Jorge Santos e o 31 de Agosto
Ponto de Vista

Jorge Santos e o 31 de Agosto

Nesta questão muito se tem dito, porém zero verdade. O Sr. Jorge Santos, que em 1991 bandeou para os lados do MpD, é que mais tem explorado esse trágico acontecimento. Jorge Santos, Digno Presidente da Assembleia Nacional e por inerência Presidente da República substituto, dizia, não era assim e nesses tempos o S. Jorge. Foi de ferrenho militante do então PAICV e dirigente da JAAC-CV, um saltitante militante, bem acrobático, em vários partidos, estando de novo no MpD.

  1. Antão viveu nessa altura um momento angustiante e que deixou marcas para muitas gerações. Não havia Lei de Reforma Agrária, nem projeto de lei. O que havia, sim, era um anteprojeto. Porém, foi espalhado um lote explosivo de boatos, desde a partilha de galinhas para quem não tivesse, passando para a distribuição de casas de quem tivesse mais que uma, até a redistribuição das terras. Se havia uma coisa em que o regime era fraco era em matéria de comunicação e eu diria até uma espécie de vergonha pelo regime instituído. Não funcionou a comunicação do Poder, para ao menos esclarecer que o que se pretendia, em primeiro lugar, era ouvir todas as partes e de alguma forma proteger os que trabalhavam e deviam beneficiar-se do seu esforço produtivo.

A questão fundiária em Santo Antão sempre foi bicuda, de dominação secular de famílias, reproduzindo servos, que sucediam de pais para filhos. Aquele pai de família, com sete e dez filhos, era obrigado a fazer tudo, inclusive entregar os filhos e filhas para os donos das terras que lavravam, pois estavam constantemente sob a ameaça de serem expulsos desse naco de terra e não terem para onde ir. Os lavradores e seus filhos eram mandados agredir os adversários ainda na minha adolescência. Nos tempos negros da fome homens eram mortos por “dê cá aquela palha”. E o que é curioso é que são esses mesmos desvalidos, que sob o efeito desses malditos boatos, marcharam comandados pelos seus seculares opressores contra uma suposta reforma agrária, que por sinal não se fez.

Vejo com tristeza muitos jovens que nem eram nascidos, gente instruída, filhos ou netos dessa mesma gente humilde, analfabeta, repetindo esta estória como autênticos papagaios, sem procurar investigar por si a verdade. Sem poder ao menos se interrogar, como foi possível sair-se de uma família de analfabetos para um estatuto de graduado ou até altamente graduado.

Quem era Adriano?

Adriano, que o Sr. Jorge Santos, despudoradamente e sem respeito, exibe aí na seu post, falecido, foi em primeiro lugar vítima da ingenuidade e de toda essa campanha então movida, mas também das próprias técnicas de guerra que trouxe da guerra colonial.

Com efeito, Adriano era um combatente da guerra colonial, semianalfabeto, porém treinado para guerra. Nesse fatídico dia, Adriano, utilizando as técnicas que havia aprendido, assaltou um militar que trazia sua arma, um AKA M, às costas. De posse da arma correu para encontrar um abrigo. É nessa corrida para o abrigo, de onde eventualmente podia atingir muitas pessoas, que um militar sacou a sua arma e atingiu-o antes de ele se abrigar. Numa situação dessas, em qualquer regime político, pode acontecer.

Porém, eu não me levanto para defender os responsáveis que lá estavam, pois sempre entendi que houve erros graves na condução desse processo. Costume dizer que se mandou para S. Antão para tomar conta da situação um militar, que lá tinha estado como responsável do Partido, que devia ter sido sim preso com os insurretos, pois era um dos principais focos do descontentamento em S. Antão.

Mas outra inverdade é dizer que essas pessoas se levantaram contra a lei da reforma agrária. Porquê? Exatamente porque não havia lei nenhuma, como eu disse atrás. O governo de então tinha, sim, posto em discussão pública um anteprojecto de lei. Nem projecto era. Aliás, contrariamente, hoje, na democracia, com o “grande democrata Jorge Santos” a comandar o Poder Legislativo, os nossos representantes não discutem previamente com os eleitores lei nenhuma e limitamos a tomar conhecimento das leis na comunicação social ou nos boletins oficiais.

Conheci gente com primos, irmãos, sobrinhos, presos na Ribeirinha e nunca lá foram vê-los. Eu estava lá quase todos os dias, inclusive no dia da amnistia. Fui eu quem levou ao hospital o saudoso Osvaldo Rocha, chegando a ser interrogado pela Polícia por essa ligação. Porém, depois do advento da democracia multipartidária, vi essa mesma gente escrevendo longos textos, sobretudo por alturas do 31 de Agosto. Falta de vergonha e politiquice.

Tenho a plena consciência do tabu que envolve ainda hoje esta questão e que muitas vozes, movidas pela emoção e não pela razão, me dirão aqui cobras e lagartos. Mas eu há muito que aprendi a vencer os meus medos, pelo que não tenho qualquer medo do destino das minhas palavras, e espero que sejam tomadas a sério, porque as pensei, como sempre.

Mas já era tempo daqueles que tomaram conhecimento, que conheciam os arquivos, falassem de gente que até do estrangeiro escreviam para o Partido, para a JAAC-CV, e até diretamente para a Segurança de Estado. denunciando colegas estudantes, por atitudes que consideravam ferir os princípios do regime.

Investigação séria necessita-se e o Jorge que se cale, porque ganhará muito!

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