SANTO ANTÃO É UMA ILHA MARGINALIZADA E VIVE A CONTA GOTAS
Ponto de Vista

SANTO ANTÃO É UMA ILHA MARGINALIZADA E VIVE A CONTA GOTAS

Santo Antão só lhe é dado coisas a conta gotas. Triste!!! Esta ilha devia ser vista e tratada com mais respeito, pois foi a ilha que mais contribuiu com combatentes na LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. ISSO NÃO CONTA PARA NADA?

 “Santo Antão é a ilha mais bela de Cabo Verde e um dos sítios mais lindos do Mundo” (António Guterres - Secretário-Geral da ONU)

Belas palavras para caracterizar a ilha de SANTO ANTÃO, por uma personalidade insuspeita e que tem desempenhado altos cargos - Primeiro-Ministro de Portugal, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e Secretário-Geral da ONU.

Há muitos anos que venho dizendo e escrevendo sobre Santo Antão, pois sinto no meu íntimo essa beleza estonteante que me envolve, e qualquer pessoa com uma capacidade de observação sem uma gota de bairrismo ou regionalismo dirá o mesmo, pois a beleza, a majestosidade, a imponência e a raridade das suas paisagens reduzem o ser humano à sua insignificância.

No entanto, não basta ser uma ilha linda, que cativa e que deslumbra para que tivesse atenção e consideração dos sucessivos governos de Cabo Verde, pois a ilha encontra-se num patamar de desenvolvimento baixíssimo que lhe relega para a “terceira divisão” no contexto nacional.

SANTO ANTÃO tem belezas naturais que lhe podiam catapultar para um melhor desenvolvimento económico, mas infelizmente os sucessivos governos de Cabo Verde não têm mostrado interesse em investir com mais força (pelo menos um décimo do que se tem investido em Santiago) para tirá-lo do marasmo económico e travar a sangria populacional.

Infelizmente Santo Antão está farto de ser enganado com as falsas promessas do arranque das obras da segunda fase da expansão e modernização do porto do Porto Novo, da construção do aeroporto e do lançamento de primeiras, segundas e até terceiras pedras de projectos que nunca arrancam.

Os sucessivos governos de Cabo Verde não gostam das expressões EQUILÍBRIO REGIONAL, EQUIDADE NOS INVESTIMENTOS, DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DOS RECURSOS, ELIMINAÇÃO DAS ASSIMETRIAS REGIONAIS. E os FACTOS SÃO IRREFUTÁVEIS, basta apenas algumas pessoas honestas, isentas e independentes visitarem as ilhas para constatarem as diferenças principalmente entre Santiago e Santo Antão, mas também em relação às outras ilhas. E muitos governantes, de todos os quadrantes partidários, naturais de Santiago, várias vezes, nos seus discursos, utilizam as expressões "ilha maior", "ilha mãe", para designar a ilha de Santiago e colocá-la num pedestal, e a mandarem recado às outras ilhas que elas estão a gravitar à sua volta. E na prática, para consumar a supremacia de Santiago, hoje há duas ilhas de Santiago: Santiago Norte e Santiago Sul que formam duas regiões, dois círculos eleitorais, duas regiões sanitárias, enfim, duas verdadeiras ilhas.

Esta política DESMESURADAMENTE CENTRALIZADORA que vem sendo posta em prática desde 1988 pelos sucessivos governos do meu país, e que se intensificou a partir de 1991 a esta parte, tem provocado uma massiva desertificação das ilhas periféricas e a distorcer as diferenças fundamentais no rendimento per capita.

Os números dos investimentos acumulados mostram uma colossal diferença de tratamento entre Santiago e Santo Antão, por exemplo (mas também outras ilhas), que dá PENA, origina INDIGNAÇÃO e leva à MARGINALIZAÇÃO da ilha mais bela de Cabo Verde, provocando uma fuga dos seus habitantes, principalmente os jovens para outras paragens, inclusive para o estrangeiro (e a minha filha Andreia é mais uma jovem que foi forçada a emigrar, apesar de ter uma licenciatura e estar seis anos à procura de emprego).

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), Santo Antão já perdeu mais de 6.500 (seis mil e quinhentos) habitantes desde 2010, e se se fizer uma retrospectiva saber-se-á que em 1975, Santo Antão tinha 50.000 habitantes e até 1985 era a segunda ilha mais populosa de Cabo Verde.

