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Uma abordagem crítica do romance A ÚLTIMA LUA DE HOMEM GRANDE, de Mário Lúcio Sousa - Parte IV
Cultura

Uma abordagem crítica do romance A ÚLTIMA LUA DE HOMEM GRANDE, de Mário Lúcio Sousa - Parte IV

As pistas lavradas no livro ora em apresentação deixam poucas dúvidas, se pudermos descodificar as mensagens enviadas de Lisboa e Bissau aos conspiradores, depois emboscados na trágica noite de Conacri: “Não matem o Amílcar, por amor de Deus!” e “Luz verde à não luz vermelha!”. Facto é que pagou com a vida a circunstância de não querer deixar-se amarrar para ser exibido em Bissau e Lisboa como alegado terrorista acossado, capturado e vilipendiado , como em tempos passados acontecera com o Imperador de Gaza, Ngungunhane, e ademais se recusar a calar a boca, como irritado e fora de si quisera o famigerado, descontrolado e odioso Inocêncio Cani.

QUARTA PARTE

VI

NOTAS FINAIS E (IN)CONCLUSIVAS  

1. Como já dito e referido por várias vezes, (quase) todo o enredo do romance A Última Lua de Homem Grande, de Mário Lúcio Sousa, impressiona pelo seu elevado conseguimento técnico-literário, sendo ademais  altamente verosímil por se fundar em documentos e ensaios históricos bem fundamentados, com destaque para os supra-referenciado livros de Julião Soares e Sousa e António Tomás, e para Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?, de José Pedro Castanheira, para além dos oficialmente canónicos Amílcar Cabral-Ensaio de Biografia Política, de Mário Pinto de Andrade, Crónicas da Libertação, de Luís Cabral, e Uma Luta, Um Partido, Dois Países-O Meu Depoimento, de Aristides Pereira, sem mencionar os livros traduzidos para o português ou originalmente escritos em português de Oleg Ignatiev, Pedro Martins, Oscar Oramas, Leopoldo Amado, Ângela Coutinho, bem como das cativantes obras Cartas de Amílcar Cabral para Maria Helena e Postais de Amílcar Cabral para Ana Maria, ambas organizadas e publicadas pela editora Rosa de Porcelana.

A este propósito, escreve o romancista Mário Lúcio Sousa: “um romance não é um livro de histórias. Para além das convenções maiúsculas e minúsculas, no Livro de História, Verdade é tudo aquilo que o historiador consegue provar; no romance Verdade é tudo aquilo a que o escritor teve acesso. Neste livro, os factos, as datas, os nomes, as lembranças, os acontecimentos e seus conteúdos, estão todos documentados, aconteceram e existiram bem antes desta escrita, ainda que alguns deles tenham sido comprovados na origem.. A intervenção do autor foi harmonizar tudo, tornando de ordem literária os factos. Talvez seja esse o papel da literatura, inverter os papéis.”

