De uns tempos pra cá, tenho reparado que a onda dos discursos contra os partidos políticos vem aumentando, pior ainda, numa tentativa tremenda de desmotivar a classe juvenil à participar nessas organizações de extrema importância para a democracia. Há uma tentativa desenfreada em diabolizar as políticas partidárias, menosprezando a sua juventude, “as Jotas”. Dói quando essa retórica advém de jovens com alta capacidade de liderança, que preferem fazer políticas partidárias com a neblina de ONGs, inibindo-se de usufruir do seu direito, explanado no artigo 57º na Constituição da República de Cabo Verde.
A Constituição, no seu artigo 2º, referindo-se ao Estado de Direito Democrático, declara que, a República de Cabo Verde organiza-se em Estado de Direito Democrático assente nos princípios da soberania popular, no pluralismo de expressão e da organização política democrática e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.
Ainda no ponto dois do mesmo artigo, desta carta magna, refere-se que a República de Cabo Verde reconhece e respeita, na organização do poder político, a natureza unitária do estado, a forma republicana de governo, a democracia pluralista, a separação e a interdependência dos poderes (...).
No seu artigo 4º, referindo-se ao exercício do poder político, no ponto um, declara-se que, o poder político é exercido pelo povo através de referendo nas demais formas constitucionalmente estabelecidas. No ponto dois, confirma-se que, para além da designação por sufrágio dos titulares dos órgãos do poder político, estes poderão ser também designados pelos representantes do povo ou pela forma constitucional ou legalmente estabelecida.
Para exercer o poder político no nosso país, de acordo com as nossas leis, é necessário criar ou fazer parte de um partido, para legitimar-se a concorrer ao nobre cargo de governante/dirigente do povo, através das eleições legislativas e autárquicas.
Portanto, é necessário repensar a forma como essas organizações são vistas, porque, elas são grupos de pessoas organizadas, legalmente formado, com base em formas voluntárias de participação numa associação orientada para ocupar o poder político. Juridicamente, o partido define-se como organização de direito privado, que no sentido moderno da palavra, pode ser reconhecido como união voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e políticas, organizada e com disciplina, visando a disputa do poder político. E como qualquer organização formada por pessoas, é necessário ter jovens interessados, capacitados e preparados para garantir a sua estabilidade e continuidade.
A juventude é a fase em que a pessoa se encontra entre os 15 e os 35 anos. É a etapa da vida onde começa-se a estabelecer a identidade pessoal, que acompanha o indivíduo pelo resto da vida. Aqui entra, não apenas as formas de mover-se, comportar- se ou agir, mas também, todas as progressões, expectativas e sonhos que se moldam na vida futura. Muitos destes indivíduos têm o sonho de serem grandes políticos, nestes dez grãozinhos de terra.
Qualquer sociedade, para desenvolver-se, necessita de uma população jovem, capaz de trabalhar e impulsionar o seu desenvolvimento em todos os aspetos, principalmente, os aspetos económicos. Cabo Verde além de ser um país jovem, em democracia e liberdades, tem uma população maioritariamente jovem, isso significa oportunidade de prosperidade, se soubermos conjugar a política e a juventude.
A sociedade melhor desenvolvida é aquela que a sua política é estável, porque a política é a arte de bem organizar, e “bem-aventurados” são aqueles que têm essa nobre missão de representar e organizar a vida de uma nação.
Mas, infelizmente, a “sociedade cabo-verdiana” tem estado a propagar um forte discurso contra os partidos políticos e contra os políticos, numa tentativa cruel de afastar os jovens da política e dos partidos políticos. Contrariamente, reconhece-se uma grande necessidade da participação dos jovens na vida pública. Não é que esteja sendo “advogado do diabo”, ou em busca de recompensa na defesa dos partidos/políticos, mas, é necessário separar-se o trigo do joio e concertar os erros cometidos.
Maldito é o homem/ jovem que afirma que todos os políticos são iguais, que todos os partidos são iguais e que o sistema não muda. Penso que estes foram levados pela falácia dos que fracassaram ou não tiveram a oportunidade de ascender na vida pública. Existem grandes diferenças entre os partidos, no que toca às suas ideologias, valores e princípios. Vejo largas diferenças entre os políticos, na comparação entre as suas ações enquanto ser humano e ser profissional. Essas diferenças variam consoante o caráter do indivíduo.
