Os princípios éticos que regem as instituições públicas podiam - será deviam? - adotar as seguintes cláusulas prévias. 1ª As instituições públicas agem de boa fé; 2ª As instituições públicas agem sempre de boa fé; 3ª Quando não agem de boa fé, aplica-se automaticamente a cláusula primeira.
1. Por várias vezes, sustive a respiração e fixei o olhar na tela da televisão. Depois de uma sensação de estar a assistir a uma sátira interminável, chega o fim dos quatro minutos e 19 segundos que durou a notícia. Pasmo, constato que a Câmara Municipal da Praia, representada pela sua vereadora, não apresentou nenhum documento a comprovar a sra. Berta como dona de uma casa município da Praia. Logo à primeira, não quis acreditar naquilo estava a assistir, não quis acreditar que a Câmara Municipal da Praia tinha mesmo acabado de ultrapassar esse limite mínimo de decência, tendo tomado a decisão de mentir publicamente para os seus munícipes e para o mundo inteiro. A vereadora pela área de ação social limitou-se a afirmar: “aquela senhora [Berta] segundo consta tem uma habitação na zona de Bela Vista”. Que tipo de Câmara Municipal fala assim? Com base no “fladu-fla”? Porque a vereadora não passou antes pelos arquivos da câmara e se fazer acompanhar do comprovativo de registo de casa da sra. Berta para mostrar na entrevista concedida à televisão pública de Cabo Verde? É que, simplesmente, não existe nenhum registo. Por isso, a Câmara da Praia foi à televisão mentir publicamente!
2. Tudo começou a 30 de abril, quando a Record TV exibiu uma reportagem, a dar conta de uma barraca que foi arrombada pela Câmara Municipal da Praia na localidade de Alto da Glória. Seguramente, esta não é a primeira, nem será a última barraca que esta câmara – ou outra até – já demoliu ou vai demolir. A razão da indignação generalizada, largamente manifestada nas redes sociais, deveu-se a um aspeto muito concreto: o facto da demolição ter sido feita em plena pandemia, com o país em Estado de Emergência. Há uma frase de uma cidadã que resume bem o sentimento das pessoas: “que contradição! Agora que todos precisam de um tecto para refugiar e defender do COVD-19 para a CMP é o momento apropriado para desalojar a população. Inconsequentes”. É que há dezenas de dias que no canto ao alto da televisão pública de Cabo Verde está lá, de forma permanente: #NuFikaNaKaza. Todos sabemos que se tratava de uma barraca, mas era a “kasa” da sra. Berta e os seus quatro filhos. Daí que quase todos sentiram este arrombar como uma condenação da Câmara Municipal da Praia através da triste e infeliz sentença: #FikaNaRua!
3. A quatro dias de completarmos três meses que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia provocada pelo vírus Covid-19, seguramente que ainda é demasiado cedo para termos ideia do que será o mundo do pós Covid-19. Mas, a Câmara Municipal da Praia está a dar sinais muito claros sobre o caminho que pretende continuar a seguir. Ao invés de reconhecer o erro cometido, de ter escolhido uma má altura para provocar o despejo desta família monoparental, chefiada por uma mulher que vive do sustento obtido no mercado informal, a Câmara da Praia insiste na aplicação exclusiva da lei, ignorando o contexto da pandemia, e, ainda por cima, numa matéria em que a própria câmara é a primeira responsável, seja por medidas que vem tomando ao longo de anos, seja por total omissão em relação a iniciativas que deveria ter tido e nunca teve;
4. A verdade é que os munícipes mais desfavorecidos do município da Praia ficam encurralados e como é voz popular no concelho, são atirados para os cutelos e ladeiras, caso queiram construir a sua habitação. É sabido que a CMP acabou com a atribuição de terrenos por aforamento, o que de forma automática, excluiu do sonho de ter casa própria todos aqueles que não têm dinheiro para comprar terrenos a pronto pagamento, cash. Ao mesmo tempo que nunca implementou um programa simples que permitisse que as pessoas mais carenciadas tivessem acesso ao solo para construção e, pior ainda, uma política de habitação para o município. Ainda por cima, tendo recebido centenas de moradias do programa “Casa Para Todos” já passou o mandato inteiro com as suas portas todas fechadas;
5. É a este contexto de indignação em relação à forma como a CMP faz a gestão de terrenos, indo até ao ponto de se ter chegado às barras dos tribunais, que se vem juntar, agora, esta tentativa de manipulação da opinião pública, recorrendo à mentira e difamação como forma de fugir à “gota de água” que foi o atirar da sra. Berta e os seus filhos para a rua em plena pandemia! Por isso, disse a sra. Berta: “estou à espera que a vereadora da Câmara da Praia me venha entregar as chaves da casa que ela disse que eu tenho! Estou à espera dela”.
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