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Análise de um Vereador não jurista sobre o Estatuto dos Municípios
Colunista

Análise de um Vereador não jurista sobre o Estatuto dos Municípios

Mas, o número 3, do artigo 81.º, diz que “as competências referidas no número que antecede [número 2, alíneas a) à m)] são exercidas sob proposta da Câmara Municipal”. Resumindo: Cabe a Câmara escolher/estabelecer o número de Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo bem como a remuneração a que têm direito, cabe ao Presidente escolher dentro dos números, que Vereadores ou quais serão os Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo e as suas competências e cabe a Assembleia Municipal aprovar ou não o número de Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo, bem como a remuneração a que têm direito, num número nunca inferior a Cinco, como determina o artigo 62.º do Estatuto dos Municípios.

                                                                            I
1. Há um défice enorme de discussão livre no País sobre situações e assuntos sérios. Na minha humilde opinião, criou-se uma falsa interpretação de que o Presidente da Câmara tem o poder absoluto, e assim ficou o mito. A discussão deve ser centralizada sobre o que deve ser feito ou àquilo que tem sido a prática? Iremos legalizar as práticas não consagradas na Lei e no Estatuto, em nome de uma prática ilegal? O principio que tem estado a ser aplicado e repetido várias vezes na CMP, é de que “tudo aquilo que não está expressamente proibido, pode ser feito”. Quando é assim, os regulamentos administrativos que regulam o funcionamento, os poderes, as competências etc, despareçam e ficam ilegalmente concentrado na hierarquia superior (não existindo estatuariamente na Câmara entre os eleitos e os órgãos), criando uma cultura organizacional de chefe, ditatorial e “Presidencial”. O nosso estatuto é equilibrado e democrático, conseguindo bloquear a tentativa de Presidenciar a Câmara por parte de ditadores disfarçados de Padres.

2. Segundo o artigo 45º do Estatuto dos Municípios, o mesmo contempla três órgãos:  a Câmara (eleita) como órgão executivo colegial e com as suas competências, a Assembleia Municipal (eleita) como órgão deliberativo e com as suas competências, e o Presidente (não eleito) como órgão executivo singular com as suas competências, não tendo definida nenhuma hierarquia de poder nos órgãos.

 

3. A Câmara enquanto órgão eleito não pode ser analisado como se fosse um regime Presidencialista, esvaziando as suas competências deliberativas emanadas do voto colegial. As pessoas não votam num presidente, mas numa equipa executiva colegial, em que a cabeça de lista assume-se como Presidente. Embora seja a prática, a quem defenda que o correto, seria os Vereadores eleitos a escolherem o Presidente do Órgão (Câmara). Em Portugal, o artigo 57.º, número 1, é claro: “É presidente da câmara municipal o primeiro candidato da lista mais votada (…).”

 

4. No regime jurídico das Autarquias Locais de Portugal, as competências materiais da Câmara (artigo 33.º) foram deixadas dentro da Secção III - Câmara municipal, assim como as competências do Presidente (artigo 35.º). Em Cabo verde a preocupação, no meu entender, foi proteger o voto colegial e a democracia dentro da Câmara, criando um órgão não eleito, à parte (o Presidente) onde determinaram as suas “competências exclusivas.”


5. Se um Vereador recusar o pelouro proposto pelo Presidente sem a aprovação da Câmara, que consequência terá enquanto eleito Municipal? Em que artigo do Estatuto pode - se basear para determinar que consequência terá um Vereador que recusar ser profissionalizado pelo Presidente?

 

Resposta: nenhuma. A recusa de cargos ou funções de um Vereador pela proposta do Presidente não tem efeito jurídico, porque a afetação de Pelouros é da competência da Câmara. Basta analisar o artigo 59.º , número 1, alínea a) à g).

 6. O artigo 88.º determina que “quando as necessidades da gestão municipal o justifiquem, poderá a Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara, fixar o número de Vereadores (permanentes)  que exercem funções a tempo inteiro ou a meio tempo e estabelecer a sua remuneração, que não pode ser, em caso algum, igual ou superior à do Presidente da Câmara”. Portanto, pode-se profissionalizar Vereadores, sem depender do Presidente desde que a Assembleia Municipal aprove, e sob a proposta Câmara.

 

II


PELOURO VERSUS COMPETÊNCIA

 

1.    A perceção que tenho é que os Presidentes das Câmaras em Cabo-verde leem o Estatuto dos Municípios de Cabo –verde e interpretam o regime jurídico das Autarquias Locais de Portugal. Não existe diferença entre Pelouro e Competência?

 

2.    O pelouro é “cada uma das áreas de serviços em que é possível dividir a administração de uma câmara municipal”. O artigo 92.º, número 2, alínea e) diz que “compete a Câmara organizar os serviços municiais, fixar os respetivos quadros de pessoal e estabelecer as normas necessárias ao seu bom funcionamento. O B.O. n.º 56 de 18 de Novembro de 2016, PARTE G, nº 47/2106, aprovou o regulamento Orgânico da Camara Municipal da Praia, revogando no seu n.º 2, a Deliberação nº 27 /2012. Na Câmara, até a aprovação da nova orgânica, mantém-se a de 2016.

 

3.     O art.º 93 do Estatuto dos Municípios determina que a Câmara Municipal “organiza-se em pelouros, em função das necessidades objetivas do Município”:

 

a)   Se a competência da organização dos serviços (pelouros) é da Câmara, como pode o Presidente mexer /distribuir os Pelouros? A “ratxação” por parte do Presidente das Direções aprovadas na Orgânica da CMP, é um acto que viola as competências da Câmara.”

 

b)   Porquê se chegou a conclusão que o Presidente pode decidir sozinho num órgão colegial, uma competência exclusiva da câmara?

