde a independência.
As contas públicas mostram um país onde um político ganha em média (incluindo todas as regalias e subsídios), cerca de 20 salários mínimos. Isto, por si só, espelha a acentuada desigualdade social existente entre nós. Por exemplo, aqui apenas um pneu de uma viatura de um político chega a custar 2 salários mínimos. A desigualdade social é, pois, neste contexto e dimensão, cada dia mais acentuada.
Estamos a falar de um país onde a taxa de desemprego jovem é de 42 por cento. Uma taxa, diga-se, proibitiva, pois estes jovens vivem manietados por uma realidade que os sufoca, amputando os seus sonhos e projectos mais legitimos. Um país em que 43,3 por cento de mulheres vivem no desemprego. Um país onde a taxa de incidência da pobreza é de 26,6 por cento. Ou seja, em cada 100 cabo-verdiano, 26 é pobre.
Estamos a falar de um país onde a degradação das habitações familiares, sobretudo no mundo rural, é uma autêntica calamidade social, atingido mais de 35 por cento das famílias.
São realidades que ferem o autoestima da nação e agravam a paz social e colectiva das comunidades.
É este o país que temos. Um país clamando por mais justiça e paz social. Um país clamando para o cumprimento dos direitos e garantias dos cidadãos. Um país desigual, mergulhado no sono profundo de uma democracia utópica, porque debruçada sobre si mesma, alheia á realidade e ao quotidiano das pessoas. Cabo Verde é um país democrático? A resposta fica sob a responsabilidade do leitor.
A direcção
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