STRIBILIN (21ª Parte)
Cultura

STRIBILIN (21ª Parte)

CXII CENA (continuação)

GIRALDINA – Não terei coragem para quê?

BIA – Você arma-se em séria… em religiosa!

GIRALDINA – Não sei por que me diz isso! Eu só vou à missa aos domingos como todos vão.

BIA – Hoje em dia, nós as mulheres não precisamos de lisonjear nenhum tipo de homem.

GIRALDINA – Não me diga, comadre?!

BIA – Pode acreditar.

GIRALDINA – Se não os lisonjearmos como é que pomos panela ao lume? Quem é que nos dá dinheiro para comprarmos comida para os meninos comerem? Nós estamos obrigadas a lisonjear os nossos maridos.

BIA – Estamos obrigadas?! Você quer saber ainda mais? Agora não precisamos deles nem para nos fazerem aquilo.

GIRALDINA – Sobretudo na hora de fazer aquilo! Aí é que o lisonjeio mesmo.

BIA – Você ainda vive no tempo de canequinha, comadre. Eu, quando o Paulito ainda estava em liberdade, enfiava-lhe os cornos e, quanto mais chifres lhe punha, com mais intensidade ele me amava. Ele tinha muitas raparigas, mas morava era comigo. Houve um dia que ele apanhou-me com um amigo dele no quarto, deitamos os três na mesma cama, e enquanto ele ressonava, eu e o gajo pilavamos sem controlo. Sabe por quê?

GIRALDINA – Não!

BIA – Fiz-lhe o remédio que o Carlitinhos me ensinou.

GIRALDINA – Você diz que ele cobra tanto dinheiro… como é que lhe consegue pagar?

BIA – Se quer ouvir comigo, na verdade, o dinheiro de que está a precisar para resolver o seu assunto, em três ou quatro semanas o terá nas mãos.

GIRALDINA – Como assim, comadre? É alguma casa de caridade que você descobriu, ou vai-me contratar com o diabo?

BIA – Não sei por que é que a comadre ainda não percebeu que todo o mundo tem os olhos abertos! Você quer armar-se em religiosa!

GIRALDINA – Você sabe que eu sempre fui à missa, mesmo antes de me casar com Virgulino. Ia à missa, confessava-me e recebia a comunhão.

BIA – Não arregale os olhos. Depois dará hóstia aos seus filhos para lhes acalmar o estômago, a sua rival suga todo o dinheiro ao seu marido.

GIRALDINA – E como é que resolveu?

BIA – Simples. Descobri um sítio em Vila Nova, em casa de um senhor chamado Nhu Branquinho. Ali, você vai bem vestida, com o seu corpo bem lavado e perfumado para não cheirar a suor e fumarada das lenhas. Não leve a cabeça amarrada…

GIRALDINA – Levo este meu cabelo crespo à mostra?!

BIA – Unte o seu cabelo com vaselina, alise-o com um pente de ferro aquecido; faça escuma de sabão e esfregue nos braços e nas pernas, de cima para baixo e de baixo para cima; moa um pouco de sal misturado com carvão e sabão de terra, coloque essa mistura num pedacinho de pano branco e esfregue esses dentes amarelos antes de você ir.

GIRALDINA – Ele arranja trabalho pra gente, ou dá alguma esmola? Explique-me lá isso então melhor, porque não estou a entender o que é que a comadre está a dizer.

BIA – Você vai à casa desse Nhu Branquinho, faça como lhe expliquei. Conte-lhe devidamente a sua situação, pelo menos dinheiro para comprar um quilo de mandioca, arroz e uma cabeça de peixe ou caldo Knorr para matar fome aos seus filhos, você trará de certeza. E se ficar a ir lá todos os dias, conseguirá o dinheiro de que está a precisar para ir à casa do Carlitinhos num abrir e fechar de olhos.

GIRALDINA – Se é o que estou a pensar que a senhora está a dizer…

BIA – É o que você está a pensar que eu estou a dizer.

GIRALDINA – Eu sou casada! E você sabe que Deus disse que uma mulher deve ser só do homem com quem casou.

BIA – Também Deus disse que o homem deve respeitar a sua mulher e sustentar a família que constituiu.

GIRALDINA – Isto é pecado. Deus não fica contente se andarmos erradas com o nosso marido.

