A detenção do ex-governante e ex-bastonário da Ordem dos Advogados esta quarta-feira deixou o país inteiro em estado de choque. E não era para menos. Arnaldo Silva, uma figura bem conhecida e que até foi condecorado pelo presidente da República no passado 5 de Julho, está indiciado por burla qualificada, corrupção activa, falsificação de documentos, falsidade informática e lavagem de capitais. Crimes gravíssimos que dada a sua influência e pessoas com quem se relaciona levam a prever uma erosão grossa sobretudo na classe política.
Esta é, na verdade, a questão mais importante pós-detenção de Arnaldo Silva: quem virá a seguir? O Ministério Público conta levar à justiça mais seis indivíduos, que não revela nomes. Mas toda gente já tem uma ideia de que pessoas se tratam mas que a prudência e o respeito pelo princípio de presunção de inocência nos obriga a ficar calados. Seja como for, a segunda parte deste processo - a identificação e eventual detenção de outras pessoas do meio político, empresarial, da administração pública e do submundo do crime organizado - é que mais interesse terá, sobretudo porque irá mostrar se, de facto, a Justiça deixou de estar manietada e politizada e, principalmente, por poder revelar aos cabo-verdianos quem e quem teceu, directa e indirectamente, esta enorme teia de corrupção - espero o mesmo defecho em relação ao Fundo do Ambiente que, estranhamente, mofa nas gavetas.
Nota: essa rede a que Arnaldo Silva pertencerá, e a que o Mnistério Público chama de associação criminosa, também está sob acusação de lavagem de capitais. Ora, o dinheiro lava-se quando tem origem ilícita, seja através do tráfico de droga, pessoas, armas seja no negócio de peles. Sem titubeio, a primeira hipótese é a que se nos afigura mais aceitável, conhecendo as dinâmicas de enriquecimento rápido nestas ilhas e os laços comestíveis existentes com os poderes públicos e privados.
Portanto, mais do que a detenção em si de Arnaldo Silva (posto sob TIR, com interdição de sair do país e de contactar os outros suspeitos) este processo promete desmascarar gente antes insuspeita e fazer ruir um certo status quo na sociedade cabo-verdiana e praiense em particular. Logo, o antigo bastonário é apenas a parte hoje visível de um lamaçal encoberto há anos. E já se viu que há lodo neste cais.
As ligações deste caso à política estão forçosamente explicítas. Quer queiramos quer não, os cabo-verdianos sabem unir os pontos e facilmente encontrar o fio à meada. Mas foi, convenientemente, a defesa do ex-bastonário primeiro a levar o assunto para esse campo. José Manuel Pinto Monteiro veio a público apontar o dedo ao Procurador geral da República acusando-o de liderar um processo "com motivações políticas", com o objectivo de atacar o presidente da Câmara Municipal da Praia em 2014: o actual primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva. Bem, a chegar a este nível isto será um tiro de canhão do MP ou então uma bala perdida que poderá atingir quem menos se espera.
Cá para mim este é mais um esquema, já conhecido, de resto, para condicionar a justiça e inibir o judiciário de exercer o seu papel. Sim porque é este mesmo Ministério Público que, por exemplo, acusou o advogado Amadeu Oliveira, que foi julgado pelo mesmo juiz que ouviu Arnaldo Silva (Alcides Andrade) num processo em que José Manuel Pinto Monteiro é advogado de acusação e agora é advogado de defesa. A favor do sistema e contra o sistema, quando convém. Curioso é que Pinto Monteiro utiliza a mesma ferramenta (comunicação social) que antes criticara a Amadeu Oliveira.
Tenho que concordar, entretanto, com Pinto Monteiro quando questiona a seriedade do MP ao deter uma pessoa sem apresentar os factos e motivos de tal detenção. Caricato também é o facto de Arnaldo Silva ter sido impedido de contactar os outros suspeitos sem que o MP tenha identificado perante o arguido quem são eles. Outrossim, julgo que o Ministério Público terá falhado ao não levar junto com Arnaldo Silva os outros suspeitos. Porque acusar alguém de associação criminosa implica haver parceiros no crime, os quais entretanto não foram sequer ouvidos ainda. Talvez isso justifique o TIR aplicado pelo juiz, porquanto, em circunstâncias normais, ser acusado de pertencer a uma organização criminosa e branqueamento de dinheiro, poderia ter como consequência óbvia a prisão preventiva e, acto contínuo, o congelamento de contas bancárias. Insuficiência de provas? Ou, afinal, esta montanha criada pelo MP irá parir ratos? Os próximos capítulos dirão.
De todo o modo, e a meu ver - porque reivindico maior transparência na Justiça em Cabo Verde -, a Procuradoria Geral da República deu sinais, com a detenção de Analdo Silva, de que não se sente intimidada por toiros enraivecidos, pelo contrário, abriu o peito diante daqueles que sempre desafiaram o sistema, como autênticos manda-chuvas, esquecendo não raras vezes o que aprenderam nos bancos da escola: dura lex, sed lex.
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