Caros leitores, quero aqui expressar a alegria que sinto em voltar ao vosso convívio e brindar-vos «outre fois» com as minhas semanais mentiras bem contadas. Pois, quando elas são bem contadas valem mais do que mil verdades. Dizia assim, num poema meu. E quero preparar-vos para a surpresa aqui ancorada.
Há quatro semanas atrás, vinham lendo uma séria de publicações intitulada PAULITO e já iam na 14ª Parte. Por óbvias razões não podia satisfazer-vos durante esse lapso de tempo. Ora, resolvi, doravante, publicar o texto integral de um argumento para uma Telenovela que escrevi há quase uma década de anos e que já vai em quase 200 capítulos. PAULITO é uma das personagens e, também, é o título de uma das minhas cento e tal peças dramáticas, escrita em 1988. Todavia, optei por publicar os capítulos consequentes, sob o título STRIBILIN (Extravagância, esquisitice ou excentricidade) que é o título da tal Telenovela.
Nesta publicação retrocedi um pouco e voltei a publicar novamente a parte 12ª, embora com conteúdos diferentes. Na última parte publicada, Nhu Seis havia morrido com uma rajada de metralhadora dentro de um carro de Polícia. Entretanto, ei-lo de novo em mais uma das suas peripécias, desta feita no município suequiano, vivendo a burguês, deputado ou militante de algum Partido com assento no Parlamento, sem olhar para o lado, comendo e bebendo à custa do Povo dotado de uma memória programada para esquecer e perdoar tudo depois de 4 anos.
STRIBILIN (continuação – 12ª Parte)
LVIII CENA
NARRADOR – Nhu Seis voltou de Santo Antão, de onde era conhecido pelo nome de Alex, filho de pais cabo-verdianos, nascido nos Estados Unidos da América. Refugiara-se ali, depois de, sob o pseudo-nome de António e suposto emigrante na Holanda, ter vendido um carro, ainda na Alfândega, ao Totinho, um suposto amigo e emigrante em França, pela módica quantia 300 contos, numa altura em que um trabalhador recebia 40$00 por um dia de árduo trabalho. Havia antes, com a máscara de Duco e emigrante em Portugal, extorquido quase 25 contos à Palmira, como sendo para pagar os despachos nas Alfândegas pelas encomendas que lhe trouxera de Lisboa, que o Marido Dos Santos lhe mandara. E como professor do Ciclo Preparatório em Achada Salineiro, já com o nome de Domingos, terá pregado calote à Sabina, hospedando-se em sua casa com tudo incluído. Igualmente, burlou Nhu Cândido, vizinho e amigo da Sabina, tendo-lhe passado um cheque careca no valor de 50 contos. Desta feita, estabelece-se em Pedra Badejo, no concelho de Santa Cruz, na localidade de Achada Fátima. Aí ninguém o conhecia, muito menos o histórico do seu passado. Pacato e reservado por demais, evita a todo o custo, de forma subtil e menos negligente, frequentar lugares movimentados ou do tipo cosmopolita. Neste Município suequiano, um dos dois Tambarinas sobrevivos do eletivo ano de 2016, Nhu Seis é conhecido por mais um de entre vários heterónimos que possui. Denxo Barba é mais um que ele usa nesta freguesia de Nhu Santiago Maior. Veste bem, faz altas paródias e vive num apartamento luxuoso e muito bem aconchegado, que arrendou no primeiro andar do edifício onde funciona a discoteca Sonho de Ontem, propriedade do senhor Pedrinho e da D. Manuela. Recebia constantes visitas das impudicas mocinhas que, num incessante vem uma e vai outra, quase que o assediavam «tout-court». Ele não frequentava o bar nem a pista de dança do famoso Sonho de Ontem, temendo ser reconhecido e desnudado a sua peripécia. Certo dia, foi conquistado e consumido pelo enfeitiçante olhar da empregada, que, mesmo no dia de sua folga semanal, foi ali faxinando. A sós, sentaram-se a uma mesa e degustaram uma lagosta regada com uma geladinha bebida espirituosa, ou seja, um bom vinho verde. Entretanto, eis que o espaço é invadido e o momento intoxicado pelo jovem Pedrinho de Nha Joana que, a uns escassos centímetros, ocupa uma mesa a um canto do bar, abordando, (ou importunado?) o famoso Nhu Seis, ali, Denxo barba. Dada a impertinência do recém-chegado, a Empregada sentiu-se obrigada a ir tafulhar atrás do balcão, com vontade de mandar Pedrinho para aquele «kau». Nhu Seis e Pedrinho entabularam conversas, acabando porém, a ocupar a mesma mesa.