BIA – Pecado é deixar os nossos filhos morrerem à fome. A mim é que nenhum estupor me faz dormir com fome na barriga só porque somos casados. Se ele não tiver para me dar, ou simplesmente não me quer dar, como naquilo que Deus me deu.

GIRALDINA – Comadre?! Aonde é que você mandou a vergonha?!

BIA – Anteontem Nhu Branquinho arranjou-me um chavalinho… tão lindo!

GIRALDINA – Chavalinho?! Mais novo do que a senhora?!

BIA – Eu devo ter uns dez anos a mais do que ele.

GIRALDINA – Comadre! Isto é pedofilia. Pode ser julgada pelo Tribunal Popular e condenada a caçar cães vadios.

BIA – O que interessa é ganhar o meu dinheiro e que os meus filhos não passem fome.

GIRALDINA – Estou a ficar confusa, comadre.

BIA – E quando cheguei a casa com os meus quinhentos paus dentro do seio, aquele estouvado estava deitado numa esteira, defronte ao batente da porta, bêbado, a ressonar que nem um porco.

GIRALDINA – E se ele der conta que anda a chifrá-lo?

BIA – Desde que não me dê chifradas…

GIRALDINA – Assim é que você fala?

BIA – Estou a brincar. Mas ele não irá saber nunca.

GIRALDINA – Como é que tem tanta certeza?

BIA – Quando você resolver ir, prepare primeiro um remediozinho ao compadre, para que lhe faça perder a noção do real e não sentir ciúme de si.

GIRALDINA – Como?

BIA – Quando a senhora se lavar antes de ir para a cama, não deite fora a água do penico onde lavou a tóbia. Bom era estar no passar do incómodo. No dia seguinte faça-lhe um café com essa água. Amasse um pouco de farinha com essa mesma água e confecione umas filhoses de banana e dê-lhos ao pequeno-almoço. A banana é para despistar o sabor e eventual cheiro que poderá exalar-se da água. Mas tem de arranjar forma de manter os meninos afastados. Eles não podem provar nada derivado dessa água. Nada que fosse feito a partir dela eles devem provar.

GIRALDINA – Água do penico onde eu lavo a minha coi…?!

BIA – Água do penico onde você lava a tóbia. Vai ser remédio santo.

GIRALDINA – E se algum fio negro cair no café ou na massa para filhós?

BIA – Filtre primeiro a água com um pano branco sobre um copo. Seja como for, você não tem cabelo na cabeça? Dir-lhe-á que é fio do seu cabelo! Que deve ter coçado a cabeça e o cabelo caiu sem que você se apercebeu.

GIRALDINA – Ele sabe que eu ando sempre com cabeça amarrada.

BIA – Oh, mulher! Tudo acontece, pelo menos, uma vez na vida. Engane-o que desamarrou o lenço para fazer tranças…

GIRALDINA – Comadre, isto é pecado grave. Pecado mortal!

BIA – Pecado mortal quem não comete? Quem neste mundo é que não morre? Só quem não nasce!

GIRALDINA – Mas este pecado leva-nos diretamente para o inferno. Fazer feitiçaria ao homem… pôr-lhe os cornos… dar-lhe porcaria na comida e mentir-lhe ainda, como se não bastasse?!

BIA – É pecado se os fizermos à toa… sem razão. Deus perdoa tudo o que é feito por necessidade ou por boa causa.

GIRALDINA – Isto é necessidade?… Enfiar os cornos ao marido é uma boa causa?

BIA – Acha que arranjar dinheiro para salvar os nossos filhos de morrer à fome não é uma necessidade?… Não é uma boa causa?…

GIRALDINA – De facto!… Como é que disse que o homem se chamava?

BIA – Nhu Branquinho. Ele mora em Vila Nova, num primeiro andar. No rés-do-chão há uma sapataria, onde também vendem lenha.

GIRALDINA – Ninguém me vê a entrar ou a sair?

BIA – Podem vê-la a entrar, mas também, podem pensar, por exemplo, que vai arranjar sapatos ou comprar lenha. É um lugar discreto e pouco conhecido.

GIRALDINA – E o que digo quando lá chegar? Que me vou deitar com homens?

BIA – Entre descontraidamente, suba umas escadas e vá ter com Nhu Branquinho no primeiro andar. Ele está sempre sentado atrás de um balcão. Fale com ele em condições, conte-lhe a sua situação, ele orienta-a.

GIRALDINA – Orientar-me, como?