Uma ENORME TRISTEZA! Uma tragédia que os partidos políticos não querem falar abertamente. A perda desenfreada de população em Santo Antão é consequência de que os sucessivos governos de Cabo Verde, a partir de 1988, deixaram de investir fortemente na ilha, salvo algumas excepções (construção da estrada asfaltada Porto Novo/Janela - 2009, construção das duas pontes na cidade da Ribeira Grande – 2009, construção da estrada asfaltada Ribeira Grande/Ribeira da Torre – 2010, primeira fase de expansão e modernização do porto – 2012, construção da barragem de Canto de Cagarra – 2014, construção da estrada Ponte Sul/Tarrafal até Chã de Escudela – 2014, construção da estrada Coculi/Chã de Pedras – 2016, conclusão da construção da estrada Ponte Sul/Tarrafal, de Chã de Escudela até Tarrafal – 2022, construção da estrada para Figueiral do Paúl - 2023), e votaram a mais bela parcela do território nacional ao esquecimento, a um verdadeiro ABANDONO.

Hoje esta ilha está na "terceira divisão" do nível de desenvolvimento em Cabo Verde e o impacto é devastador, tendo em conta que a juventude está em debandada porque não há investimento gerador de empregos, não há uma agenda de políticas públicas sérias direccionadas para certos sectores económicos que a ilha é vocacionada e para AFUNDAR AINDA MAIS A ILHA o governo não avança com as obras da segunda fase de expansão e modernização do porto e nem da construção do aeroporto.

E assim vai SANTO ANTÃO, de moribundo a completamente paralisado, eternamente acamado e à espera do acto de extrema unção: 

·         1-Falta a construção do aeroporto tão prometido pelos dois partidos em campanha eleitoral;

·         2- Falta a segunda fase de expansão e modernização do porto;

·         3- Falta o plano sanitário nos quatro maiores centros urbanos da ilha (Porto Novo, Ponta do Sol, Ribeira Grande e Pombas);

·         4- Falta a asfaltagem das estradas principais, cuja maioria esmagadora foi construída na década de 1980 (i-Ribeira Grande/Ponta do Sol; ii-Ribeira Grande/Paúl/Janela; iii-Ponte Sul/Ribeira da Cruz; iv-Boca de Ambas-as-Ribeiras/Garça), mas também a estrada Ribeira Grande/Boca de Ambas-as-Ribeiras, construída entre 1998 a 2000; a estrada Coculi/Chã de Pedras contruída entre 2014 a 2016; a estrada Ponte Sul/Tarrafal de Monte Trigo cuja construção é dividida pelos governos do PAICV: 28 Km de Ponte Sul até Chã de Escudela e do MpD: 12 Km de Chã de Escudela até Tarrafal; a estrada Porto Novo/Ribeira Grande via montanha, construída na época colonial de 1958 a 1962;

·         5 - Falta o aterro sanitário comum para a ilha;

·         6 - Falta um hospital decente e equipado para diminuir a evacuação dos doentes para Mindelo e Praia;

·         7 - Falta o projecto de candidatura da cratera da Cova e Vales do Paúl e da Ribeira da Torre a Património Mundial da Humanidade;

·         8 - Falta a modernização e rentabilização da sua agricultura com novos sistemas de rega, introdução de novas espécies, renovação de outras e criação de unidades transformadoras para incrementar o agro-negócio e criar condições de fixação das populações nos seus lugares de origem;

·         9 – Falta a construção das estradas de penetração de: Caibros, de Figueiral e de João Afonso no Concelho da Ribeira Grande; de Ribeira Fria, de Ribeira dos Bodes e de Chã de Norte no Concelho do Porto Novo;

·         10 - Falta a construção de pelo menos mais cinco barragens para a retenção das águas pluviais com o propósito de irrigação e aumento do regadio (ou de uma grande unidade e/ou várias unidades de dessalinização para a produção da água para a agricultura);

·         11- Faltam infraestruturas desportivas [i- campos de futebol em localidades fora das cidades; ii- manutenção e modernização dos dois estádios de futebol existentes na Ponta do Sol e no Porto Novo; iii- construção de uma aldeia desportiva em Ponta do Sol, onde se situa o aeródromo desactivado com: a) um novo estádio que servirá para disputas nacionais e internacionais; b) um polidesportivo coberto; c) dois campos de ténis e um de golfe; iv- construção de um estádio no concelho do Paúl; v- construção de polidesportivos cobertos em Porto Novo e Paúl; vi- construção do estádio no Tarrafal da Ribeira Grande];

