Deu muito voto. Foi cavalo de batalha nas eleições de 2016, em que o MpD saiu vencedor. Entretanto, as reveindicações de ontem continaum por solucionar até hoje. Transcorridos quatro anos da última erupção vulcânica no Fogo, ainda há famílias separadas e em casas arrendadas e, enquanto isso, a população de Chã, sobretudo, jovens, aguarda com “cepticismo”, pelo novo assentamento e outros projectos prometidos e anunciados.
Ao assinalar o quarto aniversário do desastre natural que “engoliu” os principais povoados de Chã das Caldeiras (Portela e Bangaeira) e consumiu 24 por cento (%) das terras aráveis, a vida dos moradores vai regressando à normalidade, retomando as suas actividades aos poucos, conquistado novos espaços para construções e prática de agricultura.
Miguel Montrond, 23 anos, natural de Chã, formado em engenharia agrónomo e socio-ambiental, quem representou a comunidade junto da Comissão Interministerial, considera que a “erupção de 2014 mudou a rotina da população, ao dispersá-la pela ilha, com famílias ainda separadas, e com localidades e uma vida destruída”.
Passados quatro anos, explica, muitas famílias estão próximas, mas outras nunca irão ter essa mesma sorte, encontrando-se algumas delas integradas agora noutras localidades, e advinha-se difícil o regresso à Caldeira, ou porque não lhes sobraram nenhum bem material ou porque as lembranças vividas durante a última erupção vão influenciá-las a fixarem residências noutras localidades.
“Infelizmente há famílias em casas arrendadas e muitas delas praticamente foram obrigadas pela Câmara de Santa Catarina, a assinar um documento para comparticiparem com metade da renda e aquelas que recusaram foram ameaçadas…”, disse.
Tanto Miguel Montrond como outros residentes na Caldeira abordados pela Inforpress, consideram que os projectos, quando estruturantes trarão benefícios, como o furo de água e a construção de jardim-de-infância, mas criticam o investimento feito, por exemplo, no Parque Natural, instituição que zela pela protecção do ambiente, mas que está de portas fechadas.
“Quando se investe numa infraestrutura e ela se mantém de portas fechadas, é um desperdício de dinheiro que faz muita falta e que podia ser investido noutras áreas, como a da saúde”, afirma, agradecendo pela água, jardim-de-infância, escola, sede de parque natural e delegação municipal, apesar de não estarem a funcionar.
O turismo ganhou destaque com sucessivas erupções vulcânicas (1995, 2014), mas não constitui ainda a principal actividade económica que continua a ser agricultura/pecuária, dando rendimento à população, por isso defende um forte investimento nas duas áreas que constituem o pilar da sobrevivência da população, com destaque para vitivinicultura.
Como principais reclamações, Miguel Montrond aponta o novo assentamento, a falta de diálogo, transparência e respeito para com a população, nomeadamente a forma como têm sido tratados os deslocados, que continuam em casas arrendadas, a construção da nova adega, o ordenamento de Chã.
À semelhança da maioria dos residentes, Montrond considera que “seria melhor reconstruir a estrada que foi “engolida” pelas lavas, por ser menos custoso, ambientalmente mais sustentável”, e evitaria também o consumo excessivo de parcelas agrícolas.
“Se usam o argumento de que não devem construir a estrada no seu traçado original porque não querem estragar o ambiente paisagístico, afirmo que no lugar escolhido há e haverá mais estragos ambientais”, defendeu Miguel Montrond , indicando que “mesmo que não seja no lugar da antiga estrada não se devia invadir as parcelas agrícolas, destruindo cerca de 02% de solos que restaram da última erupção, sabendo que 24% dos solos de Chã das Caldeiras foram aniquilados na sequência da erupção”.
Conforme realçou, “a estrada por mais importante que seja nunca será mais importante que os terrenos agrícolas. As casas são destruídas e um dia voltam a ser erguidas, mas os solos nunca serão recuperados para a prática agrícola”, disse, observando que o solo é o “ouro” de Chã das Caldeiras.
Tal como os demais entrevistados da Inforpress, Miguel Montrond é de opinião que o “novo assentamento não será uma realidade”, apesar de o Plano Detalhado de Chã das Caldeiras (PDCC) gizar que ele será edificado na Caldeira, Bangaeira, decisão que para a maioria da população “não é a opção mais acertada”.
Para David Monteiro Gomes “Neves”, técnico agrário e ligado ao sector de vitivinicultura, nos últimos quatros anos registou-se um crescimento e desenvolvimento de Chã, apontando o volume de construções/reconstrução das habitações, de unidades turísticas, nova estrada, que vai resolver os problemas do transporte de turistas e escoamento dos produtos, como indicadores.
Entre 60 a 70 por cento da população deslocada de Chã está de regresso, motivado pela existência da possibilidade de fazer agricultura/pecuária e trabalhar no sector turístico, o que não acontece em Monte Grande e Achada Furna.