BIA – Ele manda-a entrar e esperar num quarto particular, o cliente vai lá ter consigo.

GIRALDINA – Naaah! Sinto vergonha assim, comadre Bia!

BIA – Vergonha?! Quando se habituar vai ver se consegue deixar!

GIRALDINA – Não sei se vou acostumar-me, comadre. Imagine se me apanharem a rebolar debaixo de um homem que nem conheço?! Para me apodarem de meretriz?!

BIA – É melhor do que acusarem-na de deixar os filhos morrerem à fome.

GIRALDINA – Por acaso!…

BIA – Em menos de dez minutos 500 paus estarão nas suas mãos.

GIRALDINA (arregala os olhos) – Vou pensar.

BIA – Você não tem nada que ir pensar. A tóbia é sua, você dá-a a quem você quiser. Só você deve mandar nela. Deus deixou-nos para comermos do e no que é nosso. Pecado! Pecado é roubar coisa dos outros, ou cruzar os braços e ver os nossos filhos a morrer de fome.

Despedem-se e vão-se embora.

CXIII CENA

Atrás de uma secretária está Nhu Branquinho sentado numa cadeira. Através de uns óculos fortemente graduados enxerga a Giraldina que se posiciona de pé em frente dele.

NHU BRANQUINHO – Então a senhora quer…

GIRALDINA (muito embaraçada) – É para eu salvar os meus filhos da fome. Não pense que é porque eu goste, ou porque sou uma put…

NHU BRANQUINHO – Eu sei. Não precisa de me explicar.

GIRALDINA – Estou a explicar-lhe para que não pense que eu sou assim. Sou uma mulher séria. A necessidade e os meus filhos é que me estão a obrigar a fazer isso.

NHU BRANQUINHO – Se Deus quiser, hoje há-de aparecer comida para os seus filhos, que lhe dará para mais de uma semana.

GIRALDINA – Deus lhe pague.

NHU BRANQUINHO – Por cada cliente que atender, dou-lhe 500$00. E cada cliente só tem direito a servir-se de si uma vez. Se ele quiser repetir tem de vir fazer novo contrato e pagar novamente. E a senhora receberá outros 500$00.

GIRALDINA – Muito obrigada.

NHU BRANQUINHO (aponta o dedo para um quarto) Entre nesse quarto e feche a porta. Quando chegar o cliente ele vai lá ter com a senhora.

GIRALDINA (envergonhada) – Posso fazer já hoje…

Ela tapa a mão na cara.

NHU BRANQUINHO – O quê?

GIRALDINA – Mais do que uma vez?

NHU BRANQUINHO – Pode fazer mais do que duas ou três se quiser.

GIRALDINA – Posso fazer as vezes que eu quiser?!

NHU BRANQUINHO – Você é que sabe. Por cada vez que você fizer eu dou-lhe 500$00.

GIRALDINA – Deus lhe pague.

NHU BRANQUINHO – Não se esqueça de que cada cliente só tem direito a uma vez. Se ele quiser repetir a dose tem de vir pagar novamente. Há uns que são abusados e querem repetir seguido, sem pagar de novo.

Giraldina entra no quarto.

CXIV CENA

Virgulino entra no escritório de Nhu Branquinho.

VIRGULINO – Boa tarde, papai Branquinho.

NHU BRANQUINHO – Boa tarde, Virgulino.

VIRGULINO – Hoje não há nada fresca? Nenhuma franga?

NHU BRANQUINHO – Chegou uma novata há bocado.

VIRGULINO – Raparigueta? (Nhu Branquinho faz um sorriso) Catorzinha? Em que quarto é que ela está?

NHU BRANQUINHO – É a primeira vez que está a frequentar a casa. Está naquele quarto ao lado. (Aponta o dedo para o quarto onde se encontra Giraldina, Virgulino dirige-se para entrar) Vem primeiro fazer o pagamento. Ou já te esqueceste a norma da casa?

VIRGULINO (volta, tira a carteira do bolso) – Faça-me hoje uma atençãozinha. Eu pago sempre um conto e quinhentos!

NHU BRANQUINHO – Ok. Como és da casa, tiro-te 200$00. Pagas só 1.300. (Virgulino dá-lhe uma nota de 1.000$00 e põe-se a andar para o quarto) Faltam 300$00.

VIRGULINO – Tire-me os 300 também! Esta quinzena recebi pouco. Dei três faltas ao trabalho… e você sabe. Foram aqueles três dias que passei aqui com aquela senegalesa.

