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O Drama do Ensino Superior em Cabo Verde
Colunista

O Drama do Ensino Superior em Cabo Verde

...é mais assertivo ao Estado, e até mais barato, apostar em criar condições concentradas para o acesso dos cabo-verdianos de todas as ilhas, designadamente, com fortes apostas em bolsas de estudo e nas residências estudantis, bem como a aposta no ensino virtual. Cabo Verde, objetivamente, levando em consideração um conjunto de questões técnicas intrínsecas ao ensino superior, não tem condições para ter mais do que uma Universidade pública. Deste ponto de vista, foi um erro a divisão da Uni-CV (até porque, no plano internacional, a tendência é para fusão e formação de consórcios, visando o reforço da capacidade académica e da competitividade) e é um erro colocar estruturas do ensino superior em várias ilhas. Estou convencido de que não terão condições de sobrevivência e, muito menos, para prestar um ensino superior de qualidade. Não confundamos o ensino superior com o ensino secundário, por amor de Deus!

Desde de 2016, este setor educativo se encontra tolhido ou mesmo se regrediu. Passaram já mais de dez anos que as principais medidas para a sua estruturação, como sistema, foram tomadas e algumas, até, aguardam pela implementação, como é o caso do Regime Jurídico de Acesso e Ingresso ao Ensino Superior. Por “edificar, falta ainda o Regime de Financiamento, e um conjunto de outras ações para robustecer e promover o ensino superior em Cabo Verde, uma peça que não pode faltar, ou falhar, no complexo puzzle do processo de desenvolvimento do país.

Não obstante muitas promessas, a verdade é que a degradação é evidente e, fica-se com a sensação de que é um “parente pobre” perdido nos corredores do Ministério da Educação. Olhando para os Programas do Governo, de 2016 e 2021, nota-se um rosário de promessas, como as que se seguem, mas que aguardam que alguém se lembre delas.

1. Programa de 2016:

·         Promoção da parceria entre instituições do ensino superior, empresas e Estado;

·         O governo assume o compromisso de transformar o ensino superior cabo-verdiano num eixo estratégico para o desenvolvimento do país;

·         Reavaliação dos estatutos do professor e do investigador do ensino superior;

·         Promoção de uma política científica integrada;

·         Criação de condições institucionais para o desenvolvimento da carreira de investigador;

·         Revisão do regime jurídico das instituições do ensino superior e do modelo de organização da UNI-CV;

·         Apoio às instituições de ensino superior, nomeadamente, com facilidades na aquisição de equipamentos e materiais pedagógicos;

·         Dinamização do Fundo de Garantia Mútua como complemento às bolsas de estudo a fundo perdido;

·         Aprovação de prémios de distinção e mérito, nomeadamente, a colocação nas melhores universidades do mundo, com um mínimo de 50 bolsas/ano;

·         Reforço do programa de bolsas de estudo, descriminando positivamente os cursos constantes do plano indicativo coordenado pelo Governo;

·         Desenvolvimento de Centros de Investigação, Desenvolvimento e Inovação;

·         Promoção da Agência da Ciência e da Tecnologia.

2. Programa de 2021:

·         O Governo alinhará o ensino superior nacional com as melhores práticas internacionais;

·         O Governo procederá à reestruturação do Ensino Superior;

·         O Governo procederá à revisão da legislação que regula o Sistema de Ensino Superior;

·         O Governo criará as condições para a consolidação da Universidade Técnica do Atlântico, bem como a construção do Campus Universitário da UTA;

·         O Governo, em diálogo com as IES privadas, definirá um programa específico orientado para melhorar a sustentabilidade económica e financeira das mesmas;

·         O Governo estimulará as universidades a abrirem-se à sociedade e às empresas;

·         O Governo dotará o país de um Estatuto de Professor Universitário e de Investigador (Engraçado! Em 2016, a promessa era de os reavaliar, pois já existem desde 1998 e, em 2021, falou-se em adotar! Creio que é o reflexo da ligeireza, ou da ausência de um pensamento político estruturado e de uma visão clara para o setor);

·         O Governo intensificará e reforçará a diplomacia educativa, científica e tecnológica (Isto parece-me algo confuso!)

