O crime, realidade antiga e persistente, diga-se, das sociedades humanas, tem sido motivo de interesse e promotor de esforços intelectuais, numa tentativa, ela também continuada, para a sua explicação e, consequentemente, para o seu enfrentamento. E, porque engendradas por domínios de conhecimento díspares, as várias teorias explicativas já produzidas, todavia, têm-se mostrado ineficazes, quando, isoladamente, servem de base para iniciativas de combate a este problema.
Não se deve “conceber” o crime tão-só como um modelo típico previsto na norma penal. Não se deve, “conceber” o crime unicamente como resultado de um transtorno e nem como um fenómeno de índole estritamente moral. Tão-pouco, se deve encarrar o crime como cifra, números apenas, que fazem parte das contabilidades estatísticas. Muito menos, se deve olhar para o crime como resultado direto da pobreza ou da desigualdade social.
Entretanto, por conveniência circunstanciais, tem sido esta a tentação por parte das diversas entidades com responsabilidade e/ou interesse na matéria. Esta atitude, porém, acarreta consequências sociais enormíssimas, porquanto deturba a realidade e enviesa os mecanismos de diagnóstico, de prevenção e de combate. Por conta disto, e numa aproximação ideológica com Francesco Carmelutti, concordo que esta perspetiva de abordar o fenómeno não se compadece com os tempos atuais, mormente com os conhecimentos que já se têm sobre esta matéria. Afinal, o crime, enquanto um “problema social”, carece de uma visão analítica mais holística.
É esta consciência, e só, que nos direciona para o “caminho certo”. Aceitar esta realidade – que o crime é inseparável da convivência em sociedade e que, portanto, deriva da intrincada correlação entre os elementos que a compõe – livra-nos da ilusão de que, a partir de explicações singulares e desagregadas, poderemos idealizar soluções perfeitas e definitivas para o fenómeno criminal. A partir desta consciência, podemos, isso sim, encontrar soluções positivas e mais eficazes.
Nesta empreitada de compreender e combater o crime, deve-se, a todo o custo, evitar a atitude imprudente de se procurar “o culpado”. Dito de uma outra forma, deve-se fugir da paixão e da apologia cega à uma única área do saber. Como defenderam os da “Escola de Chicago”, a atitude deve ser outra: de “empatia”. Um comprometimento imparcial, neutro, na abordagem ao tema e à problemática. Porque, compreender este fenómeno, tal qual, é fundamental para não se lhe dar um tratamento ligeiro, como se de um qualquer e corriqueiro problema se tratasse, ignorando as suas particularidades e complexidade.
Como tenho vindo a realçar, o fenómeno criminal é complexo, pois, disso não resta a mínima dúvida, resulta de intrincadas variáveis decorrentes da própria dinâmica social. Da mesma forma, e não escondo, tenho defendido, desde sempre, que a melhoria das condições sociais, através de Políticas Públicas que propiciem a igualdade de oportunidades e promovam o bem-estar coletivo, é essencial no propósito de prevenção e mitigação de certas tipologias de crimes. Tal apologia não significa, no entanto, que a minha pretensão é defender e justificar as ações de alguns “criminosos”. Não. Não é esta a minha pretensão. E nem faria sentido.
Na linha do que diz Olavo de Carvalho, e sublinho, não pretendo moralizar e “humanizar”, de tal forma, a “imagem do delinquente e crucificar a sociedade injusta”, que, diga-se, é vista, amiúde e erroneamente, como a principal responsável - a vilã - por o indivíduo escolher o crime como opção de vida.
O que eu pretendo salientar é que não se deve colocar todos os ovos no mesmo cesto. Qualquer tentativa de explicação do fenómeno criminal requer uma atenção à cada crime especificamente. De entre outras razões, porque cada crime tem subjacente um contexto situacional, também, específico, que lhe serve de impulso. Ou seja, as condições sociais, o contexto familiar e/ou comunitário, em concorrência, pressupõe-se, com outros fatores criminógenos, de índole pessoal e não só, podem sim influenciar o indivíduo a iniciar no crime.
