"Amílcar Cabral alargou o seu conceito de não alinhamento às cisões e dissensões político-ideológicas verificadas no vasto campo socialista como resultado do conflito sino-soviético, recusando-se, apesar de muito assediado, a fazer alinhar o PAIGC com qualquer das partes em acérrimo conflito político-ideológico e a assumir as respectivas perspectivas teóricas, ideológicas e doutrinárias e protagonizadas designadamente por Mao Tsé Tung e pelos seus apoiantes da extrema-esquerda revolucionária mundial, por um lado, e, do lado oposto, por Nikita Krushev e pelos partidos comunistas tradicionais, considerados pelos respectivos adversários radicais de esquerda como revisionistas, reformistas e capitulacionistas, por o mesmo dirigente soviético e os seus apoiantes terem ousado denunciar e condenar, em 1956, num Relatório Secreto apresentado ao XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), o culto de personalidade a Joseph Estaline e os seus considerados hediondos crimes".
(Continuação do artigo A VISÃO PAN-AFRICANISTA E NÃO-ALINHADA DE AMÍLCAR CABRAL E A ACTUAL SITUAÇÃO DA ÁFRICA E DO MUNDO, Á LUZ DE ALGUNS RELEVANTES FACTOS DA ACTUALIDADE do mesmo autor e publicado por Santiago Magazine no dia 3 de Novembro)
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A VISÃO NÃO-ALINHADA DE AMÍLCAR CABRAL
2.1. É no quadro da Guerra Fria e da existência de dois grandes blocos político-militares no mundo, um, o do campo socialista liderado pela União Soviética, tendo a Coreia do Norte, o Vietnam do Norte e Cuba como aliados próximos, senão protegidos, mas deixando de fora da sua órbita e da sua influência a República Popular da China, a Albânia e a Jugoslávia, e outro, o do campo ocidental ou dos países capitalistas industralizados e desenvolvidos liderados pelos Estados Unidos da América, mas deixando de fora países neutros como a Suécia, a Suíça, a Finlândia e a Áustria, que Cabral formulou a sua teoria do não alinhamento activo e que, extravasado para a política externa do PAIGC, assentava no princípio da “independência de pensamento e acção” e no axioma “pensar pelas nossas próprias cabeças e andar com os nossos próprios pés”. No quadro e no contexto geopolíticos mundiais prevalecentes na altura, Amílcar Cabral considerava, à semelhança, aliás, da grande maioria dos teóricos marxistas e revolucionários, que o campo socialista, o movimento operário internacional e os movimentos de libertação nacional da África, da Ásia e da América Latina eram aliados naturais na sua luta contra o imperialismo e a dominação imperialista. Tal axioma político ficou comprovado no facto de o grosso do apoio político-militar, logístico e diplomático à luta político-armada e diplomática do PAIGC contra o colnialismo português ter tido como proveniência a União Soviética e os países seus satélites e aliados no campo socialista, como a Checoslováquia, a República Democrática Alemã, a Bulgária e a Roménia, bem como outros países socialistas exteriores ao campo soviético, como a República Popular da China, de Mao Tsé Tung e Chu en Lai, e a Jugoslávia, do Marechal Josip Broz Tito, mas também os países escandinavos, em especial a Suécia, de Olof Palme, neste último caso sobretudo no que respeitava à prestação de ajuda humanitária e à concessão de apoio logístico com bens de primeira necessidade destinados às populações das chamadas zonas libertadas da Guiné-Bissau. Do lado oposto, o colonialismo português contou sempre com o apoio militar, político, logístico e diplomático das potências da NATO, de que Portugal era também membro, em especial dos Estados Unidos da América, da França, da Alemasnha Federal e da Espanha franquista, na sua alegada cruzada para a contenção do avanço do comunismo no mundo, em especial daquele representado pela União Soviética e pelos seus alegados países-satélites do campo socialista e pelos eus supostos instrumentos e sequazes no seio dos movimentos de libertação nacional em África, na América Latina e na Ásia, não se coibindo as potências ocidentais no seu declarado intuito de alegado cumprimento desse desiderato geo-estratégico primariamente anti-comunista, de apoiar os mais retrógrados, desumanos, cruéis e carniceiros regimes políticos do mundo da altura, como a África do Sul do abjecto regime do apartheid, a Indonésia do terrorismo de Estado de Suharto ou o Chile do ditador fascista Augusto Pinochet, e de apoiar e financiar golpes de Estado militares contra regimes progressistas, alguns democraticamente eleitos, como o Irão de Mossadegh ou o Chile de Salvador Allende.
2.2. Para Amílcar Cabral, a existência de um vasto país socialista multinacional e que era a URSS, constituída em 1922 entre a República Socialista Federativa Soviética da Rússia, a República Socialista Soviética da Bielorússia, a República Socialista Soviética da Ucrânia e a República Socialista Federativa Soviética da Transcaucásia, depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, de 1917, na Rússia, e da sangrenta e mortífera Guerra Civil e contra a intervenção estrangeira de potências ocidentais que se lhe seguiu, bem como de um campo socialista emergente depois da Segunda Guerra Mundial, sedimentado e alargado à Europa Central, do Leste e do Sudoeste, ao país mais populoso do mundo situado na Ásia e que era a China Popular, e a uma ilha rebelde da América Latina, localizada no Mar das Caraíbas e integrante das Grandes Antilhas a poucos quilómetros da maior potência económica e imperialista mundial, e que era Cuba, eram uma garantia segura para os países que se decidissem a enveredar pela chamada via socialista de desenvolvimento, perspectiva que considerava impossível de realizar sem a existência e o apoio do campo socialista acima referido.
