A reforma do modelo autárquico não é apenas uma questão de austeridade, mas de justiça, transparência e eficiência. Para isso, é necessário um esforço conjunto da sociedade civil, das autoridades judiciais e dos próprios líderes políticos, que devem demonstrar um compromisso genuíno com a ética e o bem-estar público. Afinal, o país não pode suportar indefinidamente o luxo de eleições dispendiosas e uma administração local marcada por privilégios e ineficiências. O futuro de Cabo Verde depende de escolhas mais responsáveis e sustentáveis.
Cabo Verde é um país com limitações económicas severas, onde setores essenciais como saúde, educação e infraestrutura ainda enfrentam desafios significativos. Apesar disso, as campanhas para as eleições autárquicas são marcadas por uma ostentação preocupante. Shows, publicidade em massa, distribuição de brindes e promessas exageradas compõem um espetáculo que mais parece desproporcional às realidades locais. O professor britânico Colin Crouch, conhecido por suas análises sobre democracia e desigualdade, observa que "campanhas políticas ostentosas em países com recursos limitados são um reflexo de prioridades distorcidas e uma desconexão entre líderes e cidadãos" (Crouch, 2011).
Essa desconexão em Cabo Verde é evidente na disparidade entre os gastos eleitorais e a condição precária das comunidades que os candidatos prometem servir. Para muitos cidadãos, é incompreensível como os recursos fluem generosamente durante as campanhas, mas se tornam escassos após a contagem dos votos.
A Origem dos Recursos: Uma Caixa Preta
Uma questão central é a proveniência dos recursos que financiam essas campanhas. Em um país sem uma economia robusta e com um setor privado limitado, a suspeita de envolvimento de financiadores externos ou práticas ilegais é inevitável. O jurista e professor espanhol Joaquín García Roca destaca: "A falta de regulamentação clara sobre o financiamento de campanhas eleitorais abre portas para práticas corruptas que, ao longo do tempo, deslegitimam todo o sistema político" (Roca, 2018).
Cabo Verde ainda carece de um mecanismo eficaz para rastrear e regulamentar as fontes de financiamento eleitoral. Essa falha estrutural não apenas compromete a transparência, mas também perpetua um ciclo vicioso de dependência financeira e influências externas. A ausência de investigações robustas por parte das autoridades judiciais sobre esses recursos reforça a percepção de impunidade e desconfiança no sistema.
Fortunas Acumuladas e Mordomias Excessivas
Outro aspecto alarmante é o enriquecimento de presidentes de câmaras e outros líderes autárquicos durante seus mandatos. Embora muitos defendam que essas posições exigem dedicação e trabalho árduo, a disparidade entre os salários oficiais e o patrimônio acumulado por alguns líderes gera suspeitas legítimas. O professor americano Thomas E. Mann, autor de The Broken Branch: How Congress is Failing America and How to Get It Back on Track, observa que "o acúmulo de riqueza pessoal em cargos públicos, sem uma supervisão adequada, é um dos principais indicadores de um sistema político capturado por interesses privados" (Mann, 2006).
Em Cabo Verde, as denúncias sobre o uso de recursos públicos para benefícios pessoais de autarcas não são novas, mas continuam sem resposta. Essa realidade reforça a necessidade de mecanismos de controle mais rigorosos, incluindo auditorias periódicas e maior envolvimento da sociedade civil na fiscalização.
Simplificar as Eleições e Reformar as Autarquias
As eleições autárquicas, pela sua natureza, deveriam ser simples e de baixo custo, focadas em propostas concretas e soluções práticas para os problemas locais. No entanto, a lógica das campanhas em Cabo Verde transformou essas eleições em competições dispendiosas, que desviam recursos valiosos de prioridades mais urgentes.
O professor português António Costa Pinto ressalta que "reformas na administração local, incluindo a racionalização das eleições e a redução de privilégios, são essenciais para preservar a legitimidade democrática e evitar o desperdício de recursos públicos" (Costa Pinto, 2020). Em Cabo Verde, isso significa repensar o modelo das autarquias, promovendo um sistema mais austero, eficiente e orientado para resultados.
Entre as medidas necessárias estão a redução dos gastos de campanha, a introdução de limites claros para doações e despesas eleitorais e a criação de mecanismos de controle para garantir a transparência. Além disso, é crucial reformar o sistema de financiamento das autarquias, para que estas se tornem menos dependentes de repasses do governo central e mais autossuficientes.
O Papel das Autoridades Judiciais
A inércia das autoridades judiciais em investigar irregularidades no financiamento de campanhas e no enriquecimento ilícito de líderes autárquicos é um fator que agrava a situação. O professor americano Lawrence Lessig, especialista em direito e ética pública, argumenta que "a ausência de responsabilização por crimes financeiros na política cria um ciclo de impunidade que enfraquece a confiança pública nas instituições" (Lessig, 2011).
Em Cabo Verde, o Ministério Público e outras instituições responsáveis precisam ser fortalecidos para atuar de forma independente e eficaz. Isso inclui a criação de unidades especializadas para investigar crimes eleitorais e a imposição de sanções severas para candidatos e partidos que violarem as regras.
O cenário das eleições autárquicas em Cabo Verde exige uma reflexão profunda e medidas corretivas urgentes. Não é sustentável que um país com tantos desafios económicos e sociais continue a gastar recursos exorbitantes em campanhas eleitorais que, muitas vezes, servem mais a interesses individuais do que ao bem coletivo. Como enfatiza o professor britânico Colin Crouch, "a democracia só prospera quando está alinhada com as necessidades e aspirações reais de seus cidadãos". Em Cabo Verde, é hora de alinhar as práticas eleitorais e a administração local com a realidade e os interesses da população.
A reforma do modelo autárquico não é apenas uma questão de austeridade, mas de justiça, transparência e eficiência. Para isso, é necessário um esforço conjunto da sociedade civil, das autoridades judiciais e dos próprios líderes políticos, que devem demonstrar um compromisso genuíno com a ética e o bem-estar público. Afinal, o país não pode suportar indefinidamente o luxo de eleições dispendiosas e uma administração local marcada por privilégios e ineficiências. O futuro de Cabo Verde depende de escolhas mais responsáveis e sustentáveis.
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