PEDRINHO (sorvendo num cálice de grogue) – Denxo Barba, vejo que tu tens muitas namoradas, que és «nhaku» em «grampar» as damas. (Nu Seis faz um sorriso manhoso) Eu estou apaixonado pela Maria de Nhaxunda, lá de Caiumbra, mas não sei como lhe dizer.
DENXO – É muito fácil, rapaz. É abrir a boca e falar com ela.
PEDRINHO – Abrir a boca é fácil, mas falar!… Como tu tens muitas namoradas… ensina-me duas coisas para lhe dizer.
DENXO – Quando passares por ela, ou ela passar por ti, enche de coragem e diz-lhe, ou melhor, faz-lhe «psiu». Se ela olhar para ti, não percas a oportunidade. Diz-lhe logo: «Deixa-me dizer-te duas coisas».
PEDRINHO – E quais são as coisas que lhe devo dizer?
DENXO – Coisas simples. Por exemplo: «Para parada como um relógio, arredonda como um botão, regista-te como uma garrafa e deixa-me dizer-te três coisas: uma para ti, outra para mim e outra ainda para a mamã e o papá irem repartir ao meio».
PEDRINHO – E se ela não gostar e me ofender?
DENXO – Finges que não ouves e vais-lhe dizendo: «Eu gosto de ti como o macaco gosta de banana e gosta de estar nas rochas. Gosto de ti como “kokó rokadu”, pior do que malagueta nos olhos ou comichão no corpo». Se ela continuar a ofender-te, pergunta-lhe: «Mas por quê, Maria de Nhaxunda? Que mal tem se namorares comigo?»
PEDRINHO – Por acaso… não terá mal nenhum. Eu não sou casado nem embaraçado, nem em mãos certas ainda estou.
DENXO – É isso! É assim que deves dizer-lhe e com firmeza.
PEDRINHO – Digo-lhe que sou solteiro de corda rodilhada, e que estou no mundo pelo desaforo.
DENXO – Afinal o Pedrinho sabe-a toda!
PEDRINHO – Só que quando estou em frente dela sinto vergonha de dizer. Sozinho digo tudo. Mas diante dela fico a gaguejar e não consigo dizer nada.
DENXO – Tens é que ter coragem.
PEDRINHO – Isto é que é complicado.
DENXO – Não é nada complicado. Fixas os teus olhos nos dela e dizes: “Se tu soubesses o que é que eu estou a sentir dentro de mim, sei que paravas, calavas e escutavas-me”. Mas, mantenha-te firme e dizes-lhe tudo o que tu sentes por dentro.
PEDRINHO – Para eu lhe dizer tudo o que tenho dentro de mim?
DENXO – Tudo. Mesmo que ela te ofenda, não desistas. Diga-lhe que tens coisas saborosas… coisas doces para lhe dizer.
PEDRINHO – Uhau! Denxo… rapaz! Se eu lhe disser essas coisas todas, de certeza ela não resistirá e vai-me aceitar.
DENXO – Se lhe disseres tudo o que tens dentro ti… aquelas coisas lindas… doces, tenho a certeza de que ela irá aceitar, sim.
PEDRINHO (mostra-lhe o relógio de pulso) – Barba, veja e diz-me que horas são.
DENXO – Tu andas com relógio no pulso e não sabes as horas, Pedrinho?
PEDRINHO – Ainda não sei mas vou aprender. Estou matriculado na Alfabetização para me ensinarem ler e escrever. Quando eu era criança a minha mãe mandava-me a escola, eu ia jogar a bola!
DENXO – Estás a ver?! Muita falta te faz agora! Faltam dez para as quatro.
PEDRINHO – Para as quatro horas, já?! Rapaz… então deixa-me ir, porque ainda vou a “Bandan” pastar as vacas e regar ervas ao Fifi Sulco.
DENXO – Aproveita, então. E não te esqueças de nada que te ensinei.
PEDRINHO – Esquecer?! Nem pensar.
DENXO – Vai com Deus no comando que Ele não te deixe dar muitas zigue-zagues.
LIX CENA
Pedrinho de pé com as mãos nas ancas, vê Xereta a aproximar-se com um balaio cheio de bostas de vaca em cima da cabeça.
PEDRINHO [V. O.] – «Faço já a experiência naquela menina que vem aí. Se resultar… é porque também vou conseguir Maria de Nhaxunda». (Xereta passa por ele) Eh, menina… (Xereta para e ele avança dois passos) para parada como um relógio, arredonda como um botão, regista-te como uma garrafa e deixa-me dizer-te três coisas: uma para ti, outra para mim e outra ainda para o papá e a mamã irem repartir-se ao meio.
