Abertura do ano judicial e o direito à indignação
Editorial

Abertura do ano judicial e o direito à indignação

A liberdade de expressão é um direito constitucional. Em Estados ditos de Direito, a vida comunitária seria inapta e inconsequente se as democracias e o poder do povo se limitassem apenas, e somente, ao direito de escolher livremente os titulares de cargos políticos por meio do voto secreto, universal e pessoal.

As democracias se afirmam, sim, e sobretudo, pela oportunidade que conferem ao povo e às instituições da sociedade de fiscalizar livremente as acções dos titulares de cargos políticos e dos demais órgãos do poder do Estado. É este poder e a oportunidade de fiscalizar, de se expressar, de sugerir e se indignar, é que fundamentam as democracias e abrem trilhos para a participação efetiva e ratificada de todos na vida comunitária e na defesa do bem comum.

Nenhuma entidade política, ou órgão do poder do Estado, pode dar-se ao luxo de tentar por em causa esses direitos. Num Estado dito de Direito ninguém está acima da lei.

Cabo Verde assistiu ao ato oficial de abertura do ano judicial, esta sexta-feira, 8 de novembro. Como sempre, muitos discursos. Conversas! Nada mais que conversas. Jogos de palavras, vitimizações, desculpas esfarrapadas e tentativas veladas de intimidação social. A morosidade, o laxismo, a corrupção e as incompetências que a sociedade cabo-verdiana diz que grassam no setor da justiça serão sempre atributos dos outros, da sociedade … enfim, uma enxurrada de elocuções opacas para uma plateia de imbecis. Porque o povo, este, já está cansado e nem quer saber… todos os anos a mesma coisa…

Mas, meus senhores, podem falar à vontade, podem acusar o país inteiro de ingratidão por supostamente não estar a reconhecer o vosso esforço e tudo o mais, podem até continuar a condicionar ao povo o legítimo direito à justiça, mas não afrontem esta nação com intimidações e tentativas de silenciamento. O direito à indignação nasce com as pessoas. Poupem-nas desta afronta!

O mais alto Magistrado da Nação, Jorge Carlos Fonseca, no seu já conhecido truque de meias palavras, tentou intimidar os cabo-verdianos em relação às críticas sobre o funcionamento das instituições judiciais, sugerindo haver indícios de populismo nas abordagens críticas que a sociedade cabo-verdiana vem fazendo em relação ao setor da justiça, ao mesmo tempo que lança farpas sobre os órgãos de comunicação social e as redes sociais que normalmente dão guarida e seguimento a esses gritos sociais.

Este homem, que é professor universitário, finge não perceber que o cabo-verdiano é um povo resiliente e corajoso. Um povo que enfrentou a ditadura do poder colonial e as sanhas do partido único, com dignidade e sentido de missão. Um povo que teve a habilidade e a sabedoria de fazer de um país pobre, minúsculo, arquipelágico, desprovido de recursos naturais, um Estado viável, confiante e bem-afortunado. Um povo que trabalha de sol a sol, no país e pelo mundo fora, para honrar a pátria que lhe outorga o nome e a identidade.

Pois bem, o Senhor Presidente da República ainda não se apercebeu - ou anda a fingir – que um povo com este perfil não se assusta com qualquer coisa, ou com coisa qualquer. Se é que se assusta com coisa alguma!

Esteja, pois, ciente, Senhor Presidente da República, que as críticas sobre o funcionamento do setor judicial vão continuar até o dia em que as instituições democráticas entenderem que Cabo Verde não é uma república dos “Juízes”, como certo dia afirmara o advogado Amadeu Oliveira, ou dos “Procuradores”, acrescentaremos aqui, mas sim um país de todos os cabo-verdianos, uma nação que ganhou o direito à indignação há mais de 500 anos, ou seja, logo no momento em que o primeiro homem pisou este solo.

A direção,

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