Neste contexto, Amílcar Cabral alargou o seu conceito de não alinhamento às cisões e dissensões político-ideológicas verificadas no vasto campo socialista como resultado do conflito sino-soviético, recusando-se, apesar de muito assediado, a fazer alinhar o PAIGC com qualquer das partes em acérrimo conflito político-ideológico e a assumir as respectivas perspectivas teóricas, ideológicas e doutrinárias e protagonizadas designadamente por Mao Tsé Tung e pelos seus apoiantes da extrema-esquerda revolucionária mundial, por um lado, e, do lado oposto, por Nikita Krushov e pelos partidos comunistas tradicionais, considerados pelos respectivos adversários radicais de esquerda como revisionistas, reformistas e capitulacionistas, por o mesmo dirigente soviético e os seus apoiantes terem ousado denunciar e condenar, em 1956, num relatório secreto apresentado ao XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), o culto de personalidade a Joseph Estaline e os seus considerados hediondos crimes e, ademais, propugnarem a coexistência pacífica, o desarmamento nuclear/o controle do armamento nuclear, o degelo e a intensificação das relações comerciais e económicas entre os dois principais sistemas, blocos e modelos económico-sociais e societais mundiais, chegando Nikita Krushov e os seus apoiantes até a admitir a transição por via pacífica e eleitoral para a sociedade socialista nos países capitalistas industrializados e altamente desenvolvidos. Essa mesma perspectiva política e ideológica não-alinhada de Amílcar Cabral alargava-se ademais ao chamado socialismo auto-gestionário jugoslavo teorizado pelo Marechal Josep Broz Tito Tito e pelos seus acólitos e apoiantes anti-estalinistas.
Em razão da sua morte prematura, a 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral não pôde assistir a todas as consequências e repercussões da completa reviravolta na geopolítica mundial ocorrida depois da aproximação entre a República Popular da China e os Estados Unidos da América com a visita, em Fevereiro de 1972, do Presidente Richard Nixon ao grande país asiático e dos seus encontros oficiais com o Presidente Mao Tsé Tung e o Primeiro-Ministro Chou en Lai. Com efeito, é na sequência da visita de sete dias do Presidente norte-americano à República Popular da China, denominados pela imprensa ocidental como “os sete dias que mudaram o mundo” e que ocorrem no contexto da perda iminente da guerra do Vietnam a favor dos Vietcongs e do Vietnam do Norte em razão da retirada militar norte-americana do Vietnam do Sul, que o PCC (Partido Comunista Chinês) e a República Popular da China elegem a União Soviética e os países, partidos políticos e movimentos de libertação nacional seus aliados como os seus principais adversários políticos e inimigos estratégicos, assim superando a luta equidistante que até então diziam manter tanto contra o imperialismo americano, os seus aliados capitalistas ocidentais e os seus representantes no chamado Terceiro Mundo, como também contra o denominado social-imperialismo soviético, os países e regimes políticos seus satélites e os seus mandatários no chamado Terceiro Mundo. Nos termos deste posicionamento político-ideológico do PCC (Partido Comunista Chinês), as duas superpotências mundiais, designadamente os Estados Unidos da América e a União Soviética, foram qualificadas como sendo alegadamente os líderes hegemónicos respectivamente do primeiro mundo constituído pelos países capitalistas desenvolvidos e do segundo mundo integrado pelos países socialistas industrializados. É, aliás, essa reviravolta geo-política que levaria o PTA (Partido do Trabalho da Albânia), no poder no país socialista balcânico, e o seu dirigente máximo e ideólogo-mor Enver Hoxha e os respectivos apoiantes e apaniguados no movimento comunista mundial a considerarem Mao Tsé Tung e Chou-en-Lai, o seu Partido Comunista Chinês e a sua República Popular da China como os novos revisionistas modernos, por isso, tendo sido doravante eleitos como alvos a abater e a ser veemente e impiedosamente vituperados, combatidos e politicamente condenados, afastando-se, distanciando-se e demarcando-se por conseguinte os defensores da chamada linha albanesa ou enver-hoxhista da nova linha política e estratégica dos dirigentes comunistas chineses.
A perspectiva não alinhada de Amílcar Cabral era assim marcada por um forte pragmatismo que punha os interesses da luta pelas independências políticas da Guiné dita Portuguesa e de Cabo Verde, bem como as aspirações futuras dos respectivos povos à paz, ao progresso social, ao bem-estar mateial e à felicidade acima de quaisquer outros interesses, mormente os de proveniência e/ou de feição estrangeiras a esses povos e países. Assim pôde o movimento de libertação bi-nacional liderado por Amílcar Cabral tecer um amplo leque de alianças que abrangia a quase totalidade dos países africanos, independentemente da via capitalista neo-colonial ou da via socialista ou socializante escolhida pelas suas elites políticas dirigentes; os países socialistas de ambos os campos do conflito político-ideológico sino-soviético; um grande número de países asiáticos não alinhados, com destaque para a Índia, de Nehru e Indira Ghandi, e da América Latina, com destaque para Cuba, para o México e, já na fase agonizante do colonialismo português, o Brasil; alguns países ocidentais, como os países escandinavos, e numerosos grupos de apoio integrados por sindicalistas, intelectuais e outras proeminentes personalidades nos países aliados de Portugal na NATO, incluindo senadores americanos, jornalistas, fotógrafos, escritores, cineastas e outros importantes fazedores e influenciadores das opiniões públicas ocidentais e peri-ocidentais.
