• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Handmade in Prison. Da Cadeia da Terra Boa, a arte dos presos para o mundo!
Sociedade

Handmade in Prison. Da Cadeia da Terra Boa, a arte dos presos para o mundo!

É mais do que uma marca! É um projeto de ressocialização, que busca dar aos presos o suporte necessário para reintegrá-lo na sociedade, é uma oportunidade de mudança, de um futuro melhor independente daquilo que aconteceu no passado. É um programa de profissionalização, de resgate ao artesanato genuinamente cabo-verdiano, de divulgação da nossa arte além fronteiras, de apoio ao empreendedorismo, à educação e ao turismo sustentável. Lançada em 2019 por Noy Singer, uma holandesa de 33 anos radicada na ilha do Sal há seis anos, Handmade in Prison, é uma marca que leva ao mundo o artesanato confeccionado pelas mãos dos detentos da Cadeia da Terra Boa.

“Cooperar com as pessoas é a minha missão em Cabo Verde, é o meu propósito no mundo”, Noy Singer

Em 2013 quando Noy Singer desembarcou no Sal, ela não fazia a ideia do que a vida lhe reservava. Foi amor à primeira vista pela “ilha encanto”, pelos olhares penetrantes das crianças, pelas histórias sofredoras das nossas gentes, pela rica cultura, pelos hábitos e costumes, pela arte... pela crioulidade.

Noy Singer veio a Cabo Verde pela primeira vez para, através de um estágio curricular de dois meses, trabalhar com os reclusos da Cadeia Regional do Sal, em Espargos. Ela cursava Pedagogia Social. No ano seguinte regressou à ilha para trabalhar na sua tese final de curso, na nova Cadeia Regional, situada na localidade da Terra Boa.

Terminada a sua formação universitária, Noy sentia que o Sal lhe chamava novamente, para mais um projeto social. Veio em 2015 para desenvolver um programa ligado ao artesanato no Centro Comunitário de Chã de Matias. Trabalhou com as crianças e adolescentes carentes de arredores de Espargos.

Desde então, Noy fixou residência na ilha do Sal, na cidade de Santa Maria. Ao seu país natal, a Holanda, só regressa para períodos curtos de férias. Há seis anos, o seu trabalho tem sido uma luta incansável por um tratamento igual a todos, cidadãos, nacionais e estrangeiros.

Arte na cárcere

É, justamente, nessa busca constante pela igualdade social, que surgiu a ideia de criar em 2019 a Handmade in Prison (feitos à Mão na Prisão, em tradução livre), uma microempresa que tem como objetivo primordial apoiar os detentos, homens e mulheres que por algum motivo cumprem penas na Cadeia da Terra Boa.

Entre vários projetos e trabalhos desenvolvidos ao longo destes seis anos, Noy Singer trabalhou como guia turístico. A sala de artesanato no estabelecimento prisional, um espaço de exposição e vendas, era uma das paradas obrigatória para qualquer grupo de turistas.

O local é uma verdadeira montra de artes, onde é possível encontrar carteiras de senhoras, bolsas, brincos, telas e quadros, pulseiras, anéis, pequenas tartaruguinhas, esculturas que representam o nosso quotidiano... peças manualmente feitos pelos presos, à base de tecidos africanos, couro, madeiras, pedras, folhas de bananeira ou palha de milho, barro, etc.

Produtos que carregam história do povo cabo-verdiano, dos hábitos e costumes das nossas gentes, da cultura e tradição, mas também memorias dos próprios prisioneiros, do sacrifício, da saudade dos familiares e amigos, da privação de ir e vir, e da vontade de mudança para as suas vidas.

Noy Singer sentiu que os trabalhos artísticos dos presos precisavam atravessar os muros da cadeia. Precisavam chegar às outras pessoas: “Era triste ver tanta arte de boa qualidade ficar ali, para uma vez ou outra um turista comprar uma peça. As pessoas que nunca vão à cadeia precisavam conhecer o que eles produziam”.

A assistente social resolveu então comprar algumas peças para revender. “Fui experimentando para ver quais produtos mais vendiam”, lembra. A holandesa percebeu então que brincos, carteiras e bolsas atraiam as mulheres, tanto nacionais como estrangeiras.

Começou a investir em produtos voltados para o público feminino. E deu certo! Revendia em dois tempos todas as peças que adquiria a cada visita que fazia à cadeia. E quanto mais comprava, mais os detentos produziam e mais se esmeravam na qualidade do produto final.

