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O Orçamento Retificativo de 2020 é Semi Eleitoralista e Imprudente
Colunista

O Orçamento Retificativo de 2020 é Semi Eleitoralista e Imprudente

"Na rúbrica Despesa com o Pessoal: a Gratificação Permanente, os Subsídios Permanentes, as Gratificações Eventuais e os outros Suplementos, poupar-se-ia 3,436 milhões de CVE. É de referir que segundo o Ministro das Finanças, Olavo Correia, “dos cerca de 206 mil empregos existentes em Cabo Verde, o sector privado contribui apenas com 80 mil, ou seja, cerca de 39%.”. Por não ter havido lay off no público, deveria haver eliminação dos pontos apresentados a fim de dar alguma equidade de sacrifício laboral."

1. Em 2011 no Jornal Asemana, o Primeiro-ministro, José Ulisses Correia e Silva, escrevia sob o título “O feitiço das Finanças Públicas” o seguinte: O endividamento não é um mal em si próprio. O importante a reter é: a) a natureza e o impacto económico e social dos investimentos realizados com recurso à dívida; b) a contribuição desses investimentos para o crescimento económico, modernização do país, emprego e distribuição de rendimentos; c) a contribuição para a sustentabilidade do país e para a geração de recursos necessários ao pagamento do serviço da dívida; d) as condições da contração da dívida.

2. Se formos analisar o “impacto económico e social dos investimentos realizados”, “a contribuição desses investimentos para a modernização do país, emprego e distribuição de rendimentos”, facilmente podemos concluir que apesar do crescimento médio de 5% nestes últimos quatro anos, estes atributos não foram cumpridos ou alcançados.  “O crescimento foi dissociado da experiência vivida pela maioria das pessoas.”

3. Todos os Orçamentos de Estado apresentados desde 2016 (quiçá desde 1992), foram expansionistas. De 2016 a 2019 deveriam ser contra cíclicas; fazendo algumas poupanças, em vez disso optou-se por gastar em Viagens & Estadas (2,4 milhões de contos de 2016 a 2019), Honorários e Assistência Técnica, etc. Esta Pandemia demonstrou toda a nossa fragilidade estrutural, 45 anos depois da independência. De tanto ouvir o Ministro das Finanças, Olavo Correia, a afirmar[i] que temos de “viver com menos rendimentos, menos mobilidade, menos oportunidades, menos empregos" pensei que haveria um aperto do cinto. Em vez de se aproveitar o momento para efetuar as mudanças estruturais há muito adiadas e criticadas enquanto oposição, optou-se por um Orçamento semi eleitorista, que vai em contramão do que o Ministro tem vindo a alertar os Caboverdeanos. As eleições que se avizinham, os fracos resultados globais alcançados nestes quatro anos de governação, com um orçamento não tão expansionista, seria catastrófico a nível político. Daí, num período de anormalidade manteve-se tudo como estava. Por isso, há o risco de o Governo ser mais Keynesiano do que Keynes.

4. A teoria contra cíclica do Governo não pode ser conforme a disponibilidade eleitoral. O Keynesismo não significa apenas défice e dívida. Mas, o contrapeso ao excesso que a errada interpretação que se faz da teoria Keynesiana, é um pouco de austeridade coadjuvada com a política monetária. É o equilíbrio que se deseja: a política monetária (Friedman), o aumentar o investimentos públicos produtivos, racionais que faz de facto o efeito fiscal (Multiplicador) funcionar (Keynes) e, a austeridade ou redução de gastos correntes supérfluos (Hayek). Isto significa que é sempre necessária uma abordagem integrada que engloba os gastos e as receitas. Mesmo estando numa Pandemia. Se o governo não cortar nos gastos supérfluos; que impede que o défice aumente/diminuir, a nossa posição fiscal pós pandemia será dolorosa. Se o crescimento conseguido tivesse sido poupado para situações imprevisíveis, ou investidos em sectores produtivos transversais estaríamos mais preparados. Os gastos supérfluos aumentaram drasticamente com este governo, mesmo antes da Pandemia. Passar de um crescimento de 5,7 % no 1º Trimestre de 2020, para uma contração de 6,8% à 5 %, e um défice das contas públicas de 1,7% para 11,4% do PIB (um “incremento de 9,6 p. p.”) é alarmante. Mas, a fim de sabermos o grau da catástrofe, isto significa uma queda real do PIB no fim de 2020 de -1,1% (5,7 % -6,8%) à 2.8 % (5,7 % -8,5%) ou de 6,8% a 8,5%?

5. De acordo com os dados do Síntese da Execução Orçamental do 1º Trimestre de 2020, “as receitas totais, face aos dados provisórios de março de 2020, atingiram 11.911,1 milhões de CVE, um aumento de 0,2%, face ao período homólogo”. Significa que temos de analisar economicamente à situação de anormalidade a partir de Abril de 2020.

