Urge, acima de tudo, que o Parlamento zele pela justiça orçamental na afectação de recursos aos Órgãos de Soberania, todos eles, por igual e por inteiro, atentos, naturalmente, os mandatos constitucionais de cada um. Os encargos, repito. Outrossim, e melhor cedo do que tarde, é fundamental que as normas definidoras das bases organizacionais, e orçamentais do Estado venham, elas próprias, a estabelecer, de forma inequívoca e consequente, os modos de fixação dos recursos que a Nação coloca à disposição do Presidente da República para que possa cumprir, sem condicionamentos espúrios, o mandato para que foi eleito. Sobretudo, que não cometamos, enquanto comunidade nacional, o erro de descartar ou alijar a gravidade desta matéria.
Julgo tão essencial quanto urgente que a Nação perceba e debata, com a necessária serenidade e sustentação, qual o verdadeiro problema em torno do orçamento do Órgão de Soberania que é o Presidente da República. É necessário que o debate ocorra e seja esclarecedor, enriquecedor. Definidor de caminhos. Pois que se trata de assunto do mais elevado interesse nacional. Infelizmente, importa referi-lo, a conversação pública nacional é demasiado contaminada pela ligeireza, pelo desinspirado e inconsequente tocar pela rama. Como quer que seja, e sendo certo que os domínios de soberania se nutrem do recato, tal não deve ser (mal) interpretado como deficiente capacidade de reagir ou socializar ou muito menos assentimento com o dito ou o não dito ou o dito por proxies. O silêncio é um cinzento de múltiplas tonalidades...
Eleito por sufrágio universal e directo para ser o Magistrado Supremo da Nação, árbitro e moderador do sistema político, o Presidente da República não pode nem deve ter a sua liberdade e a sua capacidade de acção condicionadas, objectivamente condicionadas, por via de torniquetes financeiros. Tal equivaleria a subverter o sentido da vontade soberana e inequivocamente expressa pela Nação nas urnas. Equivaleria, dito de outra forma, a minar a lógica de funcionamento da Democracia e do Estado de Direito Democrático. E é fundamental que uma tal montagem, ainda que por distração aconteça, não faça escola, antes deve ser afastada daquilo que deve ser o salutar convívio institucional em Cabo Verde, mormente no cimo do Estado. Parcos que sejam os recursos nacionais, difíceis que sejam os tempos que vivemos (tempos de inCertezas, digo de há muito...) nos planos interno e internacional, isso não pode erigir-se em argumento, falacioso por conseguinte, para asfixiar um Órgão de Soberania que, por definição mas igualmente por tão alargada e directa sustentação popular, está legitimado para agir, intervir, cumprir um substancial catálogo constitucional de encargos, o menor deles não sendo o de representar o Estado interna e externamente. De forma condigna, pois é evidente.
O orçamento para o Chefe do Estado não é apenas mais um. Longe disso. E manda a lógica republicana que essas especificidades sejam entendidas e sejam ditas, sem falsos pudores nem muito menos nivelamentos de conveniência. A pobreza ou a escassez de recursos não exclui a razoabilidade, antes ensina que esta deva ser praticada... por todos. Consequentemente, o funcionamento da Presidência da República, enquanto respaldo organizacional do Chefe do Estado, não pode nem deve ser atormentado por uma lógica de luta por recursos ou, dizendo com mais precisão, por uma barganha permanente, desgastante. Aliás, não há programa algum de modernização dos serviços, de contenção e boa gestão que prospere em contexto de reiterada drenagem de recursos, ou seja, num contexto em que o desequilíbrio é já de nascença. Esse funcionamento é deveras, utilizando um expressivo dizer popular, ‘riba d’ossu’.
É preciso parar, respirar fundo e reconhecer que o orçamento para o Chefe de Estado não pode continuar a ser desenhado nos mesmíssimos moldes como tem sido até agora, com uma amplíssima folga para a dependência face ao poder Executivo. A simples leitura da chamada execução orçamental ao longo dos anos dá conta disso mesmo... Ora, não tem de ser assim, não deve ser assim. E esta é que é a questão e é uma questão de fundo!
Nenhum Estado de Direito Democrático se fortalece e se prestigia por essa via. Claramente que não. De onde a necessidade de o resguardar de derivas políticas incomportáveis ou do excesso do político no tratamento de tal tipo de questões que têm que ver com a essência mesma do jogo democrático e a sanidade do Estado de Direito Democrático. O orçamento não pode nem deve ser uma válvula de correcção do voto popular! Ou seja, de quando em quando vale bem a pena sacudir a árvore da sensatez a ver se cai algum fruto. E assim, com esse fruto, seguir caminho com mais luzes e esclarecida determinação de fazer melhor.
À beira de completar 50 anos de vida, a República de todos nós não deveria desconhecer-se no cumprimento dos essenciais, desde logo daquilo que define e sustenta a solidez das suas instituições matriciais. Urge que cada um cumpra o seu papel e que as dinâmicas do Estado de Direito Democrático fluam com lisura, com transparência, com elegância. Com desprendimento. Com lealdade institucional, também. Por exemplo, que a palavra dada seja palavra cumprida. Palavra de honra, como diziam os nossos Mais Velhos.
Urge, acima de tudo, que o Parlamento zele pela justiça orçamental na afectação de recursos aos Órgãos de Soberania, todos eles, por igual e por inteiro, atentos, naturalmente, os mandatos constitucionais de cada um. Os encargos, repito. Outrossim, e melhor cedo do que tarde, é fundamental que as normas definidoras das bases organizacionais, e orçamentais do Estado venham, elas próprias, a estabelecer, de forma inequívoca e consequente, os modos de fixação dos recursos que a Nação coloca à disposição do Presidente da República para que possa cumprir, sem condicionamentos espúrios, o mandato para que foi eleito. Sobretudo, que não cometamos, enquanto comunidade nacional, o erro de descartar ou alijar a gravidade desta matéria.
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