Eu considero muito grave a exclusão de uma pessoa que conseguiu um lugar, por mérito próprio, mediante um concurso público muito competitivo, do jeito como esse jovem foi descartado. Isso é feio. É pecado!!!
O jovem do Fogo, de nome Paulo Barbosa gosta de ser polícia. Ele concorreu para uma das 120 vagas, num concurso muito competitivo, e ficou aprovado, por mérito próprio. Já na escola da polícia, depois de uma carga física a que foi submetido, lesionou-se. O médico prescreveu-lhe um tempo de repouso para recuperação. De acordo com um comunicado da Direção Nacional da PN, o Director Nacional, depois de reunido o conselho de disciplina, decidiu a favor da proposta para exclusão desse instruendo e sua substituição por um outro candidato. O comunicado da Direcção Nacional da PN é vago e pouco esclarecedor sobre vários aspectos da denúncia do instruendo expulsado. Fica-se com a ideia de que esse comunicado é um mero expediente para branquear a imagem da instituição, mesmo sabendo que o que está em causa é um cidadão, um jovem assertivo em busca dos seus direitos.
Nenhum de nós devemos esquecer como é que ingressamos na polícia, por mais alto que sejam as patentes que ostentamos.
A pergunta que eu deixo para o Director Nacional da PN, Emanuel Estaline Moreno, é: quando e onde ele foi submetido aos maus tratos físicos e psicológicos para ser polícia, considerando os “maus bocados” sofridos por esses formandos nessa pretensiosa semana de adaptação? Onde foram buscar essa pedagogia?
De A a Z, nós todos sabemos quem é quem na Polícia Nacional. A escola da polícia não é uma sanzala da escravatura. É uma escola de virtudes para a formação de polícias cidadãos.
Eu era agente de polícia. Mas antes de ser agente, eu fui um instruendo, depois de passar por um concurso para o efeito. Eu fiz uma carreira completa de 39 efetivos de serviço, o que me dá uma certa liberdade para questionar e descordar de certos procedimentos que considero inapropriados para uma instituição da dimensão da PN.
Quando eu fui para o curso de oficial em Alemanha, nos primeiros exames médicos na policlínica da academia, me diagnosticaram uma patologia que carecia de tratamento prévio, antes de iniciar as aulas. Eu fui transportado para Berlim onde eu fiquei em tratamento durante alguns dias. Depois da alta médica, me transportaram para academia em Aschersleben, cerca de 200 Km de distância de Berlim, onde juntei aos meus 11 camaradas e iniciei as aulas. Nessa altura eu nem sabia falar o alemão. Mas não me suspenderam do curso. Pelo contrário, eu conclui o meu curso com distinção, com Muito Bom em todas as disciplinas, incluindo a educação física que era o meu ponto forte.
12 anos depois, em Portugal, num curso para promoção a oficial superior de polícia, no ano de 1999, na aula de educação física e desporto, numa partida de basquetebol, eu saltei para ganhar um lance, um colega me deu um ligeiro toque na costa, pousei mal o pé direito no piso do campo e fraturei o quinto metatarso desse pé. As sapatilhas eram impróprias para esse tipo de jogos. Eu não fui suspenso do curso. Passei 45 dias com gesso no pé e a deslocar com canadianas, descendo e subindo as escadas com muito sacrifício. Mas, modéstia à parte, eu conclui aquele curso, seriado em primeiro classificado. Nós éramos 7 colegas. Eu não era e nem sou mais inteligente. Só que eu sou um estudioso e levo as coisas com muito rigor. Eu tive a infelicidade de contrair essa fratura, mas fui tratado e conclui o meu curso com sucesso.
Eu fui um instrutor que liderava a preparação física dos meus colaboradores do Corpo de Intervenção, desde a sua criação. O nosso treino físico mais duro era o “marcor”. Para a criação do Corpo de Intervenção, eu e mais dois colegas recebemos uma formação especializada em Portugal, no Corpo de Intervenção que é uma das unidades de elite da PSP. Ali eu consolidei a minha preparação operacional e física para partilhar com os meus formandos e colaboradores. Aquilo foi muito importante para mim, do ponto de vista pedagógico e prático. O nosso Corpo de Intervenção iniciou com um conjunto de agentes excelentes, que possuíam uma boa preparação individual, o que contribuiu para a sua rápida afirmação. Nos sucessivos cursos que realizamos, no final do curso, o limite da prova de resistência era uma corrida a partir de São Domingos até a escola de polícia. Não era uma corrida de competição. Porque somos todos diferentes, um carro de transporte do pessoal acompanhava a caravana, a fim de acolher e apoiar algum camarada que apresentasse alguma dificuldade. Poucos camaradas não conseguiam fazer o percurso completo. No fim todos terminavam satisfeitos e motivados.
Uma das funções que eu exerci na polícia é de director da escola de formação de polícia. Eu estive nesse cargo durante seis anos e liderei a formação de seiscentos e tal agentes, dois cursos de promoção a subchefes e um curso de promoção a chefe de esquadra, para além de diversas formações contínuas e concursos. Graças a Deus, todos foram bem sucedidos, com espírito de missão e entrega dos colaboradores.
Em todos os cursos de agentes nós tivemos formandos lesionados e tratados. O ser humano está sujeito a doenças e lesões. Por isso, no orçamento do curso se contempla uma rúbrica para compra de medicamentos. Nunca excluímos qualquer aluno do curso, por causa de lesões ou de outra doença qualquer. Quando houvesse algum caso, o lesionado ou doente era submetido ao tratamento prescrito pelo médico e retomava as atividades físicas. É assim no futebol e noutras modalidades desportivas.
Como director da escola de polícia, eu desencadeei 4 processos que culminaram com a expulsão de 4 alunos. Dois por falsificação de certificados de habilitações literárias, 1 por denúncia de que era conflituoso na sua localidade e que tinha fraturado a mandíbula de uma criança na briga que envolvia a sua família contra uma outra família da vizinhança, e 1 pelo mau comportamento e abuso do álcool, agressão e perturbação da ordem numa festa em que se encontrava. Todos esses casos foram averiguados e provados nos respetivos processos. Dois dos casos foram no início do curso e procuramos os suplentes para preencherem as respectivas vagas. Os suplentes eram aqueles seriados em 121° lugar de cada um dos cursos. Um foi buscado na localidade de Cumbém em Assomada. É daí que fiquei a saber da existência dessa localidade. O outro foi buscado em Tarrafal de Santiago.
Eu partilho esse pequeno trecho que faz parte da minha trajectória de vida, para que se entenda melhor o caso do jovem do Fogo, expulso recentemente do curso de agente.
Eu considero muito grave a exclusão de uma pessoa que conseguiu um lugar, por mérito próprio, mediante um concurso público muito competitivo, do jeito como esse jovem foi descartado. Isso é feio. É pecado!!!
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