NHU BRANQUINHO – Não tenho nada a ver com a tua senegalesa, nem com a tua falta ao trabalho. Não são problemas meus. Se não queres pôr os 300 que faltam… olha… toma o teu dinheiro e vai fazer a tua vidinha.

Zangado, Virgulino puxa novamente a carteira, conta 300$00, entrega Nhu Branquinho e entra no quarto.

CXV CENA

Giraldina está sentada em cima da cama com a cara tapada com as mãos. Está tão diferente que Virgulino não a reconhece. Tem o cabelo bem alisado; nos pés, umas sandálias trancinhas – que a comadre lhe emprestou – a pele das pernas e dos braços luziam pelo efeito de escumas de sabão de terra que havia antes besuntado. Virgulino abraça-a carinhosamente, beija-a e caricia-a por tudo onde é sítio.

VIRGULINO – Ai, fofinha! Amo-te muito. Ai, que delícia. Oooooi! Fazes-me recordar uma senegalesa que esteve aqui comigo a semana passada. Vamos despir, sereia? Tira a blusa enquanto eu tiro a camisa e desaperto o cinto. (Ele vai-se despindo até ficar em cuecas. Giraldina continua imóvel, com a cara tapada) Ainda não tiraste a roupa, querida? Da maneira que estou com vontade de te provar! Deixa-me tirar-te a roupa. (Enquanto a despe vai-lhe dando beijos. Deixa-a também em cuecas. Embora enlevado, fica confuso ao reparar na cueca que a ela traz) Calcinha parecida com uma que a Giraldina minha mulher usa!

GIRALDINA (dá-lhe um empurrão no peito e levanta-se como se impelida por uma mola) – Giraldina que era tua mulher!

VIRGULINO (espantado) – Giraldina!

GIRALDINA – Sou eu, mesma!

VIRGULINO (atrapalhado) – Giraldina! O que é que tu estás a fazer aqui, mulher?! Tu também andas nesta vida?

GIRALDINA – Mas isto é verdade, Virgulino?! (Olha-o e abana a cabeça) És tu na verdade? Que burra… burra que sou! Não queria acreditar quando me disseram. Mas Deus é grande, hoje apanhei-te em flagrante. Vim pelos meus próprios pés, para ver com os meus olhos e ter provas.

VIRGULINO – Cala-te, cala-te, cala-te, caaaa… la-te, por amor de Deus. Não faça escândalo.

GIRALDINA – Afinal era aqui que vinhas gastar dinheiro, esqueceste da tua casa, dos teus filhos e de toda a família?!

VIRGULINO – Ca… ca… cala-te, por amor de Deus. (Começa a vestir-se) Veste-te e vamos embora… veste-te… veste-te e vamos para a casa.

GIRALDINA – Essa pessoa que me avisou… nem sei quanto lhe devo. Ela é minha amiga de verdade. Nunca quis-me acreditar nela. Pensei que a sua intenção era de nos desestabilizar ainda mais. Mas ela tinha razão. Meu Deus! Com que cara vou pedir-lhe desculpa?!

VIRGULINO – Cala a boca por favor, Giraldina. Por amor de Deus, não digas a ninguém. Veste-te… veste-te rápido.

GIRALDINA – Fiz tal qual ela me mandou e não falhei; comprovei aquilo que ela me informara. Deus é amor. O seu templo é maior. É a luz. Ele não dorme de qualquer maneira. E se dormir, dorme apenas com um olho fechado.

VIRGULINO (veste-se rápido e apanha a roupa da Giraldina) – Deixa-me ajudar-te a vestir e vamos daqui.

GIRALDINA – Vamos sim, mas é pra tu ires arrumar os teus lixos e arranjar o teu covil. Entre nós está tudo terminado.

VIRGULINO – Só mais uma oportunidade. Juro que não vou mais voltar a fazer.

GIRALDINA – Viste o que a tua patifaria me obrigou a fazer?

VIRGULINO – Desculpa-me. Não volto a fazer mais.

GIRALDINA – Eu em casa a sofrer… os meninos a chorarem com fome… panela vazia e de boca para baixo… o meu marido recebe o ordenado e vem gastar com senegalesa!

Senta-se na borda da cama e chora. Virgulino pega-lhe por uma mão, levanta-a, abraça-a e saem.

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