Carlitos, o pescador!
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Carlitos, o pescador!

Carlitos foi meu colega de carteira na turma da terceira classe, do tempo em que não tínhamos sapatos para a escola e se calhasse a sorte de ter um padrinho emigrado que trouxesse um par pró Natal, era para ir à Missa e depois ficava guardado até já não caber nos nossos pezinhos que não paravam de crescer, isto para os sapatos não se estragarem.

Nossos calções, quase sempre remendados na região das nádegas, não escondiam a pobreza e a simplicidade, sem tirar a nossa felicidade. Importava mesmo estar de barriga cheia, ter um tecto, o aconchego e a amizade. Carlitos, tinha muitas dificuldades com a aprendizagem e mesmo quando o deixava copiar nas provas, não conseguia ler quanto mais escrever. E assim, o tempo foi se passando e nos tornamos mais crescidinhos, mas meu coleguinha de carteira já não ia à escola, agora só pensava em brincar com os peixinhos na lagoa que se enchia sempre que a maré subia. Tinha até aprendido a fazer barquinhos de lata e cercava os cardumes com pedaços de redes velhas que os pescadores deixavam na praia. Mas, uma coisa é certa: Carlitos é muito mais feliz agora do que quando estudava! Este era seu mundo. Carlitos nasceu para ser pescador e não queria saber de mais nada.

Em pouco tempo já se fazia ao mar nos botes que coloriam nossa baía, claro, acompanhado p’los pescadores mais experientes que de remos em mãos, punhos impregnados, dedos marcados pelo corte de navalhas e cicatrizes dos fios de pesca, retiravam seu sustento do mar, pescando e vendendo o saboroso peixe que alimenta nosso povo e faz crescer nossas crianças. Nosso mar era rico –conta Carlitos agora que cresceu e se tornou pescador profissional – o cardume vinha até à praia e os peixes de fundo abundavam nos pesqueiros próximos da nossa costa.

Hoje em dia, tudo é diferente, porque antes éramos poucos a pescar, portanto, havia menos pressão sobre os recursos disponíveis no mar, mas, a situação hoje é outra. Além dos botes e barcos semi industriais da frota nacional, o nosso país celebrou acordos de pesca com comunidades económicas e países desenvolvidos que tem tecnologias muito avançadas de captura que desestabilizam nosso sistema natural, alterando o ciclo que envolve os grandes peixes que se alimentam dos mais pequeninos … e nós os homens filhos da terra?

Agora também fiquei curioso, querendo saber mais sobre esta expêriencia do meu amigo que já não é mais criança e conhece muito bem nossos mares e sofre com a redução da população da biodiversidade marinha. Então pedi-lhe que continuasse a explicação, porque eu por mais que tenha estudado, não tenho a vivência e prática no mar; e assim continuou, sem antes deixar de questionar: Sabias que os cardumes que veem às baías para se abrigarem e reproduzirem, fogem do ataque de predadores maiores como o atum, os tubarões e as baleias? Pois, os grandes navios que pescam estes grandes peixes no mar alto, interrompem este ciclo e assim nós pescadores que só podemos navegar no limite das 3 milhas marítimas da costa, não temos peixe, precisamente porque os peixes pequenos, como a cavala, a melva, o chícharo, a cachorrinha e outros, já não são perseguidos por seus predadores, portanto não tem necessidade de formar cardume para se defenderem e abrigarem-se mais perto da costa onde nós os possamos pescar.

Mas, as baleias também sofrem, porque quando chegam famintas aos nossos mares e se posicionam nas zonas de caça, acabam por ser arrastadas para as praias quando não encontram comida e no limite das suas capacidades, não resistem à força do mar e acabam encalhadas. Preocupado, pergunto a Carlitos, o que podemos fazer para salvar nosso mar e continuar a garantir o sustento de nossas gentes? Cansado de mais um dia de pesca e sem apanhar nada hoje, meu amigo pescador, simplesmente disse: Amanhã tenho que levantar-me às quatro horas para tentar minha sorte e ver se consigo apanhar algum peixe e se não te importas, continuamos esta conversa depois...

Prometo contar-te tudo o que sei… Disse Carlitos, enquanto afrouxava seu chapéu queimado pelo sol e passava sua mão pela testa, querendo limpar a salmoura que riscava-lhe pelo rosto abaixo

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