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Incidência da COVID-19 na Aprendizagem. Carta Aberta (II) ao Ministro da Educação   
Colunista

Incidência da COVID-19 na Aprendizagem. Carta Aberta (II) ao Ministro da Educação  

Sr. Ministro, esta é a minha segunda “carta aberta” dirigida a si. Aliás, V. Ex.cia é único Ministro da Educação do meu país a quem já me dirigi por duas vezes, num espaço de menos de seis meses. A primeira carta foi para lhe felicitar e deixar-lhe algumas sugestões e alerta. Entretanto, desta feita, sou obrigado a discordar consigo em relação à sua apreciação respeitante à interferência da pandemia covid-19, nos resultados das aprendizagens - Ano Letivo 2020/2021.

Não acredite em nada que você ouve e em metade do que você vê.”

                                         Edgar Allan Poe

 

Hás dias, li num dos jornais da praça, uma reportagem em que o senhor Ministro (em jeito de balanço) afirma que "a Covid não teve incidência negativa nas aprendizagens" (sic).

Antes de eu avançar, é bom que os leitores saibam o conceito de "incidência": segundo o dicionário, a palavra incidência significa, nomeadamente, “característica daquilo que afeta ou produz efeitos sobre algo ou alguém (...)”. Na qualidade de professor e pai, eu achei muito estranha, intempestiva e precipitada essa sua conclusão, uma vez que em todas as escolas, os docentes ainda estão em plena reunião de avaliação. Portanto, ninguém sabe ao certo, a real incidência da Covid-19, na aprendizagem. Daí, eu pergunto: como é que V. Ex.cia conseguiu os dados para chegar a tal conclusão? Que técnicos e/ou assessores lhe forneceram os dados estatísticos?

Eu, pessoalmente, tenho razões suficientes para afirmar que a COVID-19 teve incidência muito negativa, ou seja, afetou e de forma negativa o ensino-aprendizagem, pelo menos aqui no Liceu Amílcar Cabral, pelas seguintes razões:

1.      As turmas foram divididas em dois grupos, sendo as aulas reduzidas a 50% e o tempo para cada aula foi reduzido para 40 minutos. Houve disciplinas em que os alunos só conseguiram ver o professor, apenas duas vezes por mês.

2.      Somente 50% dos conteúdos foram trabalhados e os que foram passados como trabalho de casa, a maioria dos alunos não o fez, justificando falta de meios (aqui abriria um parêntese para questionar: qual será a percentagem dos conteúdos assimilados, pelos alunos?);

3.        O uso da máscara teve incidência muito negativa na sala de aula, na transmissão dos conteúdos. Quem é ator (sobretudo de teatro), sabe o poder da expressão facial na transmissão das mensagens. E um professor deve ser, antes de tudo, um excelente ator;

4.      Houve interrupções letivas em muitas salas por causa do surto da pandemia, no seio de professores e alunos;

5.      Não consegui conhecer 70% dos meus alunos, por causa do uso obrigatório de máscara, na escola;

6.      O aproveitamento global, em todas as minhas turmas, nunca foi tão baixo, comparando com os anos anteriores (aqui nem vou fazer referência às disciplinas de Física e Matemática);

7.       Os alunos que concluíram o 12° ano, vão ter problemas sérios no ensino superior, já que metade dos conteúdos não foi trabalhado; 

8.       Eu e os meus colegas, aqui do liceu, nunca recebemos qualquer visita de algum técnico do ME, durante o ano letivo findo para se inteirar do funcionamento das aulas. Apenas recebemos “orientações” e “ordens superiores” para aplicarmos na sala de aula.

Pelo exposto, eu não posso afirmar nem concordar que “a covid-19 não teve incidência negativa nas aprendizagens”. Ademais, se nos países mais ricos do mundo, a pandemia afetou seriamente o ensino, como é que Cabo Verde pode ser uma exceção?

Assim, devo dizer que fiquei um pouco desiludido com V. Ex.cia, uma vez que eu achei que deveria (no mínimo) encomendar um estudo/inquérito prévio sobre o assunto, auscultando toda a comunidade educativa, antes de tirar qualquer conclusão. 

P.S. O Sr. Ministro, logo que foi nomeado, iniciou uma corrida contra o tempo, visitando muitas escolas e dialogando com os professores, deixando uma percepção de que a sua gestão seria diferente. Ainda continuo a acreditar que V. Ex.cia pode ser e fazer muito diferente da sua antecessora.

Já agora deixo-lhe um conselho: não acredite em todas as informações recebidas dos seus colaboradores diretos e, sempre que puder, procure auscultar os professores.

Saudações Pedagógicas

 

Assomada, 30 de junho de 2021

Adalberto Teixeira Varela

Professor do Ensino Secundário

 

 

 

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