·         12 – Faltam infraestruturas culturais [i- o museu da romaria na cidade do Porto Novo; ii- uma pista asfaltada para os desfiles de São João Baptista na cidade do Porto Novo que servirá também para albergar outros eventos como o Carnaval, as feiras agropecuárias enquadradas nas festas de São João Baptista; iii- a conclusão das obras da Aldeia Cultural “Nôs Raiz” – as paredes sul e leste que desde 2016 estão por concluir; iv- construção de três anfiteatros municipais em cada concelho para que haja uma sala para diversos tipos de espectáculo; v- construção de edifícios apropriados para a instalação de bibliotecas municipais ou adaptação de alguns edifícios existentes para o mesmo fim; vi- o museu do grogue na cidade da Ribeira Grande;  

·         13 - Falta a construção de uma verdadeira avenida marginal na cidade do Porto Novo que descongestionará a principal rodovia da mesma cidade (Avenida Amílcar Cabral, a única via que liga todos os bairros da cidade);

·         14- Falta vontade política para a montagem de uma estratégia para a salvaguarda do Perímetro Florestal do Planalto Leste que vem sendo dizimado por incêndios frequentes desde 1992 ao presente;

·         15-Falta uma verdadeira urbanização nos principais centros urbanos, principalmente em Porto Novo, que possui muitos terrenos loteados, mas não há nem trilhos dos arruamentos para que os prédios sejam implantados convenientemente.

Se SANTO ANTÃO está na “terceira divisão”, SANTIAGO está na “primeira divisão” em termos do nível de desenvolvimento e para que não haja dúvidas, é necessário fazer um exercício de comparação dos investimentos que uma e outra ilha têm recebido:

A- SANTIAGO com 991 Km2 de superfície tem SETE BARRAGENS (de retenção das águas pluviais, o que aumenta consideravelmente a área de regadio), o que dá um rácio de uma barragem por cada 141 Km2;

B- SANTO ANTÃO com 779 Km2 de superfície tem APENAS UMA BARRAGEM (de retenção das águas pluviais e o aumento da área de regadio foi insignificante), o que dá um rácio de uma barragem por 779 Km2.

C- Em SANTIAGO, pelo menos, 80% das suas estradas nacionais são asfaltadas:    

a) Praia/Tarrafal via interior, passando por S. Domingos, Órgãos, Picos, Assomada e Serra Malagueta numa extensão de 66 km;

b) Praia/Pedra Badejo, numa extensão de 30 km;

c) Praia/Cidade Velha - 15 km;

d) Pedra Badejo/Órgãos - 15 km;

e) Flamengos/Achada Falcão - 12 km;

f) Fundura/Figueira das Naus/Achada do Meio/Figueira Muita/Ribeira Prata - 20 km) entre outras.

E aproximadamente 50% das estradas municipais são asfaltadas e existem em todos os concelhos da ilha (sem nomear as variadíssimas ruas das cidades, vilas e até aldeias que foram asfaltadas).

D- Em SANTO ANTÃO, a percentagem das estradas nacionais asfaltadas é uma VERGONHA, É DE APENAS UMA ÚNICA:

a) Porto Novo/Janela numa extensão de 22 km, construída em 2009, que está inserida no Eixo Rodoviário Porto Novo/Janela/Pombas/Ribeira Grande/Ponta do Sol com 40 km de extensão (os troços da Ponta do Sol passando por Ribeira Grande, Pombas até Janela foram inaugurados em 1985), o que quer dizer que faltam 18 km para serem asfaltados e que só nas campanhas eleitorais falam nisso.

As duas únicas estradas municipais asfaltadas são Ribeira Grande/Ribeira da Torre numa extensão de 9 km e Garça de Cima/Chã de Igreja numa extensão de 10 km.

As outras estradas nacionais são calcetadas:

a) Porto Novo/Ribeira Grande, numa extensão de 36 Km, construída na época colonial, inaugurada em 1962, por sinal a única estrada da ilha, digna desse nome, até 1975;

b) Ponte Sul/Ribeira da Cruz, numa extensão de 30 Km, inaugurada em 1985;

c) Boca de Ambas-as-Ribeiras/Garça de Cima, numa extensão de 12 Km, inaugurada em 1985;

d) Ribeira Grande/Boca de Ambas-as-Ribeiras, numa extensão de 9 Km, inaugurada em 2000;

e) Ponte Sul/Tarrafal de Monte Trigo, numa extensão de 40 km (construída em duas fases, por dois governos diferentes, sendo do PAICV, de Ponte Sul até Chã de Escudela numa extensão de 28 Km, inaugurada em 2014, e do MpD, de Chã de Escudela até Tarrafal numa extensão de 12 Km, inaugurada em 2022).