 

4.    É de realçar que nem o artigo 98.º, número 1, alínea k) da competência do Presidente e nem o artigo 81.º, número 2, alínea g) da competência da Assembleia Municipal, fala sobre a aprovação dos Pelouros, precisamente porque é da competência da Câmara. Obrigatoriamente, o Presidente terá que reunir-se com a Câmara para a aprovação da afetação dos Pelouros, antes de ir para a Assembleia.

 

 

5.    No artigo 34.º do regime jurídico dos Autarquias Locais de Portugal, a Câmara pode delegar algumas competências ao Presidente. Em Cabo Verde, nunca foi oficializada esta delegação porque sempre houve maioria absoluta, pelo que o Presidente, intuitiva e politicamente é o representante político-partidário máximo, acaba açabarcando ilegalmente as competências da Câmara. Mas isto não significa que não houve concertação prévia e aceitação sobre a afetação dos Pelouros na reunião ordinária da Câmara. Ler um Despacho e tomá-lo como sendo a prática jurídica legal, ignorando procedimentos que colmatou com a sua criação, é uma assessoria jurídica irresponsável e incompetente.

              

6.    O artigo 81.º, número 2, alínea g) diz-nos que é da competência exclusiva da Assembleia Municipal “aprovar o número de Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo, bem como a remuneração a que têm direito”, e o artigo 98.º, número 1, alínea k) diz que “compete ao Presidente escolher os Vereadores a tempo inteiro ou a meio tempo e estabelecer as suas competências”, e o número mínimo de Vereadores ficou estipulado no artigo 62.º do Estatuto dos Municípios.

 

7.    E se estivesse escrito assim: “compete ao Presidente escolher os Vereadores a tempo inteiro ou a meio tempo e estabelecer as competências”, podemos deduzir que esta (suas) refere-se à delegação das competências aos Vereadores ou a delegação das competências do Presidente para os Vereadores?

 

8.    Se analisarem o Despacho nº 64/2016 de 20 de Outubro, os Despachos nº 64-68/2020 de 4 dezembro, publicados nos Boletins Oficiais n.º 56 de 18 de Novembro de 2016 e no nº 176 de 17 de Dezembro de 2020, que delega as competências aos Vereadores, é taxativo os artigos (competências do Presidente) delegados:

 
a) O n. º1 do artigo 98.º, alínea c) e d), o número 2 do artigo 98.º, alínea d) - da competência do Presidente, conjugado com os art.º 101º, número 1, do Estatuto dos Municípios, que diz que o” Presidente da Câmara Municipal poderá delegar ou subdelegar nos Vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada.” Quais são as competências próprias do Presidente, quais e quando foram delegadas, aos Vereadores, e por qual órgão?

 

9.    O Presidente da CMP pode estar aliciado conscientemente pelo seu muito usado número 3, do artigo 98.º que determina que “compete ainda ao Presidente da Câmara Municipal praticar actos da competência da Câmara Municipal sempre que circunstancias excecionais o exijam e não seja possível reuni-la extraordinariamente, devendo ser invocada essa circunstância e fi cando os actos praticados sujeitos à ratificação expressa na primeira reunião ordinária seguinte da Câmara Municipal.”

 

10.  Mas, o número 3, do artigo 81.º, diz que “as competências referidas no número que antecede [número 2, alíneas a) à m)] são exercidas sob proposta da Câmara Municipal”. Resumindo: Cabe a Câmara escolher/estabelecer o número de Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo bem como a remuneração a que têm direito, cabe ao Presidente escolher dentro dos números, que Vereadores ou quais serão os Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo e as suas competências e cabe a Assembleia Municipal aprovar ou não o número de Vereadores a tempo inteiro e a meio tempo, bem como a remuneração a que têm direito, num número nunca inferior a Cinco, como determina o artigo 62.º do Estatuto dos Municípios.

 

11. Enquanto que no artigo 58.º número 1, do regime jurídico dos municípios de Portugal diz que “compete ao presidente da câmara municipal decidir sobre a existência de vereadores em regime de tempo inteiro e meio tempo e fixar o seu número, e o número 4 diz que” cabe ao presidente da câmara escolher os vereadores a tempo inteiro e a meio tempo, fixar as suas funções e determinar o regime do respetivo exercício”, e não precisa da aprovação da Assembleia Municipal.

 

12. Em Cabo-verde, o Legislador deu competência à Assembleia Municipal a prerrogativa da aprovação dos números de Vereadores profissionalizados, sob a proposta da Câmara com o intuito de:

 

a)   Garantir que o Vereador não perca a sua capacidade de eleito Municipal; o Presidente ao escolher os Vereadores   e  caso  queira fazer qualquer mudança por birra ( seja aumentando ou diminuindo o número de Vereadores profissionalizados), sem a aprovação da Assembleia que revoga a sua decisão anterior, fosse ilegal;

b)   Salvaguardar a tentativa de pessoalização, presidencialização, personificação etc, do voto colegial, evitando assim a criação de Vereadores sim senhor do Presidente. Na situação atual, esta prerrogativa da necessária aprovação da Assembleia Municipal, permite que o Presidente não possa querer profissionalizar os Vereadores que satisfaçam todos os seus perversos caprichos, mesmo os ilegais, conjugado com o artigo 88.º do Estatuto dos Municípios. É uma forma democrática de exigir negociações/consensos à Troika.

 

13.  Os despachos Presidências, as ordens de serviços, as desprofissionalização por meio de Despachos do Gabinete do Presidente, as decisões folclóricas e populistas (sem efeito racional, económico e financeiro) etc, serão confrontadas com a realidade jurídica.

 

Samilo Moreira

 

Vereador de Infraestruturas e Transportes da CMP

 

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