2. Sendo certo que o romancista histórico Mário Lúcio Sousa foi e é um leitor atento,  previdente e providencial das obras lavradas pelo punho de Amílcar Cabral, ele prescinde todavia de incursões à obra teórica do grande líder e estratega africano, aliás, de grande actualidade e imensos teores inovador e renovador no âmbito do pensamento marxista e das ideologias progressistas no que respeita às questões e às problemáticas da dignidade da pessoa humana, da cultura, da liberdade dos processos históricos, do suicídio de classe da pequena-burguesia intelectual e burocrática assalariada (isto é, da classe de serviços que dirige a luta pela independência e herda o aparelho burocrático-administrativo colonial, colocando-se assim ante um quase inultrapassável dilema, qual seja o de deixar expandir a sua natural propensão para se transformar numa classe burguesa nativa compradora e burocrática pseudo-nacional(ista) ou ressuscitar como trabalhador intelectual identificado com os interesses das classes trabalhadoras e laboriosas dos campos e das cidades), da questão da moral e da ética do trabalho no desenlace dos processos de radical transformação da sociedade, do homem novo impregnado de uma mentalidade patriótica e progressista e de uma cultura nacional, popular, científica, humanista e universal, do significado e da relevância história do princípio da unidade Guiné-Cabo Verde e da unidade africana no período colonial e no período pós-colonial e, especialmente, no que se refere à explicação do processo histórico caboverdiano (um processo especial, no quadro africano, segundo as próprias palavras de Amílcar Cabral) e da correlativa crioulidade , enquanto resultado dinâmico da mestiçagem afro-europeia nascida nas nossas ilhas, segundo os profícuos, produtivos e, por vezes, divergentes estudos empreendidos por Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, João Lopes, Baltasar Lopes da Silva, Jaime de Figueiredo, Arnaldo França, Nuno Miranda, Manuel Duarte, Henrique Teixeira de Sousa, Gabriel Mariano, Manuel Ferreira, Dulce Almada Duarte, Maria Luísa Ferro Ribeiro, Pedro de Sousa Lobo, Amílcar Cabral, João Lopes Filho, bastas vezes sufragados por Amílcar Cabral, mas emprestando-lhes outras, novas feições no quadro da sua pugna pela reafricanização dos espíritos com o fito da obtenção da catarse cultural-identitária  para o des-atrelamento da carruagem arquipelágica caboverdiana da locomotiva e do comboio da história colonial portuguesa com vista a lograr a liberdade do processo histórico das suas forças produtivas e para o encetamento dos caminhos ascendentes da sua cultura com o pró-activo concurso de todas as suas matrizes, dimensões e vertentes afro-crioulas, euro-crioulas e outras que porventura houver, como, por exemplo, se vem verificando com os vários géneros musicais caboverdianos e das suas novas correlações rítmicas de fusão e feição jazzística . Por outro lado, persistem as divergências sobre essas mesmas problemáticas no seio dos estudiosos neo-claridosos de serôdio e patente pendor luso-tropicalista e de autores das novas gerações pós-coloniais, como Timóteo Tio Tiofe, Onésimo Silveira, Cláudio Furtado, David Hopffer Almada, Manuel Veiga, António Leão Correia e Silva, Gabriel Fernandes,José Carlos Gomes dos Anjos, José Luís Hopffer Almada, Leão Lopes, Moacyr Rodrigues, Eurídice Monteiro e o próprio Mário Lúcio Sousa, autor de um muito recente, interessante e  instigante Manifesto a Crioulidade. 

3. Chegados aqui, apetece perguntar: será que Mário Lúcio Sousa se tornou no mais recente medium de Amílcar Cabral, ele que, em vida, ia aparecendo ao povo das ilhas e diásporas nas mais diversas formas humanas, desde o pastor de almas ao pastor das áridas achadas das ilhas, e, mesmo depois de morto, foi convocado e compareceu perante afro-descendentes em Massamá e em vários centros do racionalismo cristão, de que se tornou frequentador assíduo e estimado, para além de solícito e solicitado conselheiro, todavia deixando nas brumas incógnitas da primeira língua africana, da qual restam somente dois idosos e doentes falantes, ou remetendo para o futuro a vir em doze mil anos a revelação da identidade de todos os seus matantes, assassinantes e respectivos mandantes.

Será A Última Lua de Homem Grande a almejada revelação final dos meandros e dos bastidores nos quais se movimentaram os mandantes, autores intelectuais, autores mediatos e instigadores dos para sempre amaldiçoados Inocêncio Cani, Mamadu Indjai, Bacar Cani e respectivos cúmplices, já  bastamente nomeados em outros livros e (in)tempestivamente fuzilados e calados para todo o sempre?

As pistas lavradas no livro ora em apresentação deixam poucas dúvidas, se pudermos descodificar as mensagens enviadas de Lisboa e Bissau aos conspiradores, depois emboscados na trágica noite de Conacri: “Não matem o Amílcar, por amor de Deus!” e “Luz verde à não luz vermelha!”. Facto é que pagou com a vida a circunstância de não querer deixar-se amarrar para ser exibido em Bissau e Lisboa como alegado terrorista acossado, capturado e vilipendiado , como em tempos passados acontecera com o Imperador de Gaza, Ngungunhane, e ademais se recusar a calar a boca, como irritado e fora de si quisera o famigerado, descontrolado e odioso Inocêncio Cani.

