O Coronavírus furou as nossas barreiras e entrou no país, pela ilha mais turística e de cuja economia Cabo Verde depende muito. As ilações deste "frango" no controlo das nossas balizas estão a ser tiradas por todos aqui e ali, mas falta ainda aprender a lição. E isto é o mais importante e é disto que precisamos conversar agora.
O Governo agiu bem, e de forma consideralmente aceitável quando decidiu tapar as fronteiras proibindo voos de países com centenas e milhares de casos confirmados de Covid-19. E está a agir em conformidade e com sentido de responsabilidade elevado no sentido de manter a segurança e tranquilidade da população, com as medidas de contingência adoptadas.
O que preocupa neste momento não é se foi cedo ou tarde o plano de contingência e o enrijecimento da conduta e comportamentos sociais a que estamos habituados, mas sim se tais medidas implementadas estão ou vão ser respeitadas pela população cabo-verdiana, bem ligeira, sabêmo-la, em obedecer aos conselhos, avisos e alertas vindos das autoridades do Estado - ainda que a vida das pessoas esteja em risco.
A Itália, infelizmente, está a pagar caro por causa do desleixo inicial da sua população, que em vez de optar por ficar em casa como foi recomendado logo no início, preferiu abandonar as cidades e ir para o campo (alastrando a propagação da epidemia) ou, como muitos fizeram, simplesmente ignoraram as directrizes. Donald Trump menosprezou o Covid-19 e os EUA já são o terceiro país mais afectado; Boris Jonhson deixou os britânicos circular livremente porque não acreditou no que estaria por chegar e viu-se agora obrigado a tomar medidas drásticas para tentar evitar mal ainda maior.
Pois bem, em Cabo Verde, ainda que com um único caso confirmado, não foi por falta de avisos e recomendações que o país se permitiu infiltrar por essa doença pandémica que mantém o mundo inteiro paralizado e antevendo um cenário apocalíptico. Terá sido, quando muito, um claro caso de escassez de zelo, ou, como se diz por cá, o 'jeitinho cabo-verdiano' em "facilitar" a este ou aquele convencido como sempre de que essas coisas "só acontecem aos outros".
Ora, aí está. Temos um turista hospedeiro do coronavírus, que chegou ao país desde o dia 9 de Março, tendo talvez deambulado pela cidade de Sal-Rei, convivido com dezenas de pessoas e cruzado, é certo, com dezenas de funcionários do Hotel Riu Karamboa, onde se encontrava hospedado, até que no dia 16, uma semana depois, se sentir mal e, por fim, acusar positivo aos testes de Covid-19.
Decerto, alguém que conhece alguém que cumprimentou alguém que tocou em alguém que passou pelo Riu Karamboa terá viajado para outras ilhas nesse intervalo de tempo, o que poderá complicar o problema, acrescido, obviamente, dos nossos parcos recursos financeiros, humanos, técnicos e infra-estruturais para peitear uma enfermidade de tamanha envergadura. Em 4033 km2 de terra ocupados por 560 mil almas, todo o mundo se conhece. Portanto, o perigo de contágio é de elevado grau, porquanto vivemos num país curto, familiar, informal no comércio, nas relações, enfim, na vida.
Hoje em dia, com as redes sociais a funcionar como parlamento online e a querer desvirtuar verdades científicas, contaminando as mentes com fake news e fazendo da ignorância uma disciplina de faculdade, o perigo transcende. Torna as pessoas irresponsáveis e inconsequentes com a informação que divulgam, causando nas suas vítimas pânico e um deus nos acuda.
Ou seja, a falta de consciência cívica, seja por maldade, seja por ignorância, é a maior ameaça nestes dias difíceis de grande inquietação e de opaco futuro. É vero que renasceu em nós o espírito solidário, é verdade que somos fortes e unidos em periodos mais negros, mas só isso não chega. O Governo encontra-se numa fase anómala que lhe é alheia, mas se afrouxar - nisto que se nos afigura um berbicacho - terá de inevitavelmente declarar num futuro breve estado de emergência.
Esta é, pois, a lição número 1 a tirar deste caso: não dá para facilitar nesta hora. Rigor, disciplina e comprometimento. O problema é sério, gigantesco e universal ou, como disse o primeiro-ministro, "uma guerra". E numa guerra não-convencional como esta - sem rosto, sem forma, inodor e silenciosa do adversário - o melhor a fazer é esconder e precaver-se, que é como quem diz, ficar em casa, tomar todas as precauções recomendadas e deixar as autoridades de saúde fazer o seu trabalho. Nunca baixar a guarda.
O Governo já fez a parte lhe cabia inicialmente, porém, vê-se agora num contra-relógio a correr atrás do prejuízo. E não será fácil, na medida em que as medidas que adoptou dão mostras de carências na sua executabilidade: ficar em casa depende de comida e nem toda a gente tem; lavar as mãos necessita de água, as torneiras nem gotijam em muitos lugares. Detalhes nossos que, sem alarmes, amedrontam.
Em momentos tenebrosos como este é que se despontam líderes, grandes líderes. O país precisa deles agora mais do que nunca. Para nos acalmar, nos confortar, nos garantir que tudo ficará bem.
Acredito que sim, mas são várias as ameaças e muitos "amigos secretos" do Coronavírus, todas, porém, corrigíveis e solucionáveis. A começar por cada um, de modo que enquanto o Covid-19 estiver por aí a circular sem controlo, sem vacina e sem prazo de expiração estamos todos intimados a colaborar. Porque a ameaça é real. E a vitória depende somente da nossa conduta e responsabilidade cívica.
A direcção,
Comentários