Custa-me acreditar numa expressão muito popular entre os cabo-verdianos que é “Dje ka entra na pulitika dje straga, é ka era si, sistema ki tornal si”. Essa expressão a meu ver, é uma forma de aliviar a dor dos corruptos e dos seus aliados, porque como disse alguém “o homem não nasce corrupto, torna-se corrupto”. Portanto, essas pessoas sempre foram malandras, o único problema é agora são peças mal colocadas que fragilizam a máquina do Estado.
Mas, quem é que os permitiu ter o “estatuto” de representantes do povo? Quem são os culpados? Povo? Não! Os culpados são os que, autointitulam-se “bons e honestos”, fugitivos covardes da vida pública, que agora vivem desesperançando a juventude desta via útil de resolução dos problemas sociais.
É natural pensar-se que contribuir para o desenvolvimento social, não implica necessariamente fazer parte de um partido político, uma vez que, esse contributo pode ser dado através da participação em ONG´s, confeções religiosas, empresas, associações comunitárias e outras organizações da sociedade civil. No entanto, preferir fazer parte dessas organizações “politicamente neutras”, não dá a ninguém o direito de desmoralizar os que fazem parte de organizações partidárias. Afinal, são os dirigentes políticos é que regem as leis que regulam as organizações não governamentais, são eles os responsáveis pela garantia do bem-estar social, através de políticas de plano de saúde, de educação, de segurança, de crescimento económico, etc.
Será que é o sistema que corrompe o homem, ou é o homem quem corrompe o sistema? O sistema, muda ou não muda?
Acredito que a maioria dos cabo-verdianos já ouviu falar deste tal “sistema”. Esse desconhecido que vai e que vem, culpado de tudo e mais alguma coisa. Mal sabem eles que o tal “sistema” são pessoas. O sistema é feito de pessoas, assim sendo, é o homem que corrompe o próprio homem. É esse mesmo homem corrompido que resiste à mudança, deixando a falsa perceção de que este “tal sistema” nunca muda. Pode ser ingenuidade da minha parte, mas, creio sim na mudança do “sistema”. Acredito que existem pessoas de boa fé na política, portanto, há de se encontrar uma forma de evitar esses erros de casting e filtrar melhor os políticos.
Os jovens têm de ser muito resilientes num ambiente que se considera muito hostil e vulnerável à persuasão do mal. Conheço vários políticos que iniciaram o exercício da liderança em organizações não governamentais sem fins lucrativos, entraram na política para fazer grandes diferenças e conseguiram. Também, conheço muitos que tiveram a mesma oportunidade e optaram pela corrupção.
Os que iniciaram nas organizações da sociedade civil e acabaram corrompidos na vida política, condenaram o futuro dos que poderiam ter escolhido o mesmo percurso e, no entanto, queriam simplesmente servir o povo. Um jovem bom e honesto que está ativamente desempenhando as suas funções nas associações comunitárias e outras organizações, não perderá os seus valores e os motivos que o levaram a fazer parte de um partido, quem é competente, exerce a sua competência em qualquer lugar, orientado pelo princípio da honestidade.
Um renomado filósofo tem dito que “o povo tem o governo que merece, e quem foge da política acabara sendo governado pelos tolos”. Portanto, a camada social mais potente e crítica é a camada juvenil, isso deve motivar essa parte da sociedade a interessar-se pela política partidária, com o intuito de romper com as más práticas arraigadas na política cabo-verdiana. A união, a autoinclusão e a resiliência são as melhores armas a serem utilizadas.
O antigo presidente de Angola, por exemplo, foi muito criticado por causa da corrupção, quando resolveu deixar a liderança do país, fez questão de deixar o seu braço direito no comando. Esse “braço direito”, que foi visto pela maioria como apenas mais um corrupto, hoje, é elogiado por causa da sua guerra declarada contra a corrupção. Portanto, precisamos ser pacientes e esperar a oportunidade de estar no lugar onde podemos tomar decisões.
A sociedade africana foi revolucionada pela sua juventude inconformista e lutadora. Em Cabo Verde não foi diferente, uma juventude ativa e cheia de bravura atingiu os seus objetivos com a criação de partidos, para conseguir a independência e a democracia. Esses grandes partidos, que fazem parte das mudanças históricas da nossa terra, foram fundados por jovens que na sua época lutaram por grandes causas, movidos pela sua ideologia forte e desejo de gerar mudanças na vida política e social.
Em suma, é da responsabilidade dos jovens a desintoxicação dos partidos políticos (caso os mesmo estejam intoxicados), invés de acompanhar a retórica anti partidária.
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