2.3. A perspectiva não alinhada do pensamento político de Amílcar Cabral viria a marcar de forma indelével e duradoura a política externa do Estado caboverdiano no período pós-colonial, caracterizada pela sua abertura ao mundo e pelo seu notável pragmatismo, certamente também muito em razão e por causa da persistência das vulnerabilidades estruturais da sociedade caboverdiana e da sua colossal dependência em relação à Ajuda Pública ao Desenvolvimento concedida pelos seus parceiros bilaterais e multilaterais, situados nos dois lados adversários da Cortina de Ferro. Sem nunca ceder a solicitações, tanto do campo ocidental, como do campo soviético, de instalação de bases militares estrangeiras no nosso país, a política de não-alinhamento activo delineada por Amílcar Cabral para a praxis consequente do movimento de libertação bi-nacional corporizado pelo PAIGC no plano das relações internacionais e realizada de forma coerente e consequente pelo Estado caboverdiano pós-colonial propiciou a Cabo Verde o estabelecimento de um leque amplo e diversificado de relações com países das mais variadas estirpes e feições político-ideológicas, priorizando-se na sua abordagem pragmática os países de acolhimento de comunidades emigradas caboverdianas e os países parceiros do desenvolvimento e fornecedores de ajudas de diversos tipos, com realce para a ajuda alimentar. As indispensáveis relações económicas mantidas com regimes sumamente execrados pelos países africanos e, sobretudo, pelos povos africanos e pelas comunidades diaspóricas afro-descendentes, pelos países socialistas e pelos demais países progressistas aliados dos respectivos movimentos anti-racistas e anti-segregacionistas de libertação nacional e de emancipação cívica, política e social, bem como pela generalidade da opinião pública internacional, designadamente com o abjecto e execrável regime do apartheid da África do Sul, detentor, desde o período colonial, de direitos de escala, de trânsito e de paragem no Aeroporto Internacional da ilha do Sal (no período pós-colonial rebaptizado com o nome de Amílcar Cabral) contra o pagamento das respectivas taxas às entidades públicas caboverdianas, muito necessárias para o equilíbrio do magro e periclitante Orçamento Geral de Estado do arquipélago afro-atlântico e saheliano (ao mesmo tempo que as tropas internacionalistas cubanas intervenientes em Angola tinham igualmente no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral um seguro e indispensável lugar de trânsito), foram em tempo devido, adequado e oportuno utilizadas para comprovar e vincar a utilidade político-diplomática de Cabo Verde e transformar o nosso país num dos palcos privilegiados das negociações entre Angola, Cuba, a África do Sul e a União Soviética. Foram essas mesmas negociações, realizadas em parte na ilha do Sal, que levaram à retirada de todas as tropas estrangeiras do solo angolano, conduziram à retirada da África do Sul da Namíbia, à independência política deste país da África Austral e, depois, à libertação de Nelson Mandela e ao fim definitivo do odioso regime do apartheid na África do Sul.
É o não-alinhamento activo da política externa caboverdiana que levou a que o Governo de Cabo Verde tivesse apoiado sempre com persistência e firmeza a luta do povo saharui pela sua independência política e pela sua soberania nacional e internacional e a admissão na OUA do Estado proclamado pela Frente Polisário com o nome de República Árabe Saharui Democrática (RASD), bem como a luta do povo palestiniano para poder ter e constituir o seu próprio Estado independente e soberano ao lado do Estado de Israel, em fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas, segundo as pertinentes Resoluções dos órgãos competentes da ONU, em especial do seu Conselho de Segurança e da sua Assembleia-Geral.
Anote-se neste concreto e preciso contexto que, na sua compreensão da questão israelo-palestiniana, Amílcar Cabral era portador de uma visão em tudo idêntica àquela comungada e partilhada pela grande maioria das forças progressistas mundiais do seu tempo, bem como pela OUA (Organização da Unidade Africana), adoptada por esta em especial depois da Guerra Israelo-Árabe de 1967, conhecida como Guerra dos Seis Dias, e da ocupação de parte do território (a Península do Sinai) de um país africano (o Egipto) por parte do Estado de Israel, qual seja: a) Ao longo da História, em especial depois da destruição do Templo de Jerusalém e de ter sido obrigado a abandonar a Terra Santa pelas autoridades imperiais romanas, o povo judeu foi inegavelmente vítima de intoleráveis discriminações, perseguições e massacres (progroms) em vários países, sobretudo europeus, em razão primacialmente da sua raça e da sua religião, sendo o holocausto perpetrado pelo nazi-fascismo hitleriano como alegada “solução final da questão judaica na Europa” o culminar criminoso dos massacres, das discriminações, das perseguições, das práticas de marginalização (guettização) e das múltiplas tentativas do seu extermínio (genocídio), enquanto povo. b) O sionismo foi concebido como uma resposta a esses massacres, perseguições, discriminações, práticas de marginalização (guettização) e tentativas de extermínio (genocídio) do povo judeu, vindo todavia o mesmo sionismo a assumir feições de uma ideologia colonial e racista ao serviço do imperialismo ocidental, porque visando primacialmente espoliar as populações árabes da Palestina das suas terras e conter e liquidar as forças progressistas, revolucionárias e anti-imperialistas no Médio Oriente. c) Nada pode justificar a natureza racista e colonial dessa mesma ideologia nacionalista, pois que havia já quase dois milénios que o território da actual Palestina vinha sendo ocupado por outros povos, que não o povo judeu (ou não somente pelo povo judeu), tendo-se os árabes muçulmanos tornado a população preponderande e amplamente maioritária da Palestina a partir da sua conquista pelos seguidores do Islão e do Profeta Maomé.