Porém, pede-se a devida atenção ao fato de que um conjunto de fatores criminógenos específicos favorece crimes, também, específicos. Por exemplo, o caso mediático de rapto seguido de violação sexual da menor, que aconteceu recentemente num dos subúrbios da Praia; ou os casos recorrentes de “caço-bodi” na Capital; ou os crimes de corrupção, entre outros. Estes exemplos são paradigmáticos e mostram, inequivocamente, que os impulsos para o seu cometimento não terão sido os mesmos. Os seus agentes não tiveram, de certeza, os mesmos motivos paras se enveredaram no mundo do crime.
Sendo assim, resta-nos abordar o crime enquanto evento.
Por um lado, o envolvimento inicial no mundo do crime pode ter justificação em um conjunto de fatores situacionais, nomeadamente as condições sociais desfavoráveis. Por outro lado, o continuar e o cometimento de cada crime resulta, indubitavelmente, da escolha individual de quem decide praticá-lo. O mesmo é dizer que o crime e o comportamento criminal, como defende Cornish, resultam de uma escolha racional de cada indivíduo, segundo um cálculo prévio de custos/benefícios.
Como frisa o meu amigo Casimiro de Pina, e concordo em absoluto, não se pode desresponsabilizar o INDIVÍDUO - agente do crime - e culpabilizar a sociedade e/ou as condições sociais adversas. Aliás, como faz questão de ressaltar, “é por isso que existe, em qualquer país do mundo, a responsabilidade penal individual”. E não a “responsabilidade penal social”.
Chegado a este ponto, não resta a mínima dúvida de que o crime, caracteristicamente, é um comportamento humano, deliberado e orientado para um objetivo, cuja intenção é beneficiar o ofensor, indo de encontro das suas necessidades e gratificação, de várias ordens (Clarke e Felson). Mas, o crime, também, encerra riscos e comporta incertezas. Daí que decidir continuar no crime implica, como já se disse, uma escolha que resulta de um cálculo de custos/benefícios. E continua-se no crime quando se percebe que os benefícios são, incomparavelmente, maiores de que os custos.
Ora, partindo desta premissa, e a partir de um raciocínio prático, chega-se a conclusão de que é preciso, e é possível, desencorajar o crime aumentando os risco e os custo para o seu agente. Não significando, no entanto, mais polícias, mais tecnologias, mais normas jurídicas restritivas de direitos e liberdades fundamentais. A solução para o crime não se encontra, absolutamente e tão-só, nos investimentos para aumentar o número dos policiais, na sofisticação das tecnologias e, tão-pouco, na qualidade legislativa, como frisa Manuel Valente.
É preciso que, na arena do combate à criminalidade, a atuação conjunta e sistemática de todos os atores, que constituem a máquina do controlo social, seja efetiva e redunda da eficiência e da eficácia, por forma a que o indivíduo sinta que não terá tempo de “usufruir” dos benefícios e dos resultados do seu comportamento criminosos. O indivíduo tem de ficar convencido de que, de fato, o crime não compensa.
Em jeito de conclusão, fica a sugestão de se pensar numa “Justiça alternativa” em Cabo Verde, que sirva para debelar a morosidade da nossa justiça, que, diga-se, tem constituído um autêntico incentivo à continuidade da ação criminosa por parte de determinados grupos e em várias esferas de atuação, com os custos sociais já conhecidos.
Senão vejamos: as nossas escolhas e/ou decisões, diz a neurociência, guiam-se por uma recompensa futura, que têm como base um cálculo de previsibilidade. Este, por sua vez, apoia-se nas experiências passadas e nas condições atuais.
Ora, se no passado o indivíduo tenha praticado crimes e não lhe aconteceu nada, devido a ineficiência e a ineficácia do “sistema” e, atualmente, não vislumbra melhorias no mesmo, é claro que não se sentirá intimidado à não continuar a prática criminosa.
É neste sentido que uma modalidade de “justiça alternativa”, que traga celeridade e eficácia, no dizer de Francisco Ferreira, e que poria fim ao conjunto de cerimónias e protocolos simbólicos (uma marca dos sistemas repressivos e punitivos, que só servem para atrasar a realização da justiça), seria fundamental para desencorajar quem pretende fazer carreira no crime.
*Licenciado em Criminologia e Segurança Pública
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