6. Programas de “estímulo mal projetados não são apenas ineficazes, mas potencialmente perigosos”. Em 2016 a dívida pública em % do PIB foi de 129,7%. Em 2019 a divida pública em % do PIB ficou nos 122,5%. Uma redução de 7,2 p.p. No 1º Trimestre de 2020, de acordo com a Conta Geral do Estado, a dívida pública encontrava-se nos 131,5 % do PIB. Houve um aumento de 9 p.p. O governo prevê no Orçamento Retificativo, que em 9 meses de 2020 (Abril à Dez.) a dívida pública em percentagem do PIB atingirá os 145,8 %. Um aumento de 14,3p.p, com a sua resposta fiscal e monetária combinada (poderá chegar aos 150%) do PIB. O aumento da dívida combinada de 2020 ( a Dez.) será de 23,3% do PIB. Como a geração de valor (aumento do PIB) está-se a dar por meio de insuflação de dívidas (créditos), para investimentos pouco produtivos em infraestruturas não sustentáveis (basta avaliar a qualidade dos gastos como por exemplo a estrada de 8 km, inaugurada no Fogo recentemente que custou 130 mil contos), para deduzir que podemos esperar um futuro não muito encorajador.

7. A nível nominal, em 2016 o stock da dívida pública em % do PIB era de 923,9 de milhões de CVE. De acordo com a Conta Geral do Estado, no 4º Trimestre de 2019 o stock da dívida pública era de 242.349,1 milhões de CVE. Um aumento de 30.425,2 milhões de CVE. No 1º Trimestre de 2020 à dívida pública em % do PIB encontrava-se nos 244.370,0 de milhões CVE. Com o Orçamento Retificativo, a Legislatura atingirá 267.880,5 milhões de CVE (+ 55,7 milhões de CVE).

8. Em Cabo Verde, segue-se uma abordagem que vem sendo aplicada em vários países, que consiste em prestar assistência às empresas e às pessoas, mas não enquadrada na nossa realidade. No OR 2020: 42, diz o Governo que, “só as empresas cumpridoras (com terceiros, com o fisco e com a segurança social), podem aceder ao mercado das compras públicas e aos incentivos do Estado” e, para “aliviar a tesouraria das empresas”, irá ser alargado o prazo de pagamentos de impostos. Isto ignora um componente muito importante: há empresas não viáveis economicamente mesmo sendo cumpridoras, há empresas que estavam endividadas demais para poderem suportar qualquer choque; já estavam em declínio antes da crise, e, leva-nos a questionar a eficácia desta medida com a seguinte questão: Quantas empresas em Cabo Verde não têm dívidas com terceiros, com o fisco e com a segurança social? E para não se cair na armadilha de salvar empresas amigas, em vez de empresas dinâmicas e que alavancam o crescimento, deveria ser publicada a lista das empresas que estão a ser beneficiadas. É dinheiro público e tem que haver transparência.

9. Medidas de proteção de postos de Trabalhos

O Lay off e o subsidio de desemprego foi/é pago pelo Governo ou pelo INPS?

10. Segundo o Governo, existem “as linhas de financiamento do Banco Central em mais de 400 milhões de euros; linha COVID-19 com 5 milhões de contos, sendo 4 milhões para às empresas e 1 milhão para as instituições de microfinanças”. Assistimos que, mesmo estando o Governo a dizer que há dinheiro para as empresas, para as famílias, para os trabalhadores, a sua execução tem sido baixa. E uma vez que até agora houve uso limitado por parte das famílias e empresas destes dinheiros, não poderemos cair numa "armadilha da liquidez”?

11. O “Refinanciamento das instituições de microfinanças, através dos bancos comerciais-linha de crédito bonificada no valor de 1.000MCVE, combonificação dos juros até 80% e a garantia da linha de crédito com aval do Tesouro (180 milhões de CVE) ”, é apenas armadilha da dívida para os pobres. É fazer alguém ganhar dinheiro à custa da miséria humana e da ignorância financeira.

12. Avales, Garantias e Dívidas não contabilizadas

Ao não orçamentar os 12 milhões de dólares de aval à CVA, há claramente uma violação intencional da Lei Orçamental. E os perigos da Contabilidade critiva residem aqui: os avales às empresas púbicas ficam fora doperímetro do Orçamento de Estado. Com a agravante de que a “administração pública deve 948 mil contose as empresas públicas devem 1 milhão e 481 mil contos ao INPS”, e não entra no perímetro da dívida pública.”[i]