Neste contexto, considerava Amílcar Cabral que era total e absolutamente legítima “a reconquista do seu país pelo povo palestinano” (expressão utilizada pelo próprio Amílcar Cabral), visando a construção de um novo país onde todos, enquanto cidadãos, árabes e judeus da Palestina, poderiam viver e coexistir pacificamente, gozariam dos mesmos direitos, estariam sujeitos aos mesmos deveres e poderiam preservar as respectivas identidades culturais e religiosas, independentemente da sua raça, da sua religião e das suas convicções políticas e filosóficas.
Como é sabido, desde a morte de Amílcar Cabral ocorreram vários factos e diversas circunstâncias que mudaram em grande medida a percepção da forma de resolução do conflito israelo-árabe sufragada pelo grande líder africano da luta de libertação bi-nacional dos povos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, com destaque para os seguintes:
a) A constituição, desde a fundação, em 1948, do Estado de Israel, de um povo verdadeiramente israelita e integrado, pelo menos e não só pela antiga população judia nascida e crescida no antigo território da Palestina do Mandato Britânico, mas também pelos filhos dos imigrantes judeus vindos de todo o mundo (incluindo dos países árabes de onde foram muitas vezes expulsos em consequência da primeira e das subsequentes Guerras Israelo-Árabes) e nascidos no território do actual Estado de Israel e que têm a moderna língua hebraica (renascida a partir do hebreu antigo, considerada língua morta e utilizada somente nos rituais religiosos) como língua materna e puderam beneficiar-se de uma educação exclusivamente hebraica/ israelita. Chamados Sabras, esses israelistas, co-existentes em plano desigual com a actual minoria árabe (palestiniana) israelita, são obviamente titulares do direito à auto-determinação e independência política, como todos os povos de todo o mundo constituidos em comunidades nacionais.
b) A derrota do Egipto e dos demais países árabes seus aliados na Guerra de 1973 (a Guerra do Yom Kippur) travada contra Israel, a qual veio somar-se à anterior derrota dos mesmos países na Guerra de 1967 (a Guerra dos Seis Dias) e que levou à ocupação pelo Estado de Israel de Jerusalém Oriental, da Cisjordânia, da Faixa de Gaza, todos localizados na Palestina, dos Montes Golão, situados na Síria, e da Península do Sinai, integrante do Egipto.
c) A celebração de um Acordo de Paz entre o Egipto, do Presidente Anwar El Sadate, e o Governo de Israel, chefiado por Menahem Bhegin, e que permitiu a devolução da Península do Sinai ao Egipto e foi a causa imediata do assassinato do Presidente egípcio Anwar El Sadate por militantes da Irmandade Muçulmana egípcia.
d) A expulsão da OLP (Organização de Libertação da Palestina) de Beirute e do Líbano, depois de anos de guerra civil libanesa com participação de várias facções político-armadas palestinianas e intervenção militar síria, e a deslocação da sua sede e da sua infra-estrutura logística e político-militar para Tunes, a capital da Tunísia.
e) A implosão da União Soviética, do campo socialista europeu e a consequente dissolução do Pacto de Varsóvia, disso tudo emergindo a correlativa mudança da visão da OLP para a resolução da questão israelo-palestiniana com o reconhecimento pela mesma OLP do direito à existência do Estado de Israel e a proposta de constituição de um Estado palestiniano nas fronteiras anteriores àquelas legadas pela Guerra Israelo-Árabe de 1967 e com capital em Jerusalém Oriental, mesmo se num território exíguo e muitissimo menor em extensão que aquele previsto no Plano de Partilha da Palestina do Mandato Britânico entre os futuros Estados judeu e árabe na Palestina, sendo que, mesmo se na altura dispondo de um contingente populacional sensivelmente menor que a população árabe da Palestina do Mandato Britânico, coube ao futuro Estado de Israel uma área territorial ligeiramente maior que aquele destinado ao futuro Estado árabe da Palestina. Como é sabido, o Plano de Partilha da Palestina, aprovado pela Resolução 181, de 29 de Novembro de 1947, da Assembleia Geral das Nações Unidas, mereceu o voto favorável dos países ocidentais e dos seus aliados asiáticos, africanos e latino-americanos, bem como também, e curiosamente, da União Soviética, do Generalíssimo Joseph Estaline, e de alguns dos respectivos aliados do campo socialista, mas mereceu a firme rejeição dos países árabes e muçulmanos. Imediatamente depois da aprovação pela Assembleia-Geral da ONU do Plano de Partilha da Palestina do Mandato Britânico, alguns países árabes, designadamente o Egipto, a Transjordânia, a Síria, o Líbano e o Iraque, encetaram a invasão do território da Palestina, incluindo daquele atribuído ao recém-proclamado Estado de Israel, o qual contudo logrou resistir, preservar-se e expandir as suas fronteiras para além do previsto no acima referido Plano de Partilha da ONU, tendo conquistado mais de metade do território destinado ao Estado árabe na Palestina. Em resultado dessa Primeira Guerra Israelo-Árabe alguns territórios destinados ao Estado árabe na Palestina foram ocupados pelo Egipto, designadamente a Faixa de Gaza, e pela Transjordânia, designadamente a Cisjordânia, passando doravante o Reino hachemita a designar-se por Jordânia.