E as estradas municipais são calcetadas, ou empedradas ou de terra batida. Enquanto que em SANTIAGO a população tem o direito de circular em estradas “lisas”, cómodas, confortáveis, a população de SANTO ANTÃO circula em estradas esburacadas, aos solavancos...

Nenhuma rua de nenhuma cidade, vila ou aldeia de Santo Antão é asfaltada, o que denota um atraso considerável no nível de desenvolvimento e modernidade.

E- SANTIAGO recebe investimentos avultadíssimos como i) o Porto da Praia que foi construído em 1978, mas beneficiou de uma expansão e modernização de uma só vez, utilizando o primeiro pacote do MCA todo em 2009; ii) o Aeroporto da Praia que tinha sido construído em 2005 e beneficiou em 2014 de uma modernização e expansão no valor de mais de 200.000.000 (duzentos milhões) de dólares.

F- SANTO ANTÃO viu o investimento i) da expansão e modernização do Porto do Porto Novo em 2012, mas numa primeira fase, o que não ajuda muito na atracagem de barcos de grande calado ou os barcos de cruzeiro, e, a segunda fase é prometida apenas nas campanhas eleitorais; ii) esta ilha não tem aeroporto (o que é mais uma maldade dos sucessivos governos do meu país, pois sendo a ilha mais bela de Cabo Verde, com um turismo de natureza em expansão que oferece as mais lindas e deslumbrantes paisagens), que foi projectado para ser localizado na localidade de Chã do Porto Novo no concelho do Porto Novo (e que foi descrito no EROT-SA – Esquema Regional de Ordenamento do Território de Santo Antão publicado no Boletim Oficial em 2012), mas que não ata nem desata, e é prometido apenas nas campanhas eleitorais.

G- SANTIAGO vê milhões e milhões de euros investidos na modernização da agricultura, na construção de estradas modernas (até já se fala em via rápida Praia/Tarrafal) e SANTO ANTÃO não vê nada na modernização da agricultura, nem em estradas modernas. E poderia ficar aqui a escrever dias a fio no esmiuçar das diferenças entre as duas ilhas e o fosso aumentaria ainda mais.

Qualquer presidente de Câmara Municipal de qualquer município de SANTIAGO que pede ou pressiona o governo para financiar isso ou aquilo, rapidamente ele vê o seu pedido satisfeito, enquanto que qualquer presidente de Câmara Municipal de um qualquer município de SANTO ANTÃO tem medo de pedir e pressionar o governo para financiar um determinado projecto (os exemplos cristalinos são a construção das estradas municipais de Caibros e de Figueiral no concelho da Ribeira Grande e de Ribeira dos Bodes e de Ribeira Fria no concelho do Porto Novo que há séculos as populações esperam e que nunca nenhum governo de Cabo Verde teve a consideração em cumprir o seu dever, e quando chove ficam isoladas e sem abastecimento durante longo tempo.

Que fique bem claro que NÃO SOU CONTRA QUALQUER INVESTIMENTO em SANTIAGO, mas SOU CONTRA A DIFERENÇA DE TRATAMENTO QUE OS GOVERNOS TÊM TIDO em relação a estas duas ilhas, pois enquanto SANTIAGO DESENVOLVE EXPONENCIALMENTE, SANTO ANTÃO AFUNDA VERTIGINOSAMENTE.

De ilha dinâmica e com muitas vocações, que nas décadas de 1950 e 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 Santo Antão teve a sua BANANA a ocupar o primeiro lugar dos produtos na exportação de Cabo Verde, de gente inteligente, perspicaz, acolhedora, com senso de justiça, participativa e patriota, passa para ILHA VOTADA AO ABANDONO.

Que sina triste foi reservada a esta ilha!

PACIÊNCIA...!!!

Santo Antão só lhe é dado coisas a conta gotas. Triste!!!

Esta ilha devia ser vista e tratada com mais respeito, pois foi a ilha que mais contribuiu com combatentes na LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. ISSO NÃO CONTA PARA NADA?

 [Nota: Por opção utilizo a grafia anterior ao acordo ortográfico.]

Jorge Eduardo Pires Monteiro (Jorginho)

Porto Novo, 28 de Junho de 2024.

 

 

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