 

3. Realidade factual:

Em 2016, o país tinha perto de 13.000 estudantes no ensino superior e, em 2023, passou a ter apenas 9.000, e a tendência é para que neste novo Ano Académico tenha ainda menos. A Uni-CV, que ia a caminho de 6.000 estudantes, agora, tem pouco mais de 3.000. Todas as Instituições do Ensino Superior (IES) estão a perder estudantes. O aperto financeiro é gigantesco e é, provável que algumas fechem as portas, brevemente.

Quando questionado sobre essa diminuição de estudantes no país, o Governo tem dito que eles estão em Portugal. Mas isso é falso! É certo que há mais vistos de estudo, mas os jovens estão a servir-se desses vistos para a emigração, pois, com custos de vida muito elevado em Portugal e sem quaisquer bolsas de estudo, não há como estudar. E tanto é assim que o Governo não consegue dizer em que Universidades eles se encontram.

No entanto, apesar desse quadro desolador, o Governo vem apostando-se na abertura de estruturas de ensino superior nas ilhas, aumentado custos de funcionamento, quando o país acabou de obter um grande Campus Universitário (Uni-CV - Praia) com capacidade para mais de 12.000 estudantes e uma grande Residência Estudantil para 415 estudantes. Uma infraestrutura com ótimas condições, mas correndo o risco de se transformar num fardo para a Administração da Uni-CV, em razão do seu elevado custo de manutenção, face às debilidades financeiras por que passa a Uni-CV, por causa do défice no seu financiamento por parte do Governo.

Os cabo-verdianos de todas as ilhas devem ter acesso ao ensino superior e todos nós devemos defender que isso aconteça, mas em condições que garantam a qualidade. Caso contrário, estaremos a enganar as pessoas. Os cursos do ensino superior, pelas suas exigências, não podem ocorrer-se em qualquer sítio e de qualquer maneira. Não é uma questão de distribuir certificados e graus académicos! Vamos ser sérios e exigentes!

A concentração do ensino superior num ótimo espaço (Universidade) é condição inerente à própria natureza do ensino superior! Não se pode querer ter pequenas estruturas espalhadas pelas ilhas e, ao mesmo tempo, desejar qualidade. Isso não é existe! O ensino superior precisa de: (i) Professores altamente qualificados e estimulados, que atuam em interações (comunidade) e mediante uma forte cultura académica instalada; (iii) bibliotecas diversas e apetrechadas; (iv) múltiplos laboratórios especializados; (v) existência de instituições e organizações diversas em torno da Universidade para aulas de campo, estágios, etc.

Por tudo isto e muito mais, é mais assertivo ao Estado, e até mais barato, apostar em criar condições concentradas para o acesso dos cabo-verdianos de todas as ilhas, designadamente, com fortes apostas em bolsas de estudo e nas residências estudantis, bem como a aposta no ensino virtual. Cabo Verde, objetivamente, levando em consideração um conjunto de questões técnicas intrínsecas ao ensino superior, não tem condições para ter mais do que uma Universidade pública. Deste ponto de vista, foi um erro a divisão da Uni-CV (até porque, no plano internacional, a tendência é para fusão e formação de consórcios, visando o reforço da capacidade académica e da competitividade) e é um erro colocar estruturas do ensino superior em várias ilhas. Estou convencido de que não terão condições de sobrevivência e, muito menos, para prestar um ensino superior de qualidade. Não confundamos o ensino superior com o ensino secundário, por amor de Deus!

De resto, o ensino superior cabo-verdiano reclama por respostas estruturantes do Governo da República, e a Uni-CV, em particular (como joia da coroa, que deve ser), aguarda atenção pelas seguintes questões: (i) aumento do financiamento para, pelo menos, 60% do seu orçamento de funcionamento (neste momento, a contribuição do governo é de 38%; (ii) redução do custo das propinas, de 9.000$00 para, pelo menos, 6.000$00 (é o governo que fixa o valor das propinas na Uni-CV); (ii) criação de condições financeiras para a reclassificação e progressão dos Professores e Funcionários (pendentes há vários anos);  (iv)  criação de condições para o aumento dos salários. É uma vergonha, o salário que um Professor Doutorado recebe na Uni-CV!

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