Atente-se que desde o surgimento no século XIX, na Europa, da
ideologia sionista e que propugnava o regresso dos judeus de todo o mundo e dos seus descendentes eventualmente assimilados pelas culturas dominantes nos seus países natais de acolhimento para o território histórico que fora, em tempos muito revolutos, o Reino de Israel, depois denominado Palestina pelos conquistadores romanos, para a edificação de um Lar Nacional Judeu nesse mesmo Israel histórico/nessa mesma Palestina histórica, e da Declaração Balfour, de 1917, mediante a qual as autoridades coloniais britânicas reconheceram esse mesmo alegado direito a um Lar Nacional Judeu e, baseado nessa conexão, o alegado direito de emigração dos judeus de todo o mundo para a Palestina do Mandato Britânico, o Império Otomano e o Império Britânico incentivaram a aquisição de terras árabes por imigrantes judeus, favorecedndo, assim, o aumento exponencial da população judaica da Palestina, todavia permanecendo essa mesma população judaica em menor número que a população árabe, ao tempo da proclamação do Estado de Israel, em Maio de 1948. Por outro lado, os árabes da Palestina opuseram-se, por vezes de forma violenta, à crescente emigração judaica para a Palestina, dando-se o caso de o Mufti de Jerusalém se ter aliado ao nazi-fascismo hitleriano em razão do congénito e virulento anti-semitismo do Fuehrer alemão e da sua cobiçosa e imperialista oposição ao Império Britânico, ao mesmo tempo que os judeus recorriam à guerra de guerrilha urbana e a atentados terroristas para impor a sua vontade aos árabes da Palestina e às autoridades coloniais britânicas.
f) A celebração dos Acordos de Oslo entre o Governo de Israel, dirigido por Yitzhak Rabin, e a OLP, liderada por Yasser Arafat, e mediada pelo Presidente Bill Clinton, dos Estados Unidos da América, levando à criação da Autoridade Palestinana que passou a administrar de forma semi-autónoma e sob forte tutela israelita os territórios da Cisjordânia, parcialmente ocupada por colonatos israelitas, e da Faixa de Gaza. Para efeitos de aplicação dos Acordos de Oslo, o território palestiniano foi dividido em três Áreas com diferentes estatutos político-militares, designadamente: Área A, com controle total pela Autoridade palestiniana; Área B, com controle civil pela Autoridade palestiniana e controle militar pelo Exército de Israel; Área C com controle total pelo Governo de Israel. A celebração dos Acordos de Oslo valeu o assassinato de Yitzhak Rabin por um extremista judeu.
g) A morte em circunstâncias assaz obscuras do líder palestiniano Yasser Arafat, havendo fortes e fundadas suspeitas do seu envenenamento por mão israelita ou cúmplice do Estado de Israel.
h) O estado comatoso da questão israelo-palestiniana, não logrando as partes em conflito e os mediadores norte-americanos obter qualquer avanço assinalável em relação aos Acordos de Oslo, sobretudo no que respeita ao estabelecimento de fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas entre os Estados independentes e soberanos da Palestina e de Israel; ao estatuto dos colonatos judaicos ilegalmente implantados na Cisjordânia; ao reconhecimento do direito de regresso dos milhões de palestinianos e dos seus descendentes aos lares e às terras dos quais foram expulsos e localizados no território do actual Estado de Israel durante a Naqba (a Catástrofe, para os palestinianos)/a Guerra da Independência de Israel, para os israelistas, em resultado da primeira Guerra Israelo-Árabe, de 1948.
i) A retirada unilateral da Faixa de Gaza por parte das autoridades e forças militares israelitas, a vitória do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) sobre a Fatah (facção dominante da OLP) nesse território, vencendo por sua vez a Fatah na Cisjordânia, nas eleições legislativas levadas a cabo em todos os territórios palestinianos (aliás, as únicas até hoje realizadas), a sequente guerra civil entre as duas facções palestinianas e a expulsão da Fatah da Faixa de Gaza por parte do Hamas, que passou a actuar politica e autoritariamente sozinha nesse território.
j) Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas no interior do Estado de Israel, no território contíguo à sua fronteira norte com a Faixa de Gaza, resultando dos mesmos atentados terroristas mais de mil mortos civis israelitas e a tomada de centenas de reféns israelitas pelo Hamas. Em retaliação por esses atentados terroristas do Hamas, considerados inaceitáveis e condenados pela generallidade da opinião pública internacional e pelos órgãos competentes da ONU, as Forças Armadas israelistas consumaram uma operação militar de grande envergadura de bombardeamento e de reocupação da Faixa de Gaza, visando expressa e primacialmente a liquidação do Hamas. Dessa gigantesca operação militar resultaram, até agora, mais de quarenta mil mortos palestinianos, incluindo mulheres, idosos, jovens e crianças; a par da decapitação física da direcção político-militar do Hamas e do Hezbollah (Partido de Deus) libanês, o qual se solidarizara in actu com o movimento político-militar palestiniano, autor dos acima referidos atentados terroristas, lançando obuses contra o território israelita; a destruição e a total devastação de importantes infra-estruturas e de cidades e outras povoações palestinianas localizadas na Faixa de Gaza e outras indescritíveis perdas humanas e materiais palestinianas (incluindo crianças, bebés, escolas, hospitais e templos religiosos), as quais levaram à geral condenação das acções israelitas pela opinião pública internacional e pela Assembleia Geral da ONU (mas não pelo seu Conselho de Segurança, em razão do veto invariavelmente pró-israelista dos países ocidentais) e a iniciação pelo Procurador-Geral do Tribunal Penal Internacional de um processo por comissão de crimes de guerra, genocídio e outros crimes contra a humanidade contra o Primeiro-Ministro e outros dirigentes governamentais israelitas e contra os dirigentes político-militares do Hamas.
