Carriçal. Um recanto ainda por descobrir - Reportagem
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Carriçal. Um recanto ainda por descobrir - Reportagem

 

Agreste à primeira vista, Carriçal, no extremo oriental sul de São Nicolau, é um local cheio de vida, onde abundam estórias de homens e baleias e outras formas de vida selvagem. Uma riqueza ainda pouco conhecida, cá dentro e lá fora, que o município a que pertence a região (Ribeira Brava) projecta transformar em produto turístico. 

Para chegar a Carriçal, a uma hora de distância da vila de Ribeira Brava, a melhor opção é um veículo com tração 4x4. O percurso de 42 quilómetros que separa a localidade da cidade Vila da Ribeira Brava é feito quase todo numa estrada de terra batida, íngreme e estreita, entre picos que parecem tocar o céu e vales profundos a perder de vista, que deixam os mais temerosos com o “credo” na boca. Uma aventura cujo prémio compensa todos os riscos. 

Na Baía de São Jorge, que domina quase toda a costa de Carriçal, até hoje as baleias vêm descansar, sempre que chega a época que corresponde à primavera no hemisfério norte. Um espectáculo soberbo de que se pode desfrutar à vista desarmada ou com o auxílio de uns binóculos. Longe vão os anos em que eram capturadas e mortas pelos homens que chegavam à costa de Carriçal em veleiros norte-americanos.   

Nos séculos XIX e XX, a carne das baleias capturadas na baía era limpa e salgada nas estações de tratamento de Barreiro e de Garça, a poucos quilómetros de Carriçal, e depois armazenada em bidões de madeira que seguiam para os Estados Unidos da América. Nessa época muitos sanicolauenses foram recrutados para a pesca da baleia. 

Eram sempre escolhidos para serem trancadores(lançadores de harpão) os mais fortes e ágeis, como André Pedro Morais e Silvestre Dionísio Silva, bisavôs do actual presidente da Câmara Municipal de Ribeira Brava (Pedro Morais). Estas e outras histórias de antanho vão dar vida ao roteiro turístico que o edil ribeira-bravense está a montar para revitalizar esta região costeira.

“Caminho da Baleia”,assim se chama este projecto municipal que quer levar os turistas a fazer o mesmo caminho que os antigos sanicolauenses fizeram, usando um meio de transporte da época, os burros, que ainda abundam na terra de Chiquinho. 

Sidney, o protector de tartarugas

Sidney, 32 anos, é surdo-mudo de nascença. Talvez por não conseguir formular palavras perceptíveis para a maioria das pessoas, fez das tartarugas a sua companhia predilecta. E por ela faz tudo o que está ao seu alcance. Vigia as praias onde desovam, cuida dos seus ninhos e afasta os inimigos, humanos ou animais. 

Pelas suas contas, diz-nos com gestos, já cuidou de mais de 200 ninhos e salvou cerca de cinco mil filhotes de tartaruga. A captura da espécie é proibida devido ao elevado risco de extinção que corre. Felizmente para os turistas que procuram a região, a restrição não abarca espécies como polvo, caranguejo, percebes, lapa, lagosta e diversos tipos de peixe que ali abundam. 

Esses visitantes estrangeiros chegam nos seus iates, que fundeiam ao largo da Baía de São Jorge, e vão a terra em busca das aventuras que a orográfica acidentada da região pode proporcionar com as suas montanhas que parecem tocar o céu e seus vales profundos a perder de vista. 

Trekking, termo inglês para “caminhada”, é a modalidade preferida dos aventureiros, que, se há bem pouco tempo ficavam decepcionados por não poder desfrutar do deslumbrante pôr-do-sol que de lá se observa com uma bebida fresca na mão, agora encontram isto e um pouco mais. 

Electricidade: vida nova 

No terraço de um dos edifícios públicos da zona foi instalada há cerca de dois anos uma estação fotovoltaica, que transforma os raios solares em energia eléctrica. Uma “prenda” há muito aguardada e obtida com cofinaciamento do Projecto GEF (Fundo Mundial para o Ambiente), Cabo Verde IV, implementado pelo ECREE (Centro de Energias Renováveis e Eficácia da Energética da CEDEAO) e ONUDI (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial).

Antes, a pequena localidade, habitada sobretudo por pescadores, vivia às escuras, situação que limitava a estada de turistas depois de escurecer, sobretudo porque não há sequer uma pensão em Carriçal. Mas agora que há electricidade, vê-se televisões, frigoríficos e até computadores nas casas. 

As ruas também são iluminadas, para alegria das crianças e dos jovens que, até mais do que antes era costume, brincam ao ar livre ou jogam à bola na placa desportiva construída ali, a escassos metros do mar. E os habitantes de Carriçal que não se dedicam nem à pesca nem à venda de peixe já pensam em abrir uma pensão ou um pequeno restaurante. No cardápio não deverá faltar, imagine, cachupa guisada com …. polvo. 

Receitas “exóticas” como esta abrem novas oportunidades de negócio para os pescadores e as peixeiras de Carriçal. É que graças à chegada da electricidade, já não tem de se deslocar diariamente à cidade de Vila da Ribeira Brava para escoar o produto, podem acondicionar todo o pescado nas arcas congeladoras adquiridas pela Associação Comunitária e de Pescadores e vendê-los aos turistas que chegam a Carriçal por mar ou por terra e, quem sabe num futuro, aos donos dos restaurantes ou pensões que vierem a nascer ali. 

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SOBRE O AUTOR

Teresa Fortes

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