XERETA – Eu te conheço? Mofino, parvo, estúpido, mal-educado.
PEDRINHO – Eu gosto de te como o macaco gosta de banana. Gosto de ti como quando estás com «kokó rokadu», pior do que malagueta no olho ou comichão no corpo.
XERETA – Não me chateia, por favor, palerma. Eu não sou da tua laia. Se estás com lume naquele sítio, vai apagá-lo nas ondas do mar.
PEDRINHO – Que mal tem se tu namoras comigo? Eu não sou casado, nem embaraçado, nem em mãos certas ainda estou. Sou solteiro de corda rodilhada, estou no mundo pelo desaforo.
XERETA – Por que não vais ladrar na empena de outra casa?
Vai caminhando.
PEDRINHO – Se tu soubesses o que estou a sentir dentro de mim, sei que paravas, calavas e escutavas-me.
XERETA (para e olha para ele) – E o que é que tens para me dizer, que tenho que parar, ouvir e escutar-te?
PEDRINHO – Tudo o que tenho dentro de mim: estômago, intestino delgado, intestino grosso, bofe-bofe, coração, fígado, rins, bexiga, baço, bosta… (Ela troça e ele fica todo empolgado) que tal? Gostaste ou não? (Ela ri mais e dá uns passos) Espera ainda! Tenho coisas doces… gostosas e saborosas para te dizer.
XERETA – Ainda mais do que estes fritos que me acabaste de oferecer?
PEDRINHO – Asukrinha, divertida, rebuçado, mel de abelha, doce de papaia, filhós de banana, papa cuscuz…
XERETA – Estes até fazem-me crescer água na boca! (Para um pouco) Mas quem te ensinou conquistar desta maneira, rapazinho?
PEDRINHO – Ninguém. Porquê? Eu não posso fazê-lo sozinho? Ou achas a minha conquista muito técnica para ser da minha doutoria? (Ela ri ainda mais) Não devemos «ndjutur» os outros. Assim como me vês, sou homem capaz de cochir, molhar o milho, tirá-lo da água, pilá-lo, subir cuscuz e dar-te para comer com leite dormido que ordenho da minha vaca, ainda na cama deitada.
XERETA – Não tenho tempo para ouvir as tuas lérias. Deus há-de dar-te alguma tola que combina contigo, e faço votos que sejam felizes. Adeus.
PEDRINHO – Não digas isso, minha filho-fémea. Quero da tua boca ouvir “sim” certo ou “não” claro. E, se o teu “sim” se confirmar no meu coração, já amanhã, logo de manhã vou falar com a tua família, peço-te em casamento, afixámos o edital e, se Deus quiser, casaremos no voltar do ano.
XERETA – Eu também não estou a meia nem a metade, nem de renda e nem a parceria. Não devo letras, nem ABC. Não tenho conta com letras grandes, nem pequeninas.
PEDRINHO – Mas então o que é que estás a espera? Eu caso contigo. Faremos festas para as pessoas e mataremos burros velhos para os cães e os minhotos comerem também.
Xereta sai, Pedrinho fica a matutar.
LX CENA
DENXO – Conta-me como é que a coisa correu. A Maria já te está no papo?
PEDRINHO – Barba… o meu coro foi espetacular. Não falhei em nada do que tu me ensinaste.
DENXO – Quer dizer então… que Maria de Nhaxunda está inscrita na tua folha?
PEDRINHO – Não. Maria de Nhaxunda ainda eu não vi. Encontrei, foi uma rabentola… ela não aceitou, por acaso, mas conforme pude perceber… ficou encantadíssima com as minhas frásicas.
DENXO – Boa! Diz-me como é que lhe disseste. Quais são essas frásicas?
PEDRINHO – Aquelas coisas todas que me ensinaste para dizer. As que eu sinto dentro de mim: intestino delgado, intestino grosso, estômago, bofe-bofe, coração, fígado, rins, bexiga, baço…
DENXO – Rapaz!!!
PEDRINHO – Espera ainda… tem calma! Acho que o que mais lhe impressionou foi quando eu lhe disse aquelas coisas doces. Todos nós sabemos como é que as mulheres gostam de coisas doces: asukarinha, divertida, rebuçado, mel de abelha, doce de papaia, filhós de banana, papa cuscuz…
DENXO – Pedrinho!!! Disseste-lhe tudo isso?
PEDRINHO – Porquê?! Achas que acrescentei?
DENXO – Claro! E de que maneira!
PEDRINHO – Deve ser por isso que ela ficou com a boca aberta a babar-se.
DENXO – Achas?