2.4. É igualmente o pragmatismo da política do não-alinhamento do Estado caboverdiano que o levou a celebrar acordos de cooperação militar com alguns países da NATO, designadamente a Espanha, Portugal e os Estados Unidos da América. Destaquem-se neste contexto a realização, em 2006, da operação Stead Fast (Salto do Jaguar) da NATO e a celebração de acordos de ajuda militar cooperativa com Portugal e a Espanha, por forma a potenciar melhores e mais eficazes apoios à vigilância e à protecção das águas marítimas sob jurisdição de Cabo Verde, ao mesmo tempo que se mantinham estreitas relações de cooperação miltar com potências tidas por rivais e/ou adversárias das potências ocidentais em vários palcos do mundo, como a Federação Russa e a República Popular da China.
Mais recentemente, mas de forma assaz controversa, o Governo de Cabo Verde celebrou o Acordo SOFA com os Estados Unidos da América, tendo o mesmo sido todavia sujeito a severas e contundentes críticas por parte da oposição parlamentar bem como de observadores, comentadores e analistas políticos caboverdianos por alegadamente pretender criar e ter efectivamente criado um estatuto de extra-territorialidade e de correlativa imunidade às leis penais caboverdianas a militares americanos e a seus serventuários civis quando estacionados em Cabo Verde.
Sujeito à fiscalização da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional de Cabo Verde, a mesma alta instância jurisdicional não vislumbrou nenhuma inconstitucionalidade no mesmo Acordo SOFA, mas também fez questão de asseverar que nenhuma das suas cláusulas pode ser interpretada como podendo autorizar a instalação de bases militares dos Estados Unidos da América em território caboverdiano.
2.5. Quiçá crentes no fim da História e no chamado Último Homem Demo-Liberal, antecipado e profetizado por Francis Fukuyama na atmosfera por demais optimista do fim da Guerra Fria, da aparente universalização do modelo político democrático-liberal para a construção de novas formas de legitimação resultantes das mudanças políticas democráticas dos fins dos anos oitenta e inícios dos anos noventa do século XX, da universalização do modelo da economia de mercado (mesmo nos países que mantiveram o seu regime de partido único ou de partido hegemónico comunista), bem como da emergência e a temporária consolidação, logo depois do fim da Guerra Fria, de uma única hiperpotência mundial, a par da desagregação de várias organizações e/ou do definhamento de diversas reivindicações dos países do Terceiro Mundo, como o Movimento dos Não-Alinhados, o Grupo dos 77 e a reivindicação de uma Nova Ordem Económica Mundial e de uma Nova Ordem Mundial da Informação, tempestivamente substituídas por novas e inovadoras Agendas Mundiais patrocinadas pela ONU, como as dos Desafios do Desenvolvimento do Milénio e os subsequentes Desafios do Desenvolvimento Sustentável, os autores da Constituição Política caboverdiana de 1992 decidiram, ao contrário do nado-morto ante-projecto de nova Constituição Política da República de Cabo Verde, apresentada pelo PAICV à opinião pública caboverdiana, não incluir no projecto de novo texto constitucional do MpD e do qual viria a resultar a nova Constituição Política da República de Cabo Verde, de 1992, acima referida, e actualmente vigente de forma amplamente consensualizada, depois de algumas Revisões Constitucionais, designadamente as de 1999 e de 2010, a pugna por uma Nova Ordem Económica Internacional (na nossa opinião acertadamente por esta perinente e a seu tempo oportuna reivindicação terceiro-mundista ter perdido grande parte da sua relevância política) e o não-alinhamento como marca e directiva relevantes da política externa do Estado Caboverdiano.
Tendo absorvido alguns princípios constantes da Constituição Política de 1980/de 1981 para regular as relações de Cabo Verde com outros Estados e a sua inserção plena na Comunidade Internacional como um seu Membro assaz útil, como o respeito pelo Direito Internacional, pela independência política, pela igualdade soberana entre todos os Estados e pela não ingerência nos assuntos internos de cada Estado, a resolução pacífica dos diferendos interrnacionais, a cooperação internacional mutuamente vantajosa e a coexistência pacífica entre os Estados, bem como o apoio às lutas dos povos contra o colonialismo e todas as formas de agressão estrangeira e de opressão política e militar, bem como a unidade africana, no plano continental africano e sub-regional oeste-africano (isto é, a integração africana regional e continental), os mesmos autores preferiram (e muito bem, na minha opinião), agregar a esses mesmos princípios herdados da Constituição Política revogada in totto como processo preliminar à aprovação da Constituição Política caboverdiana de 1992 e comprovados como muito pertinentes e úteis na condução da política externa do Estado caboverdiano, a proibição expresssa da instalação de bases militares estrangeiras em solo caboverdiano, a pugna por uma ordem internacional mais justa e pacífica, a luta internacional contra o terrorismo e a criminalidade organizada transnacional e dando preferência nas suas relações externas aos países com os quais Cabo Verde afirma comungar os mesmos valores democráticos e os mesmos ideais de promoção dos direitos humanos e das liberdades democráticas fundamentais, bem como, na senda do pragmatismo da tradicional política externa caboverdiana, mas agora consagrado expressamente no texto constitucional, aos países de acolhimento das comunidades caboverdianas emigradas e aos países de língua oficial portuguesa.