4. Inserindo vários monólogos de Amílcar Cabral consigo próprio, vazados e lavrados em modo diarístico na sua depois desaparecida, ou, melhor, surripiada agenda azul, o romance A Última Lua de Homem Grande pretende ser ser uma espécie de reconstituição póstuma dessa mesma agenda azul e de eventos marcantes da vida e da obra de Amílcar Cabral, esse Morto Imortal, cujos dilemas, paradoxos, ambivalências e notável coerência do ser e do estar são traçados à saciedade nesse deslumbrante e cativante, mas também trágico perfil social e psicológico de Amílcar Cabral que é o romance A Última Lua de Homem Grande, doravante um marco fundamental do percurso literário de sucesso de Mário Lúcio Sousa que vem, aliás, marcando com um verbo muito próprio e luzente as letras caboverdianas contemporâneas, tornando-se assim por mérito próprio um dos maiores, mais criativos, imaginativos e produtivos escritores (enquanto romancista, dramaturgo e igualmente poeta em língua portuguesa) da geração literária que tenho a honra de integrar, aditando-se-lhe ainda os qualificativos de músico-compositor e letrista em língua caboverdiana de grande nomeada, amante e praticante das artes plásticas e pensador-ensaísta da identidade crioula caboverdiana, na senda de tantos Grandes das nossas ilhas e diásporas que nos precederam, com destaque para Amílcar Cabral, o Maior dos Nossos Mortos Imortais ou, como diria o outro não necessariamente cabralista (Carlos Veiga num dos Simpósios Amílcar Cabral), O Mais Grande dos Grandes do Povo das Nossas Ilhas e Diásporas.  

Monte Abraão-Queluz, 17 de Maio/18, 19, 20, 21 e 22 de Agosto/12, 19, 22, 23 e 24 de Setembro de 2022

Nota do autor: Constitui o presente ensaio uma versão muito desenvolvida do meu texto de apresentação do livro A Última Lua de Homem Grande, de Mário Lúcio Sousa, lida  no dia 17 de Maio de 2022 perante uma sala totalmente lotada do Centro Cultural Cabo Verde (Rua de São Bento, Lisboa), coordenado por José Silva e gerido por Ângela Barbosa, tendo a mesa de apresentação do livro sido constituída, segundo a ordem de apresentação, por Maria do Rosário Pedreira (editora), José Luís Hopffer Almada (poeta e ensaísta), Clara Seabra (professora liceal aposentada), Julião Soares Sousa (historiador), Mário Lúcio Sousa (autor)

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1. POEMA KABRAL KA MORE!

(VERSÃO ESCRITA/TRANSCRITA

SEGUNDO O ALUPEC)

 

Na libri’l noti mistériu d’Áfrika

na mê di floresta

lumi di oru faiska strela

fumu di prata subi d’insensu

fitiseru labanta tan

 

Na si odju, si rostu

éra un kusa galanti di konta

más na si mo si mo ndreta

sustedu ku sustentu d'ódiu-l bingansa

staba un lansa rixu di feru pretu

ponta d'asu, oru finu-l marfin

na si boita staba buitus

di tudu fantasma ta badja

 

Ti kantu luminar paga

nton na matu obidu un djátu,

 

Kabral ka more!

 

Lânsia na matu nobidadi-l bu nomi

lânsia na mar lágua burmedju-l bu sangi

lânsia na séu strela nos lus

 

2

 

Arvi, kutelu, planta, tudu treme

na seti kredu, seti banda`l mundu

stribilin kunsa inda simé

ben ratxa txon na pé di krus

Txoru, sufrimentu, suparason,

ozénsia,

 

à! distánsia!

 

Ma korneta dja pupa

dja pupa sangi`l bingansa

ki kudi na monti, na len, na kobon,

pa tudu banda:

 

À! Kabral!...

 

Konbersu d'óra e bo na boka

alebu firmi na kada noris,

nton bu sta bibu:

 

Kabral ka more!

 

Kabral é noti!

Kabral é konsénsia!

Kabral é bandera!

Kabral é liberdadi!

 

Djasi e noti`l sonu ki áta korda

na susegu turbulénsia d´Áfrika

pa pusentu d'aima sima nha sonhu

na labada libri ta kore agu.....

 

   

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