“Biblioteca Nacional tem que ser efectivamente a casa da literatura cabo-verdiana” – José Luiz Tavares
Cultura

“Biblioteca Nacional tem que ser efectivamente a casa da literatura cabo-verdiana” – José Luiz Tavares

O poeta cabo-verdiano José Luíz Tavares defende que é preciso rever a situação da Biblioteca Nacional, que deveria ser a “casa da literatura”, e foi transformada em “casa da história”, num processo de inaceitável “desvirtuamento e amiguismo”.

Numa entrevista a propósito do Prémio Oceanos 2024, de que é um dos 60 semifinalistas, com a obra poética “Perder o pio a emendar a morte”, o escritor reconhece mérito nos seus domínios de actuação académica - a história - a algumas das pessoas que fazem parte do conselho científico da instituição.

“Estimo por demais pessoalmente um deles, e intelectualmente dois e da direcção, pessoas que têm aceitado a incumbência de escrever prefácios a obras clássicas da literatura cabo-verdiana, pessoas essas que não se conhecia qualquer ligação relevante a esse campo, o campo da literatura, sobretudo se esse processo, visto de fora, tresanda a amiguismo. Pela estima pessoal e intelectual que me merecem, deveriam afastar-se disto”, criticou.

Para José Luiz Tavares, isto não é aceitável, nem pode continuar.

“Eu sei que muitas das pessoas que lá estão são pessoas sérias, competentes e desprendidas, mas não terão feito, na minha subjectiva opinião, a melhor avaliação ao aceitarem incumbências em domínios para os quais, se calhar, não têm a melhor preparação cultural e científica, ou até a simples vocação”, sublinhou.

A Biblioteca Nacional, disse José Luiz Tavares, não tem de estar associada eventos de história, a não ser que sejam sobre a história do livro ou da literatura.

“A história tem os seus departamentos próprios, quais sejam o IPC ou o Arquivo Histórico. As energias e recursos da Biblioteca Nacional têm que ser canalizados para o livro, a literatura e a leitura”, adiantou.

O escritor pediu, por isso, a devolução “efectiva, e não apenas no papel”, da autonomia administrativa, financeira e patrimonial à Biblioteca Nacional e “exija-se-lhe uma nova vida, nomeadamente tendo à frente e na sua entourage pessoas com provas dadas no domínio da literatura canónica, da leitura, do livro literário e do trato com os escritores”.

Sabendo que o ministro não é criador nem é especialista ou expert em matéria de literatura, o poeta José Luiz Tavares diz que deve então ter à frente da casa da literatura alguém que efectivamente perceba de literatura. “Para não estarmos a dar cobertura ao lixo literário, de todos os feitios, idades e proveniências, que tem infestado impunemente esse domínio da criação”, acrescentou.

“Isto não tem a ver com fulano a ou b, tem a ver com uma visão de fundo. Não espero que isso vá acontecer, mas fica o meu posicionamento”, salientou.

Outra questão criticada pelo poeta é a concorrência que ele diz que a Biblioteca Nacional faz às poucas editoras privadas que existem em Cabo Verde.

“A Biblioteca Nacional deve executar a política do livro, não fazer concorrência e comércio contra as editoras privadas, sobretudo pela exiguidade do mercado e pelos baixíssimos índices nacionais de leitura”, disse.

E prosseguiu: veja-se o caso das obras clássicas da literatura cabo-verdiana. Ando há anos a bater na mesma tecla: não deve ser a Biblioteca Nacional a editá-las. Sendo os únicos livros rentáveis em Cabo Verde, devem ser publicados editais para as entidades privadas editarem esses livros, o que lhes poderá insuflar algum oxigénio financeiro. A Biblioteca Nacional não tem que lucrar com essas obras, tem apenas que zelar pela sua disponibilização em condições ideais de edição e de preço no mercado.

Outro aspecto é o protocolo celebrado com os Correios para o envio dos livros. Segundo José Luiz Tavares, esse protocolo deveria ser, primacialmente, dirigido às editoras e livrarias privadas, e não à Biblioteca Nacional, um organismo do Estado, podendo ela ser um intermediário privilegiado.

“Estranho é que seja um governo de direita a retornar a um estatismo num domínio em que não faz nenhum sentido, e, pelo contrário, é pernicioso, contra o mercado, a livre iniciativa e a sã concorrência.

Estarei em Cabo Verde na semana de 2 a 9 de Setembro. Se o novel ministro quiser ouvir-me, terei todo o gosto em falar com ele. Foi assim com o Abraão Vicente, a quem dei bons conselhos, antes e depois de chegar a ministro, mas depois, cheio duma vaidade e bazófia vácuas, do propósito de instrumentalização da cultura para fins propagandísticos e de promoção pessoal, e até por envergonhada inveja, ele que queria ser multiartista e criador, acabou no que acabou, e cujos contornos todos os que me leem conhecem”, afirmou.

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