2.6. Acontece que, depois da surpreendente implosão da União Soviética e do correlativo desaparecimento do chamado império soviético e da subsequente dissolução do Pacto de Varsóvia, ocorreram vários eventos de relevante significado geo-político e geo-estratégico, quais sejam: os atentados de 11 de Setembro de 2001 promovidos e perpetrados pelo grupo terrorista islâmico Al Qaeda, de Bin Laden, contra as Torres Gémeas de Nova York e a sede do Pentágono na Pensilvânia, e, nessa sequência, a declaração de guerra por parte do Presidente norte-americano George W. Bush ao terrorismo islâmico internacional, o qual se concretizou, logo em seguida, na invasão norte-americana do Afeganistão e no derrube do Governo extremista talibã, apoiante confesso da Al Qaeda; a pretensão norte-americana da imposição de um Grande Médio Oriente Democrático, de que foram todavia tacitamente excluídas as ditaduras islamo-fascistas das petro-monarquias árabes, e, sob o falso pretexto de continuar a possuir armas de destruição maciça, a consequente invasão do Iraque e a queda do regime baathista do ditador militar e nacionalista revolucionário árabe Sadam Hussein, anteriormente sujeito a duras sanções internacionais impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, depois de ter sido obrigado pelos Estados Unidos da América e pelo seu Presidente George Herbert Bush (Pai) a retirar-se do Koweit que invadira e pretendia anexar; o ressurgimento de uma Rússia oligárquica e formalmente democrática, se bem que muito enredada em pretensões saudosistas imperiais protagonizadas pelo seu líder Vladimir Putin, depois do caótico e doloroso período de restauração de um capitalismo de feições selvagens e desabridamente saqueadora do património público, promovida por Boris Ieltsin e pelos novos hirerarcas e oligarcas russos, apoiados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e assaz subservientes ante os interesses económicos, políticos e geo-estratégicos das potências ocidentais, e, no Médio Oriente, como aliado político-militar da Síria de Bashir Al Assad, confrontado com uma guerra civil em que os seus opositores e contendores eram abertamente apoiados pelos Estados Unidos da América e pelos seu aliados ocidentais; a queda, a fuga e o assassínio do ditador militar e nacionalista revolucionário líbio Muamar Kadhafi, em resultado de uma insurreição popular, iniciada no leste do país e apoiada pelos Estados Unidos da América, pela França, pela Alemanha e por outros países ocidentais, e, nessa sequência, a desagregação da Líbia enquanto Estado soberano unido na sua integridade territorial e a correlativa proliferação de grupos terroristas islâmicos pertencentes à constelação terrorista do Daes (Estado Islâmico) no Norte do Mali e na zona sahariano-saheliana de vários países oeste-africanos, situação que perdura até aos dias de hoje e que ditou num primeiro tempo a crescente presença militar da França para apoiar alguns Estados africanos na sua luta contra os grupos rebeldes e jihadistas, vindo todavia essa mesma presença militar francesa a ser abertamente contestada nos tempos mais recentes e a ser substituída por uma crescente presença militar russa interposta pelos mercenários do Grupo Wagner.
Na Europa assistiu-se à entrada maciça dos antigos países socialistas da Europa Central, do Leste, do Nordeste e do Sudeste na União Europeia e na NATO, aproximando-se a maior organização político-militar ocidental cada vez mais das fronteiras da Rússia, desafiada por várias revoluções coloridas em países integrantes da antiga União Soviética, como a Geórgia (confrontada com a secessão da Abcázia e da Ossétia do Sul), a Moldávia (confrontada com a secessão da Transnístria) e a Ucrânia (confrontada com a secessão armada das populações russófonas do leste do país).
Por outro lado, novos actores emergiram e consolidaram a sua posição no cenário internacional, às vezes considerando-se esses mesmos actores como sucessores directos e legítimos dos antigos contendores da Guerra Fria, para tanto evidenciando-se como poderosos concorrentes directos das potências ocidentais e como promotores de novos blocos políticos e de novas alianças militares, assim contribuindo para a (re)criação de um mundo multipolar.
Com efeito, sentindo-se humilhada pelo desfecho da Guerra Fria em nítido desfavor do antigo bloco soviético, consabidamente marcado, como já referido, pelo desaparecimento da União Soviética, considerado por Vladimir Putin como a maior catástrofe geo-estratégica do século XX, e ameaçado pela aproximação ao seu território e ao que considera o seu espaço de vizinhança e que designa como o seu estrangeiro próximo, a Rússia (Federação Russa) tem sido o rosto mais visível dessa rivalidade geo-política e geo-estratégica.