PEDRINHO – Vi com os meus próprios olhos os encantos dela.
DENXO – Ela estava a gozar contigo. Devias dizer-lhe conforme eu te ensinei.
PEDRINHO – Tu não me disseste para lhe dizer tudo o que sentia lá dentro? Todas as coisas doces… saborosas?!
DENXO – O que sentes dentro de ti, quer dizer o amor que sentes por ela… o sofrimento que padeces por ela. As coisas saborosas, coisas doces… são palavras bonitas, como um poema, por exemplo, um verso, uma música… não para dizeres tantos disparates como feijoada, caldo-peixe, baginha com abóbora, ou outra coisa… sei lá!
PEDRINHO – Esses aí, eu não lhe disse. Não lhe disse feijoada, não lhe disse caldo-peixe, nem baginha com abóbora.
DENXO – Ainda bem que não foi com a Maria que falaste.
PEDRINHO – Porquê?
DENXO – Agora, quando encontrares com a Maria, por favor, não lhe diga nenhuma dessas coisas.
PEDRINHO – E como dizer-lhe, então?
DENXO – Que gostas dela. Que ela é bonita; que tem uns olhos bonitos, mesmo que seja vesga; que tem cabelo comprido, mesmo sendo careca; que tem ancas redondas, bafos suaves… coisas assim do género. Conforme for a reação dela, tu vais lhe dizendo, por exemplo: «O meu amor por ti é maior que um coqueiro, mais duro que uma rocha, mais quente que o fogo, muito mais do que todas as areias do mar…»
PEDRINHO – Ah! Então eu não devia ter dito as coisas que eu disse?
DENXO – Claro que não. Tu deves usar as tuas próprias palavras. Palavras que fazem-na estremecer de paixão. Vais agora tentar falar com a Maria no duro, com diplomacia.
Pedrinho dá-lhe um abraço e despedem-se.
LXI CENA
Frente a frente um do outro, Pedrinho agarrado a uma ponta do pano da Maria.
MARIA – Olha, rapaz… por favor não me transtornes.
PEDRINHO – Não me digas assim, porque perco a fala, dói-me o coração e faz-me comichão o corpo todo.
MARIA – Eu ainda sou nova, não falte quem me dê casamento.
PEDRINHO – Mas é isso que eu te quero dar, filho-fêmea! Casamento já e na Igreja. Toucar-te com o véu da cabeça aos pés.
MARIA – Então eu aceito. Mas tens que me fazes uma casa que não seja no Céu, nem na Terra, nem no Mar e nem nas Nuvens.
PEDRINHO – Ah pombinha da minha gaiola, far-te-ei sim, senhora. Quando quiseres e me solicitares. Basta escolheres o terreno e abrires o cabouco, a construção ficará por minha conta.
MARIA – À sério?
PEDRINHO – Mais sério do que quando estou a dormir. Pois, o amor que sinto por ti é maior do que um coqueiro, mais duro que a rocha, mais quente que o fogo, mais do que todas as areias do mar… mais liso do que a barba do Denxo Barba.
MARIA – Ah rapazinho, com a boca tu jogas muito bem. E parece-me que estás a falar a sério. Contudo… dá-me um tempo para pensar.
Soluça.
PEDRINHO – Não precisas chorar, não tens que pensar muito.
MARIA (olha para o chão) – Está bem. Já te quero, Já te quero, Já te quero. Mas tens que ir falar com a minha mãe e com o meu pai. Tens de casar comigo.
PEDRINHO – Amanhã bem cedo, filho-fêmea. E para eu ter a certeza que já és minha «membra», dá-me um fio do teu cabelo, como prova do nosso amor. (Ela arranca um fio de cabelo, tira um gancho e dá-lhos. Pedrinho tira um rebuçado do bolso e oferece-lho) Toma este rebuçado, mete-o no teu seio e deixa-me tirará-lo e certificar se na verdade já és minha.
MARIA – Não! Isso ainda não. Levas o fio do meu cabelo como prova do meu amor, mas outra coisa só depois de nos casarmos.
PEDRINHO – Dá-me um beijo e deixa-me «karapatir» no teu peito.
MARIA – Já te disse que ainda não. Hoje à tarde, se quiseres, vais ter comigo à fonte, quando eu for buscar água.
PEDRINHO – Ah, Maria de Nhaxunda, eu, este filho de minha mãe, não vou lá ter contigo. (Maria fica boquiaberta) Tu é que me vais ali encontrar, porque vou já, e agora mesmo, ficar o tempo necessário à tua espera.
Abraçam-se, Maria afasta um pouco o rabo, beijam-se na face e separam-se.
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