“Enquanto pagam pelos seus crimes, eles ocupam o seu tempo, fazendo um trabalho magnífico. São peças lindas, com excelentes acabamentos, muito coloridas e que chamam a atenção das pessoas. As mulheres, principalmente as europeias adoram estes tipos de acessórios”, sublinha.

Da Terra Boa para a Holanda... e para o mundo

O sucesso da Handmade in Prison era tanto que Noy quis expandi-la para o seu país natal. Através de seus amigos fez chegar a arte da Cadeia da Terra Boa à Holanda. E depois para a Bélgica. Das vezes que regressou de férias para visitar a família levou também alguns artigos consigo para a revenda. Vendeu todas as peças.

Com a crescente procura e por um alcance mais internacional, Noy Singer resolveu investir em vendas online através das redes sociais e de um website, a handmadeinprision.com, que criou especialmente para isso. É nessas páginas que ela apresenta ao mundo o artesanato feito dentro da Cadeia da Terra Boa.

Hoje, o artesanato dos presos está em vários países. As bolsas do clutch, crossbody, carteiras, os brincos e outros acessórios em estampas étnicas encantam. “Esses produtos além de ser bonitos, de excelente qualidade e artesanais, eles trazem consigo histórias. É disso que os europeus gostam quando procuram um artesanato made in África”.

Além das páginas na Internet, é possível encontrar a marca Handmade In Prison em algumas lojas nacional e internacional.

Diminuir a reincidência criminal e promover a reinserção social

Promover a reintegração da população carcerária na sociedade e diminuir os índices de reincidência criminal é um dos grandes objetivos da criação da Handmade in Prision.

De acordo com Noy Singer, as peças de artesanato normalmente são confeccionadas para serem vendidas na prisão aos familiares e amigos que visitam os detentos. “Isso significa que a maioria do artesanato não tem saída, porque quem visita a cadeia não tem poder de compra”, assinala.

Daí a decisão de comprar, para a revenda, as artes e ofícios feitos pelos presos. Noy Singer acredita que desta forma dá o seu contributo para a diminuição da reincidência. Ao comprar os seus produtos, por um preço estabelecido por eles, a holandesa estará garantindo que os detentos artesãos tenham o retorno do trabalho efetuado.

 “Sabemos que é bastante difícil para o preso voltar para sociedade tendo a certeza de que vai ser rejeitado. Sair da cadeia tendo aprendido uma profissão é uma alternativa dele tornar-se um empreendedor, o que pode evitar que volte a cometer crimes”, acredita a assistente social.

Para Noy revender o trabalho dos presos significa dar oportunidade de trabalho dentro da própria cadeia: “a arte ocupa tempo, diminui a ansiedade e permite que, ao sair em liberdade, procurem um emprego ao invés de cometerem novos delitos. É uma forma de promover a integração entre os detentos, de influenciar na boa conduta e nas relações interpessoais”.

Segundo a assistente social, o trabalho é um instrumento estruturado que proporciona um crescimento pessoal, profissional e intelectual, permitindo a reconstrução da vida, a confiança em si mesmo e o resgate da autoestima.

Uma parte do valor arrecadado com a revenda do artesanato regressa à prisão, através de uma conta criada pela direção do estabelecimento prisional do Sal e reverte a favor da pessoa que confeccionou a peça vendida, que usa o dinheiro para aquisição de produtos de higiene pessoal, peças de vestuários e calçados.

Por outro lado, 10% dos lucros das vendas da Handmade in Prison, fica com a CSD Foundation (Co-Creative Social Design – Foundation), um fundação criada em Janeiro de 2019 para a promoção de projetos sociais em diferentes áreas.

CSD Foundation, para além dos muros da Cadeia

A CSD Foundation nasceu dentro do projeto Handmade in Prison, informa Noy Singer. A fundação aposta na melhoria da Educação, no estímulo ao empreendedorismo local e ao Turismo Sustentável.

O que se pretende é promover a capacitação de jovens e mulheres locais e aumentar as possibilidades de sucesso para os pequenos negócios. Como? Através de doações e acordos de parcerias com instituições nacionais e internacionais, com jovens empreendedores cabo-verdianos e artesãos locais.

Além de Noy Singer, outras duas holandesas (radicadas na Holanda) fazem parte do projeto. Elas procuram apoios no estrangeiro e mandam para Cabo Verde. Enviam para crianças e adolescentes carentes do Sal vestuários, calçados, brinquedos, materiais escolares e pedagógicos.

