O poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares foi seleccionado para a primeira edição das Bolsas de Residência Literária Eça de Queiroz que tem por objectivo promover a produção literária em língua portuguesa, foi hoje anunciado.
A bolsa consiste na estadia de um autor durante um mês em Tormes, concelho de Baião, local idílico com larga tradição literária que inspirou Eça de Queiroz a escrever “A Cidade e as Serras”, contando os residentes com todas as despesas pagas, bem como honorários no valor de 1330€, e ficam alojados numa casa autónoma em Tormes, com todas as condições para terem tempo e sossego para escrever.
José Luiz Tavares, 55 anos, autor de vários livros de poesia como “Agreste Matéria Mundo” (2004), “Lisbon Blues seguido de Desarmonia” (2008), “Cabotagem & Ressaca” (2008), “Cidade do Mais antigo Nome” (2009), “Coração de lava” (2014), “Contrabando de Cinzas” (2016), “Polaróides de Distintos Naufrágios” (2017) e “Rua Antes do Céu” (2017), foi escolhido por um júri que avaliou 206 candidaturas admitidas a concurso, de acordo com critérios como o domínio da linguagem artística, a qualidade cultural e artística do projecto, a adequação da proposta à durabilidade da bolsa, e a formação e competência reveladas nos trabalhos já realizados (publicados ou não).
Reagindo à atribuição da bolsa, José Luíz Tavares disse à Inforpress que são políticas culturais como essas que “não se veem em Cabo Verde”, onde, disse, o “investimento no livro e no apoio à criação literária têm sido nulos”.
“Repare que em quase sete anos deste ministro houve editais para tudo: renda, casca de coco, chifres, carapaça de tartaruga, batucadas, petiscadas, passeatas. Para o livro, nada, zero. Só a megalómana e fracassada morabeza que, infelizmente, gente com responsabilidade aceitou integrar, quando a sua recusa seria altamente salutar, pois teria matado a fanfarrona iniciativa à nascença”, criticou, adiantando que investimento que é feito no artesanato não é feito no livro.
“Note-se o fausto da remodelação do CNAD [Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design] e a Biblioteca Nacional a cair aos pedaços. Só num país culturalmente atrofiado é que o artesanato é colocado antes ou acima do livro, e, contudo, temos esses escribas acocorados debaixo da mesa do poder, sempre prontos a aceitar as suas pobres migalhas”, rematou.
O poeta fez referência ao “propalado festival de literatura que acontece por estes dias na Praia”, considerando que o título da iniciativa – festival – “é indicativo de que para o patrão da cultura, o ministro da pasta mais dirigista e estatizante” que conheço em 47 anos, de que o que conta para ele é a farra, e não algo de substancial, que permaneça e se constitua como gérmen de obras novas”.
“Respeitando a liberdade do meu amigo Germano Almeida de ir a onde lhe apetecer, não entendo como é que ele, que tem criticado, e bem, a ausência de políticas públicas para o livro e a literatura aceite integrar esses eventos, esses fogos-fátuo mediáticos que visam esconder o nulo investimento no livro e na criação literária”, vincou.
Ilustrando, explicou que em meados deste ano apresentou ao Instituto do património Cultural (IPC) um “projecto relacionado com a Cidade Velha”, no valor de 43 mil euros, e o seu responsável o que “me propôs foi uns dias de dormida para o fotógrafo, num funco fora de mão que eles têm na Cidade Velha” e a minha resposta foi que “fique ele com as suas migalhas”.
Ainda com relação ao chancelamento de iniciativas que o poeta considera “ocas por escritores com responsabilidades”, José Luiz Tavares reiterou que a “morabeza teria morrido à nascença se alguns não tivessem voltado com a palavra atrás, aceitando participar na coisa, quando lhe tinham garantido que não iriam”.
“O Arménio Vieira participou porque foi ludibriado por alguém em quem confia”, contra-atacou, indicando que na homenagem feita ao Oswaldo Osório, o poder “de novo se utiliza impudicamente a sua provecta figura para caucionar iniciativas que nada de substancial vão produzir”.
“Homenagear Oswaldo Osório seria publicar um volume com a sua poesia completa, com estudos introdutórios, etc. A Biblioteca Nacional fez isso? Não, porque isso custa tempo e dinheiro e não rende dividendos mediáticos”, vincou.
Quanto ao diálogo com novos escritores, disse que não vê “nenhum novo” na literatura cabo-verdiana. “Não é porque aparecem meninos e meninas sedentas de palco, que publicaram livrinhos toscos e irrelevantes, que eles são novos. Novos são aqueles que produzem obras relevantes que acrescentam o nosso património literário, que alargam as fronteiras da linguagem e, concomitantemente, do humano”, concluiu.
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