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Uni-CV: Entre o Fim de uma Era e o Benefício da Dúvida da Outra   
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Uni-CV: Entre o Fim de uma Era e o Benefício da Dúvida da Outra  

...precisamos refletir profundamente sobre todo o panorama do ensino superior em Cabo Verde e defender que tenhamos instituições fortes, neste caso, uma Universidade pública forte. A proliferação e a fragmentação fazem desagregar, desde logo, o pessoal docente, os investigadores e os meios; fragiliza o diálogo e a interação - elementos fundamentas para a construção de uma Comunidade Académica – a força de uma Universidade. Por outro lado, eleva o custo de funcionamento, com a multiplicação de estruturas, e, no meio de tudo isso, a pertinência, relevância e a qualidade de uma Universidade ficam por esclarecer.

No próximo dia 24 de março, o novo Reitor toma posse e a atual equipa cessa funções, depois de dois mandatos, com início em 2014. Foram longos e dolorosos oito anos para a Universidade pública de Cabo Verde, uma instituição ainda em processo de instalação. Novidades e avanços foram muito poucos, por um lado, face ao custo do seu funcionamento, sobretudo, os encargos com os dirigentes, e, por outro, face às necessidades reais do país.

Este é um país que precisa, desesperadamente, de uma Universidade pública forte, pois precisamos produzir conhecimentos e elevar o nível de qualificação dos cabo-verdianos! É a melhor arma e a maior riqueza que poderemos ter para combatermos, de forma sustentável, a miséria e encontrar o caminho do progresso. E isto não é factível com instituições de ensino superior que são meros consumidores e reprodutores de conhecimentos produzidos noutras paragens e, por essa via, graduar pessoas com licenciatura, mestrado e até doutoramento.  Este não é o caminho!

Não temos condições objetivas para termos muitas instituições do ensino superior e nem é boa ideia estarmos a fragmentar instituições por diversos pontos do país. Desde logo, é preciso não confundir Instituições do Ensino Superior, designadamente Universidade, com Instituições de Formação Profissional. Mas também, é preciso observar que não é menos prestigiante ter mais Instituições de Formação Profissional (fortes) do que Instituições do Ensino Superior. A esse respeito, e a título de exemplo, nos Estados Unidos, mais de 40% dos jovens fazem cursos de formação profissional antes de fazerem um curso superior, e essa percentagem já foi superior a 50%. Um outro exemplo é o caso de Luxemburgo. A maior aposta deles, tradicionalmente, foi na formação profissional e não é por acaso que desenvolveram um conceito apurado de Escolas Técnicas, ou Liceus Técnicos. Estudo desenvolvido pelo Banco Mundial indica que a necessidade do mercado é, em média, na razão de um para quatro, ou seja, para cada licenciado, são necessários quatro técnicos habilitados com a formação profissional. E não é difícil perceber isto na prática.

Então, precisamos refletir profundamente sobre todo o panorama do ensino superior em Cabo Verde e defender que tenhamos instituições fortes, neste caso, uma Universidade pública forte. A proliferação e a fragmentação fazem desagregar, desde logo, o pessoal docente, os investigadores e os meios; fragiliza o diálogo e a interação - elementos fundamentas para a construção de uma Comunidade Académica – a força de uma Universidade. Por outro lado, eleva o custo de funcionamento, com a multiplicação de estruturas, e, no meio de tudo isso, a pertinência, relevância e a qualidade de uma Universidade ficam por esclarecer.

É certo que o Estado deve garantir o acesso a todos (de todas as ilhas), nos termos da lei, e empenhar-se para que tenhamos muito mais estudantes no ensino superior. Mas isto não passa, necessariamente, pela multiplicação e fragmentação de instituições, fomentando ainda mais a precariedade e enganar as pessoas que, por vezes, fazem sacrifícios tremendos para frequentar cursos de baixa qualidade.

Durante os oito anos da reitoria finda, por falta de visão e imperícia na governança universitária, a Uni-CV passou, praticamente, em letargia. O diálogo, as reflexões, as produções académicas e os ativismos social, económico e cultural da Universidade ficaram em banho-maria.   Há problemas profundos de reestruturação da Universidade, de pensar a Universidade vs. os desafios do país, de mobilização e motivação de todo o pessoal interno e de afirmação da presença pública da Uni-CV.

Os desafios são enormes e, portanto, espera-se que a nova reitoria esteja à altura. É possível, sim, mudar o estado das coisas e fazer da Uni-CV uma grande Universidade pública. É possível, à nova reitoria, para além dos trabalhos de reorganização e mobilização interna, apostar fortemente na sensibilização do Governo, em primeira-mão, para disponibilizar recursos do Estado que permite à Universidade o desbloqueamento das carreiras profissionais (as muitas reclassificação, progressões e promoções pendentes) e o recrutamento de mais pessoal docente e funcionários qualificados. A respeito do pessoal docente, importa observar que é preciso não continuar a confundir as necessidades do ensino superior com as do ensino secundário!  O Professor do ensino superior tem que ser um académico e, por conseguinte, dotado de preparação para desenvolver a investigação e uma docência crítica.

Um segundo aspeto, que me parece importante, é a aposta na “construção” e desenvolvimento de uma Comunidade Académica forte na Uni-CV, alimentada por uma Cultura Académica robusta, condição “sine qua non” para a afirmação de uma Universidade, tanto no plano nacional como internacional.

Agindo sobre essas condições de base, a nova reitoria estará a criar um ambiente mobilizador, do ponto de vista institucional e de governança (coisas que a equipa finda não fez), para que a tal Comunidade Académica forte assuma a Uni-CV, encarnando a missão, a visão e os valores institucionais, não como um “opus alienum”, tal como é a realidade atual, mas, sim, como um “opus proprium”.  Este cenário, aliado a um quadro definido de políticas estratégicas para: (i) a investigação; (ii) a docência; (iii) e a transferência do conhecimento, construídos, de forma participativa, pelos próprios atores da academia (e não encomendados para depois serem engavetados, como tem sido a prática), do meu ponto de vista, constituem as bases, de uma governança partilhada e mobilizadora para fazer a Uni-CV, mediante uma gestão económica estratégica, assumir o seu lugar de relevo no processo do desenvolvimento do país. Afinal, governar bem a Uni-CV, nesta era em que o conhecimento é tido como a maior riqueza de uma nação, é realizar Cabo Verde!

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