O desenvolvimento não é apenas no domínio da construção, mas também no turismo, onde há mais capacidade instalada do que antes, com o número de visitantes a aumentar ano após ano, assim como na agricultura (fruticultura, em particular vitivinicultura) sector onde há pessoas que estão “conquistar” os espaços antes incultos.
Já o presidente da Associação dos Agricultores de Montinho, Danilo Montrond, destaca como principal mudança o reabastecimento de água, sector em que havia grande necessidade porque todas as cisternas familiares que existiam foram danificadas e poucas foram recuperadas.
“Foi o único benefício para a população”, disse, indicando que neste momento foram criados alguns postos de trabalho com as obras da estrada que vai trazer benefício para a comunidade.
As informações apontavam que a estrada ia passar dentro de parcelas agrícolas, mas tudo indica que foi desviada para cima de Queimada, o que deixa os agricultores satisfeitos tendo em conta que a população foi penalizada com a perda de terrenos de agricultura, e seria uma grande perda para Chã ocupar mais terreno.
“As pessoas estavam esperançadas na disponibilização de terrenos agrícolas, na zona de Monte Velha, prometido pelo Governo que chegou a fazer levantamento para tal, sobretudo aos agricultores que perderam parcelas de terreno, mas não há qualquer decisão”, afirma, indicando que já “as construções aumentam, mas sem o necessário controlo das autoridades que estão lentos e sem pulso”.
Enquanto isso, uma das vozes mais críticas de Chã das Caldeiras, Danilo Fontes “Dom Danilon”, considera que quatro aos depois do desastre que trouxe consequências como a destruição das duas aldeias gémeas (Portela e Bangaeira), boa parte de terreno agrícola, o que mudou foi a paisagem, o nível de vida da população e a inexistência de autoridade, o que mais preocupa as pessoas.
“As pessoas vivem como podem, trabalhando arduamente para resolver seus problemas. Todas as reivindicações dos direitos básicos são sonegadas pelas autoridades”, afirma, notado que “este é o período mais difícil da comunidade desde o seu nascimento, com o poder local de costas voltadas e cada um fazendo o que achar melhor”.
Segundo o mesmo, as crianças a partir do quinto ano estudam em outras localidades, obrigando as famílias a se desdobrarem para dar vazão à educação, situação que, para Danilo Fontes, as autoridades desconhecem.
“Falta a lei e a ordem, um poder local que escuta as preocupações da população e arranja solução para as mesmas”, disse, defendendo que é “imprescindível um plano de emergência, a nível da ilha, para uma população autorizada a viver numa cratera”, acrescentando de que se fosse ele a decidir, de entre várias acções, priorizava informação à população para a sua segurança e dos seus bens, auscultava os técnicos da vulcanologia e geologia e não construiria nenhum assentamento em Bangaeira por ser zona de riscos.
Por seu turno,o engenheiro e operador turístico, Mustafá Eren, destaca o crescimento da capacidade de alojamento e a envolvência de mais gente de Chã no turismo, através de oferta de turismo de habitação, e o aumento do nível de qualidade, existindo agora mais disponibilidade de alojamento do que antes de 2014.
Segundo o mesmo é necessário identificar a vantagem de Chã, investigar as razões porque os turistas visitam a localidade e saber o que querem. “Não é o vulcão directamente que trás turistas, mas sim o facto de ser a única Caldeira, no mundo, com habitação permanente, com lugares autênticos que não existem em outros sítios com muitas infraestruturas”.
Apesar das perdas provocadas, a erupção transformou Chã numa espécie de “Museu” devido à localização das casas dentro de lavas, outras com lavas por dentro, com uma parte destruída e outra intacta, situação que atrai turistas locais e de fora, interessados em ver “uma exposição histórica” da erupção que deve ser valorizada, disse, salientando que é “uma novidade importante para os turistas, mas também para os vulcanologistas.
A “explosão” das várias novas construções, um pouco descontrolada e em sítios de riscos preocupa este engenheiro, apesar de ele próprio ter construído em cima das lavas.
Mustafá Eren, que trabalhou durante três meses com três especialistas de nacionalidade alemã numa investigação para a dissertação de doutoramento, disse que eles produziram um mapa de Chã com definição de sítios com mais probabilidade de serem destruídos por uma eventual erupção.
“Onde se construiu “Casa Marisa”, a percentagem de ser destruída pelas lavas numa futura erupção oscila entre os cinco a sete por cento (%), mas há casas construídas em sítios onde a probabilidade de destruição é de 80 a 90%”, disse, indicando que a Bangaeira, onde se pretende construir o assentamento, e a Portela, a probabilidade é de 70 a 80%.
Autorizado pelos autores para utilizar o mapa apesar da não publicação ainda da tese de doutoramento, disse que tentou socializar o documento junto das autoridades, mas não houve aceitação, talvez porque ele é “um turista permanente” e as pessoas não entendem bem o seu interesse em Chã das Caldeiras.
Com Inforpress
Foto: A Nação
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