Continuamos a desperdiçar o que a natureza nos oferece, em vez de transformar isso em oportunidades de desenvolvimento. Além dos desportos náuticos, as modalidades de praia deveriam ter outro tipo de prioridade, com o objetivo de colocar o Sal nos circuitos regionais e, a longo prazo, no cenário mundial. Mundial pode parecer ambicioso, mas é exatamente esse o tipo de ambição que falta quando são pensados os projetos, permitindo que se dê continuidade no futuro. O desporto devia ser encarado como uma verdadeira ferramenta de empoderamento e mobilidade social. É um caminho real para tirar jovens da pobreza e abrir portas para carreiras profissionais, dentro e fora do país. Mas, enquanto continuarmos a tratá-lo como espetáculo ocasional, estaremos a sabotar o próprio futuro de Cabo Verde.
O desporto é uma das bases da responsabilidade social. Serve para moldar o carácter, formar cidadãos e garantir que o elevador social funcione lado a lado com a educação e a cultura. Mas, sem um planeamento a médio e longo prazo e não apenas ações de ocasião para ganhar eleições, esse elevador fica eternamente preso entre andares.
Na Ilha do Sal, e em Cabo Verde em geral, o desporto tem sido vítima de uma ausência total de políticas estruturadas. Multiplicam-se projetos grandiosos no papel, mas o que chega à prática são iniciativas pequenas, desenhadas apenas para mostrar serviço e preencher fotografias de campanha. Enquanto não integrarmos o desporto num sistema educativo sólido, com metas e prazos definidos, estaremos todos os anos a adiar o que poderia ser um dos grandes motores da estabilidade social.
Enquanto os cidadãos que dedicam o seu tempo à formação desportiva não tiverem o devido reconhecimento e continuarem a ser os políticos a colher crédito por aquilo que é obrigação pública, o desporto continuará a tentar “progredir”. Esse técnico não tem garantias de apoio, o que o obriga, muitas vezes, a “bajular” o político para conseguir algum, e em certos casos, contra o seu próprio princípio e caráter. Deveria existir uma lei que regulasse os apoios ao desporto de base, garantindo transparência e liberdade aos técnicos, evitando essa triste perceção de que precisam mendigar para continuar o seu trabalho.
O exemplo do Sal é gritante: a pista de atletismo está num estado miserável, resultado direto da falta de visão estratégica. Em vez disso, a Câmara poderia ter criado um simples circuito ao ar livre, nos arredores do estádio ou noutros locais, garantindo assim condições para a manutenção física da população.
Quanto ao desporto de salão, nada mudou desde 2016. A única intervenção foi trocar o piso do polidesportivo, porque o anterior estava impraticável. Mas o novo também não garante condições para receber seleções nacionais, o que continua a limitar o Sal a competições internas e nunca a eventos de nível internacional. No futebol, o cenário é idêntico: o estádio de Djidjuca foi “renovado” há cinco ou seis anos e continua em obras, sem data para conclusão.
As competições femininas, por sua vez, estão a degradar-se a um ritmo preocupante. Em várias modalidades, as equipas desaparecem por falta de apoio, de visibilidade e, sobretudo, de espaços adequados para treinar e competir. Não há programas específicos que garantam a continuidade e o desenvolvimento do desporto feminino, nem estratégias a médio prazo que permitam corrigir essa desigualdade estrutural. É como se o talento das mulheres fosse um luxo secundário, quando devia ser uma prioridade na construção de um sistema desportivo verdadeiramente inclusivo.
Em quase uma década de mandato, esta Câmara não concluiu um único projeto desportivo com início, meio e fim que resolvesse de forma definitiva as necessidades das modalidades locais. O número de equipas aumenta, não pelas políticas públicas, mas por esforço próprio e os campos continuam insuficientes. Falta planeamento, falta estratégia e, sobretudo, falta vontade de pensar o desporto como parte de um sistema mais amplo, que inclua transportes, educação e saúde.
Agora fala-se em colocar uma pista de atletismo no estádio de Djidjuca. Mais uma decisão improvisada que repete o erro de sempre: em vez de criar uma estrutura própria e funcional, sacrificam a pista dos Espargos, já degradada, para construir outra em Santa Maria. Tira-se de um lado para tapar o buraco do outro.
Se existisse um sistema de transporte público eficiente, um único recinto dedicado ao atletismo seria suficiente e bem aproveitado. Mas, como não há, a solução acaba por ser mais um remendo disfarçado de progresso, com a provável duplicação de investimentos num futuro próximo.
No estádio Marcelo Leitão, por exemplo, atletas, cidadãos e equipas de futebol partilham o mesmo espaço. Já houve incidentes graves, como o caso de um corredor atingido por uma bola, que precisou de ser reanimado. Parece que só quando acontecer uma tragédia se tomará uma decisão séria.
Mesmo depois da queda de um dos projetores e da promessa de substituição da iluminação no primeiro semestre, chegámos a outubro e continuamos à espera. Será que estamos à espera de um incidente grave?
Em Cabo Verde, é sempre assim: esperamos o pior para agir. E o desporto, que devia ser parte da solução, continua a ser tratado como passatempo de campanha como o caso do polivalente de Cascais, possível cobertura apenas para “mostrar obra”, sem resolver nada de estrutural no desporto de salão.
Continuamos a desperdiçar o que a natureza nos oferece, em vez de transformar isso em oportunidades de desenvolvimento. Além dos desportos náuticos, as modalidades de praia deveriam ter outro tipo de prioridade, com o objetivo de colocar o Sal nos circuitos regionais e, a longo prazo, no cenário mundial. Mundial pode parecer ambicioso, mas é exatamente esse o tipo de ambição que falta quando são pensados os projetos, permitindo que se dê continuidade no futuro.
O desporto devia ser encarado como uma verdadeira ferramenta de empoderamento e mobilidade social. É um caminho real para tirar jovens da pobreza e abrir portas para carreiras profissionais, dentro e fora do país. Mas, enquanto continuarmos a tratá-lo como espetáculo ocasional, estaremos a sabotar o próprio futuro de Cabo Verde.
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