Assim e reagindo à acima referida aproximação da NATO à sua vizinhança próxima, circunstância percepcionada como um sério risco geopolítico e geo-estratégico para a sua segurança nacional, a Rússia de Vladimir Putin vem fomentando e/ou apoiando movimentos separatistas nos países da sua imediata vizinhança e em parte habitados por importantes minorias russófonas, protagonizando até a invasão, a ocupação e a anexação dos territórios russofónos desses países vizinhos, antecedidas e/ou seguidas da realização de referendos de auto-determinação política dessas mesmas populações russófonas, referendos esses todavia internacionalmente muito contestados e não reconhecidos. É o que ocorreu em 2014 com a invasão e a ocupação da Crimeia (relembre-se que anteriormente retirada à Rússia soviética e cedida à Ucrânia soviética pelo antigo Secretário-Geral do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), Nikita Kruschov, ele próprio um ucraniano, alegadamente para premiar a segunda maior República soviética pelos seus muitos feitos, méritos e sacrifícios político-militares na Segunda Guerra Mundial), tendo na invasão, notoriamente ilegal, do restante território da Ucrânia e quase unanimente condenada na Assembleia-Geral da ONU, a manifestação mais atroz e temerária da nova mentalidade imperial eivada de chauvinismo ultra-nacionalista grão-russo das novas autoridades do Kremlin. À invasão da Ucrânia seguiu-se em tempos mais recentes a anexação da parte leste desse país anteriormente integrante da antiga União Soviética e actualmente pré-candidato à entrada na NATO e na União Europeia. Relembre-se que essa parte leste e russófona da Ucrânia tinha-se sublevado contra as autoridades políticas centrais da Ucrânia e proclamado as rebeldes Repúblicas Populares de Lugansk e Donetsky, tendo sido em seu nome e a seu pedido, alegadamente para contrariar a intervenção militar do Governo Central ucraniano contra as populações russófonas do leste do país, que a Federação Russa, de Vladimir Putin, desencadeou a guerra de agressão contra a integridade territorial, a soberania e a independência política da Ucrânia, eufemisticamente denominada Operação Militar Especial pelo Kremlim. Como é sabido, a invasão da Ucrânia pela Rússia foi quase unanimente condenada pela Assembleia Geral da ONU, tendo ademais desencadeado, entre outros efeitos imediatos, severas sanções por parte dos Estados Unidos da América, da União Europeia e de outros países ocidentais e dos seus aliados com vista a provocar o isolamento internacional em todos os planos (incluindo o político-doplomático, o cultural, o desportivo e o turístico) e o colapso económico e financeiro da Federação Russa. Apesar de sufragados pela generalidade das respectivas opiniões públicas, os objectivos geo-estratégicos prosseguidos pelos países ocidentais com as sanções decretadas contra a Federação Russa ficaram contudo muito longe de serem atingidos, tendo todavia a Rússia sofrido uma grande e (in)esperada derrota geo-estratégica consubstanciada na entrada na NATO da Suécia e da Finlândia, países europeus tradicionalmente neutros, mas na actualidade igualmente receosos de uma agressão militar consubstanciada muma invasão russsa, aliás, à semelhança do que tinha ocorrido com os países bálticos, anteriormente integrantes à força da União Soviética, e de alguns antigos países integrantes do Pacto de Varsóvia.
Por outro lado, a República Popular da China logrou afirmar-se como a segunda potência económica mundial, assim superando tanto o Japão como a Alemanha, o mais poderoso país da União Europeia, perdendo todavia para a Índia o estatuto de país mais populoso do mundo.
Em razão de todos esses desenvolvimentos, é de se indagar se não é de se trazer de novo à ordem do dia o princípio do não-alinhamento como directriz fundamental da política externa caboverdiana. Na verdade não é somente a comunhão de valores e princípios, neste caso democrático-liberais, devidamente inseridos na prática de um Estado de Direito Democrático e Social e na adesão a uma economia de mercado, que determinam o alinhamento quase total da política externa de um país, ademais pequeno, como nosso, com a política externa de uma grande potência e do bloco dos seus aliados centrais e periféricos, como parece ser o caso actual de Cabo Verde em relação aos Estados Unidos da América e à NATO, mas também em relação ao Estado de Israel e ao Reino do Marrocos.
Outras razões de Estado, aliás constitucionalmente consagradas, como o direito dos povos à autodeterminação e independência política, sistematicamente negados pelo Estado de Israel e pelo Reino do Marrocos respectivamente ao povo palestiniano e ao povo saharui, devem, na nossa opinião, ser cogitados e desempenhar igualmente o seu devido e necessário papel, sobretudo quando a negação do direito à autodeterrminação e independência política ultrapassa largamente um qualquer direito de legítima defesa individual e colectiva, consignado nas Carta das Nações Unidas, para se transformar em sistemáticos crimes de guerra, de genocídio e outros crimes contra a humanidade, como parece ser o caso de Israel nas suas práticas de terrorismo de Estado em relação às populações civis indefesas de Gaza na sua reacção militar, por demais desproporcionada, aos injustificáveis e criminosos ataques terroristas do Hamas contra alvos civis no norte de Israel, mesmo se justificados pelos seus protagonistas extremistas islâmicos como forma derradeira e desesperada de chamar a atenção da opinião pública mundial para a comatosa questão palestiniana.
Com efeito, na óptica do Hamas, em conformidade, aliás, com alguns observadores internacionais, a questão palestiniana teria sido votada ao esquecimento pela Comunidade Internacional em face do perigo de alargamento a novos países árabes e muçulmanos dos resultados tangíveis dos Acordos de Abraão, patrocinados poelo Presidente norte-americano Donald Trump e celebrados por Israel, primeiramente, com o Reino do Marrocos e, posteriormente, com os Emiratos Unidos Unidos, o Bahrein e o Sudão, encontrando-se, mais recentemente, em processo de negociação com várias petro-monarquias árabes, com destaque para a Arábia Saudita e o Oman, com vista à total normalização das relações entre os países árabes e o Estado sionista, e ao isolamento do Irão, o seu principal rival e inimigo estratégicos no Médio Oriente, todavia sem que, de alguma forma, se vislumbre a resolução de forma duradoura da candente questão palestiniana.
Para lograr esses intentos, os Estados Unidos da América liderados pelo Presidente Donald Trump reconheceram como legítimas as pretensões territoriais e anexionistas do Reino do Marrocos sobre o Sahara Ocidental, retiraram o Sudão da lista de países patrocinadores do terrorismo internacional, concedendo-lhe ademais importante ajuda militar e financeira, ao mesmo tempo que asseguravam às petro-monarquias árabes do Golfo cada vez maiores contenção e isolamento político, militar, diplomático e económico da sua arqui-rival política e estratégica, a República Islâmica do Irão.
Os Acordos de Abraão surgiram assim anos depois da normalização, mediante a celebração dos Acordos de Camp David, de 1978, das relações entre Israel e o Egipto e, em 1994, das relações entre Israel e a Jordânia.
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