Mas o foco principal da CSD Foundation é no empreendedorismo jovem e das mulheres, chefes de famílias. “O que queremos é impulsionar o desenvolvimento de pequenos negócios, para que os jovens possam ter uma fonte de rendimento e possam ser autossustentáveis”, realça.

No ano passado, a fundação arrecadou alguns computadores e máquinas fotográficas para apoiar jovens que almejam seguir a carreira de fotógrafos ou de guias turísticos. “Hoje com os seus equipamentos estão fazer alguns trabalhos no ramo da fotografia. A Handemade in Prision é um dos seus principais clientes, por exemplo”, salienta Noy.

A fundação também doou recentemente três máquinas de costura, que hoje prestam serviços como costureiras: “ofertamos uma máquina a uma senhora de Alto Santa Cruz, uma a outra daqui em Santa Maria, a terceira a uma jovem de Espargos que foi para o desemprego com a Pandemia”.

“Dâ Valor” através de cestas básicas

E por falar em pandemia, juntamente com cabo-verdianos e estrangeiros residentes, Noy Singer formou uma equipa a que denominaram “Dâ Valor”, com o intuito de ajudar as famílias afetadas financeiramente pela pandemia do novo Coronavírus.

“A pandemia mandou para o desemprego centenas de jovens no Sal. Centenas de famílias não tinham o que colocar na mesa todos os dias. Achamos que podíamos dar uma mãozinha e ajudar essas pessoas de alguma forma”, lembra.

A fundação lançou uma campanha na plataforma GoFundMe, através da qual arrecadaram um montante de 16 mil euros, que usaram para a compra de alimentos e distribuição de cestas básicas em todos os bairros carentes da ilha do Sal.

Mas o dinheiro arrecadado acabou após algumas semanas. A fundação novamente correu atrás e conseguiu o apoio da Tui Care Foundation que além de dinheiro, apoiou através da disponibilização de viaturas e condutores.

Numa primeira fase, o grupo “Dâ Valor” distribuiu 3360 cestas básicas durante 12 semanas. A segunda fase teve o seu início agora em Abril e devem ser distribuídas 2400 cestas. “É muito gratificante ver a felicidade daquelas famílias. Pena não conseguirmos apoiar a toda as pessoas”, lamenta a holandesa.

De salientar, que para a distribuição dos alimentos, a fundação usa bolsas de tecidos reutilizáveis, confeccionadas por três mulheres costureiras de Espargos, Alto Santa Cruz e Santa Maria. Além disso, os alimentos também são adquiridos em comerciantes locais.

Uma forma de impulsionar o empreendedorismo: “a nossa aposta é sempre no que é  local, para apoiarmos os pequenos comerciantes e jovens que estão a dar primeiros passos nos seus negócios”, sublinha.

Coletores menstruais para mulheres carentes

A próxima aposta da CSD Foundation é na preservação do meio ambiente. Através de uma parceira com a empresa internacional Organicup, a organização vai distribuir brevemente 500 copos menstruais para as mulheres da ilha.

“Não vamos apenas distribuir. Vamos informá-las, ensiná-las como são utilizados os coletores menstruais, como se faz a sua higienização. Vamos formá-las, sensibilizando-as sobre a importância do uso deste utensilio higiênico e o seu papel na preservação do meio ambiente”.

Além disso, a distribuição de coletores menstruais é uma forma de apoio, pois boa parte dessas mulheres não têm dinheiro para comprar absorventes ou outros produtos higiênicos.

Os coletores menstruais são reutilizáveis e substituem os absorventes. É uma alternativa reutilizável aos absorventes descartáveis que pode durar até dez anos. Ele é feito de silicone hipoalérgico e pode ser usado sem troca até 12 horas, dependendo do fluxo vaginal. Além disso, diferente dos absorventes internos tradicionais, ele é inserido na entrada da vagina, não no fundo do canal, e não apresenta risco para a saúde.

A Handmade In Prison e a CSD Foudation estão nas redes sociais.

Para contato:

Instagram - @csdfoundation_official

Facebook: https://www.facebook.com/csdfoundationorg/

https://handmadeinprison.com/

Email: noysinger@outlook.com

Para doações:

CSD-FOUNDATION Iban NL72INGB0009312567 Bic INGBNL2A

Partilhe esta notícia