Oportunidades Perdidas pelo do Governo

1. A crise é uma oportunidade para se eliminar e reduzir os gastos supérfluos do Estado. O que não foi feito. Houve uma redução de 50% na rúbrica Deslocações e Estadas (- 300 mil contos) por imposição da situação , mas manteve-se um valor alto. Se houvesse possibilidade de viajarem, os gastos manter-se-iam. Segundo o OR 2020, haverá “cortes ou reprogramação de despesas inicialmente previstos no OE, no montante de 2,128 milhões de CVE, com destaque para verbas relativas a deslocação e estadas; recrutamento e promoções e outras despesas de funcionamento que não sejam de caracter obrigatório e cuja execução não se materializará, tendo em conta a restrição na realização de algumas atividades, em face ao contexto atual”. O Governo poderia eliminar: 

a) Na rúbrica Despesa com o Pessoal: a Gratificação Permanente, os Subsídios Permanentes, as Gratificações Eventuais e os outros Suplementos, poupar-se-ia 3,436 milhões de CVE. É de referir que segundo o Ministro das Finanças, Olavo Correia, “dos cerca de 206 mil empregos existentes em Cabo Verde, o sector privado contribui apenas com 80 mil, ou seja, cerca de 39%.”. Por não ter havido lay off no público, deveria haver eliminação dos pontos apresentados a fim de dar alguma equidade de sacrifício laboral.

b) Na aquisição de Bens, se reduzissem pelo menos 30% nas rúbricas: Produtos alimentares[1] (podia-se chegar a 70%), Material de escritórios, Material de Limpeza, Material de Conservação, Combustíveis e Lubrificantes (podia-se até chegar aos 60%), Material de Limpeza, Material de Conservação e Outros Bens, no valor de 1,313 milhão de CVE, poupar-se-ia 394 mil contos.

c) Na aquisição de Serviços se reduzissem pelo menos 30% nas rúbricas: Rendas E Alugueres & Conservação E Reparação (podia-se chegar aos 90%), Comunicações, Transportes, Energia Elétrica, Deslocação & Estadas, Vigilância & Segurança, Limpeza & Higiene, o valor orçamentado é de 2,076 milhões de CVE. Poupar-se-ia 623 mil contos CVE.

d) Nas rúbricas Honório, Assistências Técnicas: A previsão do OR 2020 é de 4119 mil contos. Se reduzirmos este valor em 80%, poupar-se-ia 330 mil contos.

Sem contabilizar outros Gastos como aquisição de viaturas ligeiras, a compra do avião por 600 mil contos, etc., poder-se-ia poupar 4.782 milhões de CVE. Se tivéssemos feito isso desde 2017, neste momento teríamos uma almofada financeira de pelo menos 19 milhões de CVE, que serviam para manter a conta equilibrada, uma vez que se prevê uma queda na receita no OR de 2020 de 18 milhões de contos.

2. A transformação digital na Função Pública, que deve implicar a interação com os cidadãos e as empresas, deveria ser a prioridade número um nos investimentos, em vez de Requalificações urbanas com objetivos eleitorais. Foi preciso a Pandemia, para no OR 2020 “o Governo, na sua política de Governação digital disponibilizar aos país os seguintes entregáveis”:

  • Paylog;

  • Compras públicas eletrónicas;

  • Renovação de Cartas de Condução online;

  • Certificado de autenticidade de cartas de condução online e na hora;

  • Certidões de registo civil (nascimento, casamento, óbito, perfilhação) online e na hora;

  • Certidões Multilingue internacional;

  • Certificado de Registo Criminal online na hora;

  • Transcrições de registro civil online;

  • Pedido de Passaporte Online;

  • Pedido de Cartão de Identificação Online;

  • Entrega de documentos ao domicílio (Grande impacto na diáspora);

  • Chave Móvel Digital de Cabo Verde;

  • Autenticação nos portais da administração pública com CNI e Chave Móvel Digital;

  • Assinatura eletrónica de documentos com CNI e Chave Móvel Digital;

  • Atendimento público por videoconferências;

  • Adoção de inteligência Artificial no processamento dos pedidos dos cidadãos;

  • Interoperabilidade entre os sistemas de informação da administração pública com ganhos de eficiência no atendimento público;

  • Simplificação dos processos de emissão de documentos eletrónicos e redução do tempo de espera;

  • App ID.CV para a desmaterialização de documentos de identificação;

  • Redução do tempo de espera nas missões diplomáticas em 80%;

  • Adoção do Portal Consular de Cabo Verde em todas as emissões diplomáticas para atendimento presencial e online;

  • Programa combate à infoexclusão utilizando nos portais da administração pública.

Umas das promessas no Programa do Governo era: “Serviços públicos on-line dentro do princípio, acesso a qualquer hora, de qualquer lado e para todos”. Devemos questionar o que foi feito nestes quatro anos para a transformação Digital de Cabo Verde na Função Pública?

[i] https://opais.cv/vice-pm-aponta-que-devemos-aprender-a-viver-com-menos/05/05/2020/

[i] https://noticiasdonorte.publ.cv/105569/proposta-do-paicv-para-garantir-a-sustentabilidade-e-regularizar-a-divida-do-inps-chumbada-pelo-mpd/

[1] Em 2015 os valores gastos nesta rúbrica foram de 126.666.237 milhão de CVE. Em 2016 foi de 158.712.286 milhão de CVE. Em 2019 já se encontrava em 371.763.815 milhões de CVE, no OE 2020 a previsão foi de 425,652,326 milhões de CVE, e no OR 2020 é de 422,426,500 milhões de CVE. De 2016 para 2020 houve um aumento de 70%.

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Redação